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Será que todos estão surdos?


Paulo Miranda Soares - Fecombustíveis - 09 mar 2012 - 10:30
Paulo Miranda Soares
Dizem que o ano só começa de fato após o carnaval. Pelo menos para a revenda, isso não tem sido verdade em 2012. O S50 chegou aos postos de todo o Brasil em janeiro e, desde então, os revendedores estão quebrando a cabeça para descobrir o que fazer com esse diesel mais caro que encalhou nas bombas, porque os novos caminhões com motor Euro 5 ainda não estão nas estradas. E, parado nos tanques, esse novo combustível, mais sensível que o S500 e o S1800 (justamente pelo menor teor de enxofre, que funciona como bactericida e ajuda a combater a formação de micro-organismos), tende a ficar turvo e formar borras.

Se a questão da demanda deve se resolver (ou pelo menos melhorar) a partir do segundo trimestre, quando os novos veículos estiverem nas concessionárias, o problema da qualidade pode se agravar em janeiro, quando o S10 substituirá o S50. Para tentar minimizar esse problema, e outros que já afligem a revenda, a ANP propôs nova especificação para o biodiesel, alterando, entre outros itens, o teor de água dos atuais 500 ppm para 200 ppm.

Manda a diplomacia que sejamos cordiais e tentemos resolver nos bastidores os problemas que, por vezes, surgem com nossos parceiros, ou mesmo com adversários. Infelizmente, o que vi e ouvi nos últimos meses impede-me de aderir à política da boa vizinhança.

Temos presenciado um lobby fortíssimo dos produtores para elevar a qualquer custo o percentual de mistura do biodiesel no diesel, mexer o mínimo possível na especificação e, assim, evitar investimentos em melhoria da qualidade. Em outras palavras, querem acabar com o excesso de capacidade ociosa com o aumento do consumo compulsório, já que esta é a única forma de dar vazão a um produto que não satisfaz seus consumidores.

Sempre que ouço as lamúrias dos produtores quanto à necessidade de criar demanda com elevação do percentual obrigatório, pergunto-me por que eles não conseguem exportar ou convencer frotas cativas a usar um percentual maior de biodiesel? As respostas podem ser múltiplas, mas com certeza passam por preço elevado e qualidade.

Esses mesmos produtores afirmam que qualidade é uma das prioridades do setor. No entanto, a realidade é diferente quando chega a hora de colocar o discurso em prática.

Tivemos uma boa prova disso durante a audiência pública sobre a nova especificação do biodiesel. Apesar de nas reuniões prévias o setor ter sinalizado que estava de acordo com as mudanças, o que vimos foi uma tentativa de se deixar tudo como está e condicionar qualquer alteração à chegada do S10, “se ela realmente ocorrer em janeiro”. Para colocar em dúvida a introdução do novo diesel, ou os produtores contam com alguma informação privilegiada ou estão completamente desinformados sobre o mercado nacional. Mas há também uma terceira hipótese, mais perturbadora: deixa-se tudo como está agora e, quando eles se convencerem de que o S10 irá mesmo chegar em janeiro, irão alegar que não há tempo suficiente para garantir 200 ppm.

Durante a audiência, citou-se que a mudança no ponto de entupimento a frio comprometeria o biodiesel de sebo, valorizado e demandado pelos europeus. O mais curioso é que, até a data da audiência, ninguém nunca ouviu falar de exportação de biodiesel nacional. Também repetiram exaustivamente que a Europa, apesar de usar S10, especifica 500 ppm. Mas por que não contaram que a usina europeia produz com 200 ppm?

Talvez seja pelo mesmo motivo que, após encontro na Fecombustíveis, divulgaram nota insinuando que apoiávamos o B7 no curto prazo, algo que nem foi tratado durante a reunião.   

Acredito, porém, que o bom senso irá prevalecer e ANP e governo colocarão a proteção do consumidor acima dos interesses comerciais de determinado setor. Não ficarão cegos e surdos ao que está acontecendo no mercado.

Paulo Miranda Soares é presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis).