A hora é de pragmatismo, conclama Erasmo Battistella
Nenhum empreendedor brasileiro soube tirar tanto proveito da política brasileira de produção de biodiesel, inaugurada em 2004, quanto Erasmo Carlos Battistella. Apostou pesado na decisão do governo de passar a adicionar biodiesel ao diesel comum a partir de 2008. A aposta deu resultado e ele se tornou, hoje, o maior produtor brasileiro de biodiesel. Agora, ruma ao Paraguai para instalar uma planta de biocombustíveis avançados. Na entrevista originalmente publicada pelo portal Amanhã e resumida por BiodieselBR.com, Battistella conta como vê o Brasil em uma fase de mudança de ciclo econômico.
Como os investidores externos estão olhando para o mercado brasileiro de energias renováveis?
O Brasil é muito respeitado na parte de energias renováveis: etanol, biodiesel, energia eólica, hídrica, agora começando a ganhar espaço com a energia solar. Ou seja, nosso trunfo não é uma fonte de energia somente e não envolve só combustíveis líquidos, mas também energia elétrica. Isso é muito importante para se criar essa massa de investimentos em energias renováveis, que se consolida como uma área estratégica para o Brasil. Mas há algumas definições que ainda precisam ocorrer e que impactarão bastante o setor. O Brasil terá uma política clara de como vai tratar os combustíveis? Então, o mercado lá fora espera que o Brasil adote para sempre uma política de mercado nos preços de energia e combustíveis. Se isso acontecer, vai aumentar ainda mais a atratividade de investimento nas energias renováveis. Esse movimento, esse novo olhar do governo para o setor de energia e para a questão da precificação, estão sendo observados e são fundamentais para que nosso setor se torne atrativo para receber mais investimentos.
O ainda estão em desacordo com o que o mercado espera na cadeia de energias renováveis? Que ajustes são necessários?
Acredito que os ajustes são estes que o próprio governo está colocando. Por exemplo, no segmento de combustíveis, reorganização tributária e precificação de acordo com o mercado, além de uma abertura para a participação de outros agentes na cadeia produtiva, de modo a realmente abrir o mercado para que a gente tenha livre concorrência e não haja mais monopólios em energia. Se isso acontecer, nós teremos mais capital do exterior investindo em energia. É uma visão clara que vem de fundos, de bancos de investimentos e de empresários que querem investir no Brasil. Quanto mais o mercado é a regra, melhor para nós, porque estaremos aumentando a atratividade de investimento. Quando falo de atratividade de investimento, não falo só do externo, mas também do capital interno. Muito empresário no Brasil tem projetos para fazer investimentos e estão aguardando para ver como fica essa política. E certamente vão tirar projetos da gaveta para aumentar o nível de investimento. Portanto, não é só dinheiro do exterior, não. Tem muito dinheiro dentro do Brasil esperando as regras ficarem claras.
A expectativa de todos esses investidores é de que estruturas monopolistas, inclusive no petróleo, sejam claramente abertas à concorrência?
Sim. E isso é em todas as áreas do segmento de energia, seja em combustíveis, energia elétrica... O monopólio sempre afasta investimento, inibe competitividade. Para os consumidores, a concorrência é saudável desde que as regras estejam claras e que as agências reguladoras funcionem de forma independente. Quanto mais técnicas forem as agências reguladoras, melhor. O nome já diz: é uma agência que regula. E quem regula são os técnicos. Eles é quem têm de tomar conta das áreas. Isso serve para todos os segmentos, não só para a área de energia.
Com as mobilizações pelo mundo cobrando providências contra as mudanças climáticas, qual deve ser a postura do Brasil diante das metas de redução de emissões estipuladas no Acordo de Paris?
