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Política

Plano da equipe de Lula de criar preços regionais para combustíveis é de difícil execução, dizem especialistas


O Globo - 09 nov 2022 - 10:02

A intenção da equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar um conjunto de mecanismos para alterar a política de preços — com calibragem regional, por meio da criação de valores de referência — é vista por especialistas com ressalvas.

Um ex-integrante da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que pediu para não ser identificado, pondera que a criação de um mecanismo transparente para os preços de gasolina e diesel é importante, uma vez que as iniciativas adotadas até agora se mostraram fracassadas.

A política de paridade de importação, instituída no governo de Michel Temer, carece de critérios transparentes, apontou, ressaltando que o mercado não consegue discernir quando o valor da gasolina e do diesel vai cair ou subir em consequência das cotações do petróleo e do dólar.

Durante o segundo turno da eleição, por exemplo, diversos especialistas defenderam reajustes diante do aumento do preço do barril, citando defasagem nos combustíveis, mas a Petrobras não promove reajustes desde setembro.

Diversos países que contam com petroleiras estatais em locais como América Latina, China, Rússia e Oriente Médio contam com políticas de preços próprias, mas analistas avaliam que elas não são transparentes.

A proposta na mesa, de criar um mecanismo que une preços locais e de importação dividido por regiões, pode encontrar dificuldades, já que as empresas, por estratégia, evitam abrir toda a estrutura de custos por uma questão concorrencial.

Além disso, em termos práticos, seria necessário incluir na conta os custos de biocombustíveis, como o etanol (que é misturado na gasolina) e biodiesel, o que torna a equação mais complexa.

Caso o plano siga adiante, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deveria indicar essa atribuição à ANP.

Outra fonte que já fez parte dos quadros da ANP destaca que é preciso entender como seria feita a divisão regional, já que, a depender da configuração, o Nordeste poderia ter de arcar com preço maior em razão dos custos logísticos, já que tem a mesma quantidade de refinarias que o Sudeste.

Uma alternativa, segundo fontes, seria aumentar a produção nacional com uma capacidade maior de refino. Mas os especialistas alertam que a construção de uma refinaria tem período superior a quatro anos, ou seja, o prazo é superior ao mandato de Lula.

Um ponto importante no caminho é definir a questão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, que vai precisar ser resolvida entre Lula e os estados.

Impacto do ICMS

Os estados só têm garantia de compensação por parte do governo federal, em razão da redução do ICMS, até o fim do ano. Há incerteza sobre como isso será tratado em 2023.

Para Cleveland Prates, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a intenção de criar uma política de preços que não seja baseada diretamente nos preços internacionais pode reduzir a competição com importadores, reforçando o monopólio de fato da estatal.

Especialistas apontam que proposta de calibrar preços com valores regionais pode dificultar concorrência no setor.

Segundo Prates, essa é uma questão que deveria ser avaliada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a concorrência. A preocupação dos especialistas é com a segurança do abastecimento, uma vez que algum tipo de controle de preços poderia causar falta de combustível. “Hoje, um terço do diesel consumido é importado, demanda que é atendida pelos importadores. E se o preço estiver muito descolado, não haverá incentivo para essa competição. Essas empresas podem acusar a estatal de práticas anticompetitivas, colocando o preço no limite que inviabiliza a entrada e competição com outras empresas”, disse.

Marcelo De Assis, diretor de Upstream da consultoria Wood Mackenzie, destaca que o ponto central na discussão de preços é que o Brasil ainda não é autossuficiente em refino. Com isso, avalia ele, uma mudança na política atual de paridade de importação, pode afetar a concorrência e reduzir a atividade de importadores. Para ele, Isso pode ocasionar risco de desabastecimento. “O ideal é o livre mercado, pois não existe tanta flexibilidade para não acompanhar as cotações internacionais. E não se sabe como o Cade reagiria a isso tudo, pois essas mudanças vão afetar o processo de venda das refinarias, gerando impacto na concorrência”.

Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, vê ressalvas ao plano. “A política de paridade de preços baseada na média de12 meses de importação foi fundamental para reduzir o endividamento. Dependendo do teor da nova política, podemos ter o comprometimento do desempenho financeiro”.

Bruno Rosa – O Globo