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Que futuro queremos?


Valor Econômico - 08 jun 2018 - 14:20

O mundo está em profunda e rápida transformação e as nações que almejam o progresso precisam se antecipar às mudanças. Em termos de mobilidade, inovações tecnológicas em forma de eletrificação estão mudando a maneira como nos locomovemos.

O Brasil deve decidir se quer ser protagonista ou coadjuvante neste processo inevitável. Nesse sentido a nossa velocidade de ação poderá colocar o Brasil entre os líderes mundiais, dada as suas enormes vantagens comparativas na geração de energia elétrica limpa, ou, por outro lado, nos manter em posição de importador de bens e serviços de alto valor agregado.

A eletrificação dos veículos – onde é esperado que representem um terço do mercado rodoviário mundial até 2035 –, terá inúmeros efeitos nas cidades, principalmente em relação aos recursos energéticos distribuídos. O custo da bateria deverá ter uma redução acelerada, o que já deve acontecer em curto prazo com a nova fábrica de bateria da Tesla de grandes proporções, que já entrou parcialmente em operação em 2017 e tem previsão de entrar em operação completa ao final de 2020. Os custos das baterias despencaram em mais de 50% em 5 anos e espera-se que caiam ainda mais, chegando a um décimo do que custavam em 2015.

A baixa autonomia dos veículos elétricos tem sido resolvida em alguns municípios por meio da implantação de infraestrutura de carregamento. Outra iniciativa que contribui para o crescimento desse mercado é o avanço das tecnologias de transferência de energia dos veículos para a rede elétrica (V2G) para outro veículo (V2V) e para a residência (V2H). O desenvolvimento dessas novas tecnologias de armazenamento de energia próximas ao consumidor é complementar ao da geração distribuída. Com isso, os "prosumidores" – consumidores que produzem energia elétrica – contribuirão no armazenamento de energia quando ela não estiver sendo necessária. Além disso, a geração de energia distribuída a partir de fontes renováveis fará com que o veículo elétrico seja mais atrativo como meio de redução de emissões de carbono no setor de transporte.

Dessa forma, estima-se que até 2020 o custo do veículo elétrico (VE) será equivalente ao de um carro de motor a combustão interna, e combinado a outros fatores como a implantação de infraestrutura de recarga necessária para os VEs e aceitação cultural dessa nova tecnologia, se espera uma profunda alteração da frota mundial de automóveis, veículos leves de carga, ônibus e até mesmo veículos pesados de carga.

Apesar de todas essas evidências, o Brasil resiste em se preparar para dominar a tecnologia necessária para o desenvolvimento da eletrificação da frota de veículos e dirigir o emprego da bioenergia para mercados mais promissores. Um desses mercados seria o do transporte aéreo. Não se antevê ainda a eletrificação na aviação, que dependerá de combustíveis líquidos por algumas décadas. Assim, o emprego do etanol e produção de bioquerosene deveriam ser incentivados. No entanto, para migrar para estes outros usos, algum esforço é necessário, em termos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A habitual visão de curtíssimo prazo leva o país a incentivar a manutenção de uma tecnologia já esgotada de motores a combustão interna. Ao resistir às evidências seremos muito provavelmente um mercado para tecnologias e fábricas obsoletas dos países desenvolvidos. O argumento de que os veículos e a infraestrutura são mais caros não se sustenta no médio prazo. O Brasil também resistiu a investir em energia solar fotovoltaica usando os mesmos argumentos, o que nos deixou com uma participação pífia desta fonte de energia. Em 2004 as previsões de incremento anual de geração solar fotovoltaica eram de 6 GW no ano de 2030. Em 2016 este incremento chegou a 80 GW com os custos caindo vertiginosamente.

É bem provável que o mesmo ocorra com a eletrificação dos transportes e, a exemplo do que ocorreu com a energia solar, nós não estaremos alinhados com o avanço tecnológico.

O programa Renovabio, criado para subsidiar a expansão do uso do bioetanol como combustível de veículos flex para além de 2030 visando a redução de emissões de carbono, já nasce defasado com as tendências mundiais no setor de transportes. Entretanto, pode-se pensar em aliar o progresso tanto na produtividade da cana como nas tecnologias de segunda e terceira geração para a produção de biocombustíveis e a própria biomassa para primordialmente gerar bioeletricidade em usinas elétricas distribuídas.

Estas usinas se aliariam à hidreletricidade para aumentar a robustez do sistema elétrico interligado frente à intermitência com a entrada crescente das fontes renováveis eólica e solar. Assim como não observou o potencial de crescimento da energia solar fotovoltaica, o Brasil não está atento para a crescente importância mundial da bioeletricidade. A geração de energia elétrica a partir de biomassa no mundo, que era de 300 TWh em 2010, duplicará no final desta década e estima-se que em 2050, chegue a 3 mil TWh de acordo com dados de agências internacionais de energia.

Além disso, se as tecnologias de captura e armazenamento permanente do gás carbônico (CO2) efluente destas usinas de bioeletricidade em poços profundos evoluírem e se mostrarem viáveis, o Brasil poderia se transformar num dos principais países a contribuir com remoções de CO2 da atmosfera – complementar aos planos de reflorestamento e restauração de ecossistemas –, meta necessária do Acordo de Paris para mantermos o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius.

A greve dos caminhoneiros fez a poluição na cidade de São Paulo reduzir-se em mais de 50% e a qualidade do ar esteve satisfatória durante a maior parte do período da paralisação, mesmo sob condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão de poluentes. A diminuição da queima de combustíveis fósseis nas cidades trará palpáveis benefícios à saúde dos brasileiros com a eletrificação da frota de veículos. Contribuirá igualmente para a saúde planetária. É hora de iniciar a transformação do Renovabio em Renovabioletricidade.

Suzana Kahn é professora da Coppe-UFRJ.
Carlos A. Nobre é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e Sênior Fellow do WRI Brasil