O Brasil vem bem no cumprimento do Acordo de Paris. Para ser justo, não é uma questão de agora. Se voltarmos aos governos anteriores, todos se preocuparam em aderir e se manter em linha com o acordo internacional do clima. Tivemos a construção de políticas públicas de médio e longo prazos que são fundamentais. Vimos o nascimento do programa de biodiesel, o crescimento do programa de etanol, o início e o crescimento da energia eólica e, agora, também da energia solar. No último governo, foi criado um programa chamado RenovaBio, que é um grande guarda-chuva para políticas públicas que vão fomentar biocombustível e outras formas de energia. Tudo isso faz com que o Brasil possa atingir seus compromissos. O RenovaBio deixa claro que o Brasil precisa diminuir as emissões em 10,1% até 2030 e manter as emissões controladas mesmo com crescimento econômico. Sem fazer uso de biocombustíveis e energias renováveis, o Brasil não teria como atingir essa meta. Mas vejo que o país está muito em linha com o acordo, está nota 10. Se o Brasil cumprir o que está na lei, vamos chegar em 2030 com um grande reconhecimento a nível global e recebendo grandes investimentos. Basta cumprir o que está na lei.
Entre a necessidade de acelerar o crescimento e reduzir as emissões de CO2, confrontam-se dois polos de pensamento. Como você vê este debate entre ambientalistas e desenvolvimentistas?
Eu não vejo esse debate como o tema mais importante nesse momento no Brasil. O setor produtivo amadureceu. No começo do governo atual, havia uma discussão sobre unir o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente e muitas áreas do setor produtivo, do agronegócio, posicionaram-se contra porque entendem que precisamos crescer e preservar o meio ambiente. Então, essa é a posição clara de muitas áreas de produção. Na última década, nenhum empresário com quem eu tenha conversado quer fazer o seu negócio de qualquer forma sem respeitar o meio ambiente, muito pelo contrário. A grande maioria das empresas, dos empresários e dos produtores rurais, quer preservar o meio ambiente e ganhar dinheiro com a preservação ambiental. Se estamos preservando mais o meio ambiente no Brasil, em algum lugar do mundo quem não está preservando tem de pagar isso para a gente. O setor produtivo do Brasil está preocupado em produzir de forma ambientalmente correta. Muitas vezes as informações é que são distorcidas. Tem gente que não produz um pé de soja, que não gera um emprego e quer sair falando asneira, dizendo que o Brasil não cuida do meio ambiente. Quem está no dia a dia gerando emprego está comprometido em preservação ambiental. Não queremos fazer a coisa de qualquer forma. Nos próximos 10, 15 e 20 anos, o Brasil tem de ter um consumo mais consciente e sustentável. O Brasil é um dos países que mais tem oportunidade de ganhar dinheiro com isso. É preciso colocar no centro da discussão como é que nós agregaremos valor à preservação ambiental, à produção correta sob o ponto de vista ambiental. Como geramos valor para o Brasil preservando florestas e usando a quantidade de biocombustível que usamos. Acho que a gente tem que deixar um pouco de lado a ideologia nesse momento e realmente focar para que o Brasil esteja na vanguarda dessa mudança que está ocorrendo no mundo.
A sua holding está fazendo um investimento significativo, de US$ 800 milhões, no Paraguai. Está se desenhando um processo de investimentos industriais brasileiros no Paraguai? É uma tendência?
