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Preço é entrave para descarbonização brasileira via biocombustíveis


EPBR - 19 mai 2021 - 10:15

Responsável por 38% das emissões de CO2 no Brasil, o setor de transportes emitiu 196 milhões de toneladas em 2019, e deve aumentar a emissão pelo uso de combustíveis fósseis.

Estimativas da Ubrabio (associação do setor de biodiesel) apontam para um aumento de 1,14 milhão de toneladas de emissões CO2 apenas nos meses de maio a agosto de 2021, por conta da recente redução no percentual de mistura obrigatória de biodiesel no diesel.

A motivação econômica para o corte de três pontos percentuais na mistura de biodiesel coloca em dúvida a capacidade de o governo seguir com a estratégia de promoção dos biocombustíveis na agenda de descarbonização.

“É uma sinalização contrária de um discurso já consolidado de redução de emissões e maior participação do biocombustível”, comenta David Tsai, coordenador de estudos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

“Ao mesmo tempo em que se afirma essa aposta no biocombustível, as condições impostas mostram que a garantia de suprimento deste biocombustível está bastante fragilizada e dependente de mercados externos. Se existe um discurso em prol do biocombustível, é necessário garantir as condições para que essa oferta seja firme e para gerar essa estabilidade para o consumidor”, completa.

Nos últimos meses o governo brasileiro vem sendo pressionado por causa dos aumentos nos preços dos combustíveis – especialmente o diesel, combustível mais usado no Brasil.

Os preços são influenciados principalmente por fatores externos como cotação do petróleo e desvalorização do real frente ao dólar.

Mas também sofrem influência do preço dos biocombustíveis. No caso do biodiesel, ele chegou a ser comercializado, em média, a R$ 5,536 por litro no último leilão, já com o percentual de mistura reduzido para 10%.

Governo opta por caminho que privilegia fóssil

Atendendo a uma pressão dos caminhoneiros e na tentativa de desviar de uma queda na popularidade, o governo Bolsonaro gastou este ano mais de R$ 3,2 bilhões na política de desoneração dos combustíveis derivados de petróleo – dois meses para o diesel fóssil e permanente para o GLP.

E, mesmo com menos biodiesel e subsídio ao fóssil, não conseguiu grande eficácia em aliviar o bolso dos consumidores.

A expectativa é que novas medidas para o mercado sejam apresentadas em junho.

O mercado apoia a criação de um fundo para compensar disparadas de preços e reformas tributárias, a começar pelo ICMS.

Para atender ao impacto que os preços têm na popularidade do presidente, o governo estuda como fazer com que a medida não seja diluída ao longo da cadeia, mas aplicada diretamente para os consumidores.

Uma das ideias é criar um sistema de cashback, onde o fundo compensaria diretamente o consumidor.

Pressão chegou ao etanol

Na semana passada, a Fecombustíveis (associação de postos de combustíveis e revenda) divulgou um ofício enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) pedindo redução do percentual da mistura do etanol anidro à gasolina para 18%.

Hoje a adição é de 27%.

Para agentes do setor, o pedido é uma tentativa de copiar o que aconteceu no biodiesel e “passar a boiada” também no etanol.

“De fato nós estamos vendo preços históricos, batendo recordes nominais do etanol anidro. Porém, isto não deve ser usado como único argumento para a solicitação de redução da mistura”, diz Haroldo Torres, economista e professor do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege) da Esalq/USP.

O economista destaca que este tipo de recuo representa perda de previsibilidade e de garantia das políticas públicas e acaba por favorecer os combustíveis fósseis.

“O mundo está caminhando para uma economia de baixo carbono e nós não podemos ficar toda vez ao sabor de movimentos de mercados, garantindo o mercado para os fósseis e desprezando as externalidades positivas dos biocombustíveis”, argumenta.

Preço do anidro

O preço do etanol hidratado e do anidro depende também do valor da gasolina e das condições de estoque, isto é, do nível de oferta do produto, explica Haroldo.

Segundo o economista, o estoque de etanol anidro até 1º de maio estava em pouco mais de 648 mil metros cúbicos, valor superior aos 562 mil m³ do mesmo período da safra 2019/2020.

“Ou seja, em outros momentos na safra 2019/2020, na safra 2017/2018 e na safra 2014/2015 nós enfrentamos níveis de estoque do etanol anidro abaixo do que está sendo verificado hoje”.

Para ele, ainda que a previsão para a região Centro-Sul no Brasil — principal cinturão canavieiro — seja de redução da produção em função do clima, isso não vai significar necessariamente um desabastecimento.

Questionada sobre o ofício da Fecombustíveis, o MME respondeu via assessoria que “acompanha o mercado de etanol na mesa de abastecimento que reúne MAPA, EPE, ANP, produtores, importadores, refinarias, distribuidores e revendedores. Nesse acompanhamento, não foi identificada necessidade de reduzir o teor de etanol anidro na gasolina C”.

Nayara Machado – EPBR