Embrapa mostra a história milenar da soja, que completou 100 anos de cultivo comercial no Brasil
Quando se anda pelo Brasil, é bem possível estar perto de uma das áreas dos 47 milhões de hectares de soja plantados no país. O pé de soja já se tornou familiar para o brasileiro.
Mas como seria a planta perene e selvagem na sua origem, lá na Austrália, e na China, de onde veio a ancestral mais próxima da soja cultivada atualmente? As datas de origem são bastante controversas sobre esse período, mas com certeza a história da soja remonta mais de 5.000 anos.
Quem tiver curiosidade, poderá conferir essa soja selvagem de vários milênios, que estará semeada no Show Rural Coopavel, em Cascavel (PR). Não é nada parecido com o que estamos acostumados a ver. A chamada soja selvagem é uma planta rasteira e perene, com vida útil por vários anos. Com presença no leste da Ásia, a soja foi domesticada pelos chineses há pelo menos 4.000 anos.
A Embrapa tem um banco de germoplasma com 65 mil tipos de soja. Um pouco mais de 3.000 tipos dessa coleção são de soja selvagem, cada uma com características específicas. Mônica Zavaglia, pesquisadora da empresa, se empolga ao mostrar as especificidades das que ela mantém semeadas na casa de vegetação, em Londrina (PR).
Uma diversidade de tipos de flores, com formatos e cores diferentes; uma variedade muito grande de folhas, inclusive algumas aveludadas, e vagens pretas, com grãos minúsculos e, também, pretos.
Utilizando os parâmetros de hoje, para preencher uma saca de 60 quilos de soja naquela época, o produtor iria precisar de uma área muito grande de cultivo, uma vez que alguns tipos de soja tinham os grãos parecidos com os de mostarda.
O Banco Ativo de Germoplasma da Embrapa é uma coleção da diversidade genética das espécies. "O que tem de soja no mundo hoje, nós temos acesso aqui", diz Zavaglia. É o maior banco do mundo em diversidade de tipos de soja. Em quantidade, é o da China, cujo acesso não é liberado.
O banco é um centro de referência para a busca de soluções para problemas atuais e prevenção para o futuro. É uma tábua de salvação para pesquisadores. A solução de muitos dos problemas atuais da cultura pode ser encontrada nesse histórico de variedades.
A cada dez anos, a Embrapa replanta esse material e renova seu estoque, mantendo intactos os originais que vieram da China, dos Estados Unidos, da Austrália e de países da Europa e da África.
Os visitantes do Show Rural da Coopavel, evento que começa nesta segunda-feira (10) e vai até sábado (14), verão uma linha do tempo da soja na região Sul. A saga da soja no Centro-Oeste fica para a feira Tecnoshow Comigo, que será realizada em abril, em Rio Verde (GO).
A soja chegou ao Brasil pela Bahia, em 1882, mas o material genético e o clima não permitiram avanço da cultura à época. A leguminosa passou a ter um ciclo comercial só em 1924, no Rio Grande do Sul.
Para comemorar os cem anos da soja no Brasil e os 50 da empresa, a Embrapa Soja selecionou 16 variedades que estarão expostas em Cascavel para os visitantes da feira. Nessa linha do tempo, é mostrada a soja selvagem, a primeira ancestral da Glycine no mundo, originária da Austrália.
O visitante vai ver também a Glycine soja, de 2838 antes de Cristo, soja selvagem nativa da China e a ancestral da Glycine Max, a mais próxima da cultivada atualmente.
As surpresas são tantas no trabalho com esse material milenar que um pesquisador não entendia o porquê de uma planta selvagem não gerar sementes. O objetivo era retirar um gene dela e utilizá-lo na soja cultivada.
Um dia, por descuido, derrubou o vaso onde estava a planta e descobriu que a produção de semente estava em vagens embaixo da terra, como na cultura do amendoim.
A história contada pela Embrapa nessa linha do tempo pode ter nomes não muito familiarizados para os que não estão ligados à atividade. Para os produtores das últimas décadas, no entanto, eles estão bem vivos na memória.
São cultivares que, devido à importância da Embrapa na soja, sempre estiveram presentes nas lavouras. Elas foram se adaptando às novas exigências de doenças, pragas, clima e busca de maior produtividade.
O início do cultivo de soja no Brasil foi com variedades ou linhagens vindas dos Estados Unidos, afirma Carlos Arrabal Arias, pesquisador da Embrapa. A Amarela Comum e a Pelicano fizeram parte deste ciclo inicial, de 1924 a 1950.
Na década de 60, vieram as variedades Bragg e Davis. Na década de 1970, o país desenvolveu a Paraná, uma linhagem que veio dos Estados Unidos, e a Santa Rosa, um cruzamento feito aqui no Brasil.
A Paraná é pioneira na precocidade, que encurtava o período de desenvolvimento da cultura, permitindo o plantio do milho safrinha. A Santa Rosa é a primeira cultivar genuinamente brasileira.
Outro nome que está na memória do produtor, e ele poderá revê-la semeada na feira, é a BR 16, da década de 1980, segundo Arrabal. Dos anos 1990, o produtor verá a Embrapa 48 e a BRS 133, com foco no aprimoramento da sanidade. A 48 tinha uma tolerância à seca, o que garantiu uma permanência maior da cultivar no campo.
Nos anos 2000, as BRS 232 e 284 são variedades altamente produtivas e iniciam a era dos indeterminados. Na década de 2010 foram lançadas a BRS 511 e a BRS 1003Ipro. A primeira veio com resistência à ferrugem asiática. A segunda tinha tolerância a percevejo.
Em 2020, veio a BRS 1064Ipro, uma cultivar de segunda geração de transgênico. "É uma variedade mais moderna, tem potencial produtivo, estabilidade de produção e resistente a nematoide de galha", afirma Arrabal.
Mauro Zafalon – Folha de S.Paulo