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Pesquisa

UFMG desenvolve catalisador a partir da casca do ovo


Boletim UFMG - 28 ago 2013 - 12:58 - Última atualização em: 29 nov -1 - 20:53
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Toneladas de cascas de ovos desperdiçadas pela indústria alimentícia agora podem ter finalidade nobre na síntese de biocombustíveis. Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Ensaios de Combustíveis (LEC) da Universidade Federam de Minas Gerais (UFMG) revelou que uma substância que pode ser obtida a partir do processamento desse material pode substituir, com vantagens, os catalisadores utilizados comercialmente na fabricação de biodiesel.

“Trata-se de algo simples, mas tecnologia é isso: quanto mais simples, mais chance de ser aplicada, especialmente quando é eficiente”, pondera a professora Vânya Pasa, que realizou a pesquisa. Segundo ela, um catalisador é uma substância que facilita uma reação química, reduzindo a energia necessária e aumentando sua velocidade. A indústria de biodiesel hoje se vale de catalisadores homogêneos, ou seja, em estado líquido o que facilita seu acesso aos sítios reativos das moléculas porque fica na mesma fase que o óleo e o álcool utilizados no processo de transesterificação.

Contudo, tais catalisadores precisam ser retirados do combustível, exigindo sucessivas lavagens e gerando grandes volumes de efluentes líquidos. Os catalisadores homogêneos também podem formar sabões que dificultam a etapa final de purificação do biodiesel. Por isso, catalisadores em estado sólido têm atraído interesse. “Há muitos trabalhos no mundo inteiro que buscam o desenvolvimento de catalisadores sólidos, ou heterogêneos, que possam ser eficientes e separados em uma simples filtração”, comenta a professora.

No entanto, em geral, os catalisadores sólidos em desenvolvimento envolvem nanotecnologia ou metais como lantânio, ouro ou nióbio. Isso os encarece.

O material desenvolvido pela UFMG supera esse obstáculo. “Trata-se de tecnologia de baixo custo, de fácil aplicação, eficiente, ecologicamente correta e de importância industrial”, descreve Vânya Pasa. O novo catalisador apresentou estabilidade, podendo ser reutilizado sem perda de atividade.

Outra vantagem percebida é que o gliceróxido de cálcio é eficiente para processar óleos de alta acidez, considerados menos nobres e, portanto, mais baratos. Ele é ativo tanto na etapa de esterificação quanto de transesterificação, permitindo que as duas reações sejam feitas em um único estágio, simplificando o processo. “Também fizemos testes com etanol ao invés de metanol, cuja síntese é mais difícil, e o resultado foi igualmente muito bom”, informa a professora.

Obtenção
Responsável pelo controle de qualidade dos combustíveis comercializados em 550 cidades de Minas Gerais e coordenadora de grupo de pesquisas na área, Vânya Pasa conta que a pesquisa nasceu quando ela foi procurada por um microempresário do setor de alimentos que pediu uma solução “para as montanhas de casca de ovos que produzia”.

Após confirmar na literatura que a casca de ovo é constituída predominantemente de carbonato de cálcio, a professora decidiu testar algumas ideias para converter o insumo em outras moléculas ativas como catalisador para produção de biodiesel, o que foi feito com a ajuda do bolsista de iniciação científica Gustavo Pereira dos Reis.

Coletadas no restaurante universitário do campus Pampulha, as cascas foram lavadas e colocadas para secar numa estufa 105 °C durante 12 horas. Mais tarde, o material foi triturado e tratado a altas temperaturas num forno especial com atmosfera controlada. O pó resultante foi, então, acondicionado em dessecador e convertido no gliceróxido de cálcio. 

O resultado dos testes foi “surpreendentemente muito bom”, informa a professora, que destaca que os resultados foram superiores não apenas aos obtidos com catalisadores homogêneos comerciais como, também, superou outros catalisadores sólidos sofisticados já testados no LEC – como óxidos nanoestruturados e materiais lamelares. O produto também tem alto rendimento, pureza e é fácil de separar do óleo.

Solubilidade
“Mas tivemos uma dúvida: será que era bom porque durante o processo se tornava homogêneo, ou seja, solubilizado?”, comenta a professora, que também se animou com o resultado do teste de solubilidade. “Procuramos saber quanto de cálcio estava solúvel, já que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) regulamenta o percentual de cálcio, por ser uma impureza que não pode estar no produto em grande quantidade”, informa.

Nos testes comparativos, os pesquisadores observaram que os catalisadores comerciais se dissolvem e contaminam mais o biodiesel. “O nosso é mais estável termicamente e se solubiliza muito menos. Estamos falando de um produto análogo, mas com propriedades diferenciadas que levam a uma tecnologia verde, porque aproveita um resíduo”, diz a professora.

Com relação aos percentuais, os testes revelaram que a contribuição homogênea do catalisador é inferior a 6%, o que não compromete o uso do produto, pois predomina a catálise heterogênea, que é bastante vantajosa. “Esse pequeno teor de cálcio solubilizado também pode ser facilmente retirado do biocombustível, visando atender a legislação brasileira”, afirma a pesquisadora.

Cadeia produtiva
O uso do catalisador desenvolvido pode ser benéfico não apenas para a grande indústria, mas também para pequenos produtores rurais, afirma a professora Vânya Pasa. Ela sugere que a novidade poderia viabilizar um modelo de produção de biodiesel 100% local. Nele os agricultores poderiam plantar a oleaginosa, produzir o álcool a ser usado e fazer o processamento do biodiesel usando catalisador obtido das cascas de ovos. Dessa forma, localidades isoladas poderiam ter pequenas usinas e fabricar o biocombustível necessário para mover caminhões e maquinários agrícolas e, também. acionar geradores de energia elétrica.

Casca
As cascas representam 10% do peso do ovo e como não há aproveitamento bem estabelecido para o resíduo, boa parte das cascas tem o lixo como destino. No mundo, são gerados cerca de 5,9 milhões de toneladas por ano de cascas de ovo. Vânya Pasa destaca que os biocombustíveis têm sido priorizados como alternativa complementar da matriz energética de vários países, com o objetivo de reduzir o impacto dos gases do efeito estufa, apontados como as principais causas das mudanças climáticas.

Prestes a publicar artigo sobre o trabalho, Vânya Pasa conta que recentemente descobriu que um grupo de pesquisa chinês chegou simultaneamente aos mesmos resultados e demonstrou, como ela, o potencial dos catalisadores a partir de cascas de ovos. “Como eles tinham acabado de publicar, nosso trabalho não pode ser considerado inédito nem gerar patente. Mas estamos divulgando, para tornar esse conhecimento de domínio público, capaz de ser aproveitado”, informa.

Outras pesquisas têm sido feitas com o óxido de cálcio, com o objetivo de testar modificações estruturais que possam aumentar sua atividade e capacidade de uso. “A ideia é trabalhar mais com o cálcio animal e encontrar formas de reaproveitamento do resíduo”, aponta a pesquisadora.

Com adaptação BiodieselBR.com