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"O biodiesel irá para as mãos dos estrangeiros"


. - 02 dez 2011 - 15:50 - Última atualização em: 27 fev 2012 - 13:51

A Brasil Ecodiesel nasceu com o biodiesel em seu DNA . Pelo menos era essa a ideia, em 2003, que sustentava o projeto do empresário Daniel Birmann, fundador e maior acionista à época. O projeto tinha um padrinho de peso: ninguém menos do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sonhava transformar o País em referência mundial. Mas o sonho se evaporou, Birmann saiu da empresa, que entrou em dificuldades e em setembro deixou de ter o biodiesel como cartão de visitas, ao incorporar a Vanguarda Agropecuária, um negócio de R$ 1,1 bilhão em ações. No comando da nova empresa, o economista Bento Moreira Franco disse, em entrevista à DINHEIRO RURAL , que faltam incentivos fiscais e pesquisas para o setor.

DINHEIRO RURAL – Por que a Brasil Ecodiesel, agora Vanguarda Agro, decidiu redirecionar suas operações para dentro da fazenda?
BENTO MOREIRA FRANCO – Mudamos porque a dinâmica do setor agrícola é muito mais clara do que a dinâmica do setor de biodiesel. A empresa vai para a agricultura por causa da crescente demanda global por alimentos, enquanto o mercado de biodiesel está saturado. Por outro lado, também é uma possibilidade de nos protegermos na cadeia produtiva, já que a fazenda é o começo dela.

RURAL – A Vanguarda Agro nasce de que tamanho?
MOREIRA FRANCO – Juntas, a Brasil Ecodiesel, a Maeda – empresa incorporada em dezembro de 2010 – e a Vanguarda possuem 330 mil hectares de terras na Bahia, em Mato Grosso e no Piauí, para o cultivo de soja, milho e algodão. A Vanguarda corresponde a duas Maedas e meia. Ela trouxe mais terra, produção e geração de caixa, o que torna a Vanguarda Agro a maior produtora agrícola do País. Só em soja, por exemplo, são 700 mil toneladas por safra. Há, também, ganhos de sinergia. Na compra de fertilizantes, a economia é de US$ 100 por tonelada.

RURAL – Qual a estratégia para os próximos anos?
MOREIRA FRANCO – Na agricultura há muito espaço para crescer. O esmagamento de grãos tem alguns grandes players, empresas brasileiras de excelência, mas ainda existe espaço para avançar. As maiores traders são responsáveis por 20% a 25% do esmagamento de grãos no País. O que não é o caso do setor agrícola produtivo. Essa foi uma das razões para irmos à fazenda.

RURAL – Então a empresa vai comprar mais terras?
MOREIRA FRANCO – A partir de agora vamos integrar as três empresas para que operem em conjunto. Depois, vamos às terras. Hoje, temos uma ação que é líquida no mercado de capitais e que pode ser utilizada como moeda para a compra de novas empresas. Já estamos com algumas em vista.

RURAL – O biodiesel vai perder espaço, em função da produção de grãos?
MOREIRA FRANCO – Nossa produção de biodiesel não vai diminuir. Ele é um ativo importante, representa 40% de nossas vendas e não temos intenção de deixá-lo. A mudança que ocorre está na receita da empresa que, como um todo, aumentará muito. Com a agricultura, agregamos mais geração de caixa. Assim, de uma empresa que até 13 meses atrás obtinha 100% de suas receitas do biodiesel, com um faturamento de R$ 600 milhões, passa a ter hoje uma receita de R$ 1,5 bilhão por ano, com 60% representados pela agricultura.

RURAL – Por que o setor de biodiesel é ocioso?
MOREIRA FRANCO – Porque a demanda ainda é menor do que a capacidade de produção. Há um marco regulatório do Governo Federal que determina a mistura de apenas 5% de biodiesel no diesel mineral. Mas, hoje, poderíamos suprir o dobro dessa cota, adicionando 10% na mistura. Para que isso ocorra, precisamos de uma lei ampliando o percentual máximo.

RURAL – Em vista disso, o Brasil deveria diminuir a importação de diesel?
MOREIRA FRANCO – O Brasil é importador de diesel porque o petróleo brasileiro, quando é refinado, gera mais gasolina e menos diesel mineral do que precisamos. O Brasil é um importador de diesel mineral e um exportador de gasolina. Aliás, também é um importador de etanol de milho, o que é uma vergonha. Caso a proporção da mistura de biodiesel no diesel aumentasse, com certeza importaríamos menos diesel mineral.