Sempre é bom esclarecer que o investimento no Paraguai não é da BSBios. Não podemos confundir. A BSBios tem dois acionistas: a Petrobras e a minha holding. No Paraguai, o projeto é da minha holding. Sobre o investimento: o Paraguai tem atraído investimentos tanto de brasileiros quanto de empresários mundo afora. Nos últimos anos, tem aumentado o número de brasileiros investindo lá. Por que estão investindo no Paraguai? São questões pragmáticas. Número 1: proximidade geográfica. Quem mora no Rio Grande do Sul ou em São Paulo leva menos de duas horas de voo. Número 2: o Paraguai tem uma economia estável e que vem crescendo sem parar nos últimos 15 anos. Número três: o custo tributário do Paraguai é o mais competitivo do mundo. Número quatro: o custo de energia elétrica corresponde a um terço do custo da energia elétrica no Brasil. Número cinco: o custo de mão de obra é 25% do que custa no Brasil – o salário é igual, mas o custo adicional ao salário é menor. Essa competitividade tem atraído empresários de diversas áreas. Eu fui convidado para fazer um estudo sobre investir no Paraguai. Fizemos o estudo e eu percebi que havia oportunidade. Começamos em fevereiro a segunda fase de um grande projeto no Paraguai para a produção de biocombustíveis, justamente por causa desses cinco diferenciais que eu enumerei. E existe mais um atrativo que é importante: o Paraguai tem produção de matéria-prima e é um campo fértil para o projeto Ômega Green, que vai produzir um biocombustível diferente, os chamados biocombustíveis avançados [ele se refere aqui ao HVO, óleo vegetal hidrotratado, e ao SPK, óleo de querosene parafínico sintético].
O programa de desinvestimento da Petrobras deve levar a companhia a se desfazer de sua participação na BSBios. Como este processo deve evoluir?
Como a Petrobras tem ações em bolsa e uma participação governamental muito importante, ela tem regras de desinvestimento que seguem as normas de instituições públicas de controle. Esse processo começou no ano passado e não foi concluído, porque veio o período eleitoral, mudança de governo, substituição da diretoria da Petrobras... Mas agora, quando toda a governança da Petrobras já está com nova diretoria, a tendência é que esse processo de desinvestimento possa continuar nos próximos meses.
Qual sua posição sobre a venda?
Eu deixei clara a minha posição quanto a esse processo já no ano passado e sigo com a mesma disposição: tenho interesse em recomprar a participação da Petrobras. Eu acredito na BSBios e acredito nesse mercado. Obviamente pode ser sozinho ou com parceiro, e eu tenho a minha estratégia como empresário, mas tudo só vai acontecer quando a Petrobras retomar esse processo. Quem define o tempo, o momento e a forma é a Petrobras. A gente tem de respeitar as políticas internas deles.
Em que estágio se encontra a indústria brasileira do ponto de vista da inovação?
Acredito que o país está perdendo grandes oportunidades no campo da inovação porque não temos investimentos com este foco. Temos, naturalmente, empresas que se destacam como a Embraer e, também, o trabalho que a Petrobras faz na área do pré-sal. Mas, enfim, as oportunidades que temos no Brasil são muitas, e poderíamos estar avançando bem mais. Há muitos estudos desenvolvidos dentro das universidades que não conseguem chegar ao mercado. Não conseguem transpor a barreira das investigações iniciais para fazer parte da pesquisa industrial e ter utilização dentro do processo produtivo. Muitas empresas querem inovar, mas estão com dificuldades muito sérias para pagar as contas em dia e sobreviver... E por outro lado estas empresas não conseguem acessar linha de crédito para inovação, porque não há políticas públicas de incentivo à inovação, ou são insuficientes.
Que prognóstico você faz sobre a guerra comercial recíprocas entre Estados Unidos e China? Acredita que o bom senso vai dissipar as medidas hostis, de parte a parte?
Eu acredito que sim. Em algum momento, China e Estados Unidos vão sentar e ter um acordo comercial construído. Essa guerra comercial não é positiva nem para a China, nem para os Estados Unidos, nem para o mundo. Quando a gente está em briga, não cresce. Ou cresce menos. Acredito que chegaremos a um entendimento daqui a alguns meses. Como são as duas maiores economias do mundo, também são os que mais perdem com a guerra comercial. Um acordo certamente terá impactos sobre todos os países, principalmente nos produtores de commodities, o que é o caso do Brasil. Num confronto, perdem todos.
Eugênio Esber – Amanhã
Com adaptação BiodieselBR.com