RURAL – O Brasil é o único produtor mundial de biodiesel com capacidade ociosa?
MOREIRA FRANCO – Prefiro dizer que o único produtor sem uma capacidade ociosa grande é a Argentina. Para isso, o país montou uma enorme cadeia de incentivos fiscais para produzir biodiesel e exportá-lo. Na Argentina, quem mira o mercado externo paga menos impostos.

RURAL – O que falta para essa cadeia evoluir no Brasil?
MOREIRA FRANCO – Os pesquisadores descobrirem qual é a “cana-de-açúcar” do biodiesel. Precisamos de uma matéria-prima que não concorra com o alimento, como ocorre com o biodiesel à base de soja. As culturas de ciclo curto se enquadram muito bem em um mercado com leilões de biocombustível determinados pelo governo a cada três meses. A mamona já foi uma possibilidade de produção de ciclo curto.

RURAL – E por que não é mais?
MOREIRA FRANCO – Até 2007 existia uma especificação para a produção do biodiesel, chamada ANP 42, em que era possível utilizar 100% de óleo de mamona. Mas o governo federal, encantado por alguma coisa que não sei o que é, resolveu aproximar a especificação brasileira daquela que se pratica na Europa. O que significou isso? Explico: por densidade, 80% do óleo de mamona poderia ser utilizado na fabricação de biodiesel e, por viscosidade, apenas 20%. Acontece que a viscosidade – que na química é o poder de um líquido permanecer fluido –, é uma das barreiras técnicas da mamona como matéria-prima. Com isso, o próprio governo desestimulou estudos para viabilizar seu cultivo.

RURAL – O biodiesel vai cair nas mãos do capital estrangeiro?
MOREIRA FRANCO – Atualmente, a maior parte do mercado de biodiesel está nas mãos do capital nacional. Mas uma parte considerável, provavelmente, irá para as mãos dos estrangeiros. Isso já acontece no esmagamento, que é o passo anterior na cadeia de produção. Nesse setor, a tendência é que ele seja incorporado cada vez mais pelas multinacionais. Veja que no açúcar e no álcool a presença do capital estrangeiro tem aumentado muito nos últimos cinco anos. No biodiesel, o maior expoente é a americana Archer Daniels Midland (ADM). Agora, há rumores de que a Cargill e a Bunge têm projetos de biodiesel, mas elas ainda não se manifestaram.

RURAL – Como ocorre a formação de preço do biodiesel que vai para o mercado consumidor?
MOREIRA FRANCO – Não sei e acho que quase ninguém sabe. O governo nunca divulgou claramente como isso ocorre. Os técnicos alegam ter uma fórmula de preço que leva em consideração uma série de itens. Para nós, a impressão é que eles fazem uma pequena projeção de câmbio e de preços, principalmente do preço do óleo de soja. E ultimamente, nos parece que os técnicos têm levado um pouco em consideração também o preço de sebo bovino.

RURAL – E o custo da logística não é levado em conta?
MOREIRA FRANCO – Passou a ser levado em conta recentemente. Nesses leilões de que estamos participando, para entregar o biodiesel nos meses de outubro, novembro e dezembro, pela primeira vez o governo colocou uma variável no preço, chamada de fator de ajuste logístico, algo que tenta colocar em perspectiva o valor diferenciado para a matéria-prima nas diversas regiões do Brasil. Com o fator logístico, o mercado ficou mais justo, digamos assim, para quem tem fábricas no Brasil inteiro, como nós. Tanto é verdade que conseguimos o melhor preço no último leilão de outubro.

RURAL – Quanto custa construir uma usina?
MOREIRA FRANCO – A grande questão por trás desse negócio chamado biodiesel é conseguir fazer um giro rápido da produção porque o custo da matéria-prima é bem mais relevante do que o investimento para se construir uma fábrica. Os investimentos são feitos sempre em unidades pequenas, em relação ao potencial faturamento. Por exemplo, devemos faturar próximo de R$ 200 milhões neste quarto trimestre de 2011, com mais ou menos 50 mil metros cúbicos de biodiesel produzido. Uma planta para a fabricação desse volume, a custo de reposição, necessitaria hoje de um aporte de capital entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões. Mas precisamos de R$ 100 milhões, pelo menos, para a aquisição de matéria-prima.

Alécia Pontes - Dinheiro Rural