Soja editada geneticamente pode dobrar produtividade no Brasil
A soja consolidou o Brasil como potência agrícola, garantindo ao País a liderança mundial na produção e na exportação da oleaginosa. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve fechar 2025 com 112,1 milhões de toneladas exportadas, 5% a mais do que no ano passado. Agora, a cultura mais importante do agronegócio brasileiro está prestes a viver uma nova revolução.
Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) avançam em projetos de edição genética para criar variedades mais resistentes à seca, que reduzam custos na cadeia de proteína animal e forneçam óleo de maior qualidade, com aplicações que vão da alimentação ao combustível de aviação.
Para viabilizar esses avanços, cientistas recorrem à edição genética, que encurta o tempo de desenvolvimento de novas variedades. De forma simplificada, a técnica usa o CRISPR/Cas9 — uma “tesoura molecular” guiada por RNA — para localizar e cortar um gene específico no DNA. No reparo, a célula pode desligar esse gene ou substituí-lo por uma versão da própria espécie, fazendo com que a semente já nasça com a nova característica.
“O potencial da técnica da edição genética é absurdo”, afirma Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja. Ele calcula que, com a adoção da tecnologia, será possível dobrar a produtividade da soja brasileira nos próximos 20 anos, um avanço com impacto direto na segurança alimentar global e na competitividade internacional. Hoje, o Brasil produz mais de 170 milhões de toneladas do grão por ano, segundo a Conab.
Tolerante à seca
Uma das pesquisas mais avançadas conduzidas pela Embrapa é a da soja tolerante à seca. Nos últimos 50 anos de plantio no Brasil, as estiagens se intensificaram e reduziram o rendimento das lavouras. Apesar de fatores como manejo e clima terem peso predominante, a genética das sementes responde por cerca de 20% na mitigação dos efeitos da seca. “Temos que ganhar esses 20%”, diz Nepomuceno.
Com a edição genética, é possível selecionar genes de variedades naturalmente mais resistentes e transferi-los de forma precisa para sementes já produtivas. Esse processo, que levaria mais de uma década pelo método tradicional de cruzamentos sucessivos, pode ser realizado em poucos anos. A expectativa é de oferecer aos agricultores sementes mais tolerantes à falta de água, uma necessidade cada vez mais urgente diante das mudanças climáticas e da expansão da fronteira agrícola para regiões áridas.
Outro projeto estratégico busca desenvolver uma soja com menor teor de lectina, proteína que causa problemas gastrointestinais em suínos e frangos quando presente em grandes quantidades na ração. Hoje, a indústria precisa inativar a lectina por aquecimento durante o processamento, o que encarece a alimentação animal.
A edição genética permitirá reduzir essa proteína na semente, criando uma planta já com menos lectina. A inovação também impacta a qualidade do produto oferecido ao mercado de carnes, um dos principais destinos da soja brasileira.
A Embrapa pesquisa também melhorias na qualidade do óleo de soja. O objetivo é aproximar seu perfil dos óleos de canola e de oliva, considerados mais saudáveis para o consumo humano. A variedade em desenvolvimento também permitirá diversificar o uso do óleo em cadeias industriais estratégicas. Ele poderá ser utilizado na produção de biocombustíveis, especialmente o combustível sustentável de aviação (SAF), e na química fina, como insumo para pneus e asfalto.
Diversidade genética
Para viabilizar os avanços, a Embrapa conta com um ativo decisivo: o segundo maior banco de germoplasma de soja do mundo, com 65 mil variedades catalogadas. Esse acervo é fonte de genes para desenvolver sementes mais resistentes, produtivas e de melhor qualidade.
A diversidade do banco genético permite que os pesquisadores busquem, em escala inédita, características específicas e as introduzam em variedades já consolidadas no campo. “Buscar na diversidade genética os melhores genes e transferi-los rapidamente por meio da edição genética poderá ajudar a alcançar esse potencial”, afirma Nepomuceno.
Hoje, a produtividade média nacional da soja é de 3,5 toneladas por hectare. Os produtores mais eficientes alcançam até 6 toneladas, mas o limite teórico da cultura, segundo estudos, supera 12 toneladas por hectare.
A edição genética pode encurtar de forma significativa a distância entre os níveis atuais e o teto produtivo. Diferente do melhoramento clássico, baseado em cruzamentos sucessivos que exigem décadas, a edição permite modificar genes pontuais, reduzindo o tempo de desenvolvimento de uma nova variedade para cerca de três anos. “O melhoramento clássico é mais impreciso e demorado. Já a edição genética permite transferir genes específicos de uma variedade para outra com maior precisão e rapidez”, explica Nepomuceno.
Ele observa que já foram feitas à CTNBio mais de 80 consultas sobre produtos considerados transgênicos ou não pela legislação brasileira. Essas consultas são realizadas por empresas de grande porte, como multinacionais, e até startups e instituições públicas. Elas estão submetendo processos para diversas culturas, da soja a espécies nunca antes trabalhadas com técnicas biotecnológicas, como a amora, tomate, por exemplo.
Apesar dos avanços na pesquisa e de uma legislação mais atualizada pela CTNBio, ainda não há produtos editados geneticamente em escala comercial no mercado brasileiro.
As pesquisas da Embrapa indicam que a edição genética permitirá ao Brasil ampliar a produção sem expandir a área plantada. A inovação também responde a pressões ambientais e de mercado, que exigem maior eficiência e sustentabilidade da agricultura. “A grande potência dessa tecnologia é contar com uma legislação mais assertiva, que garante a biossegurança sem criar tantas barreiras, como no caso dos transgênicos, viáveis apenas para grandes companhias”, diz Nepomuceno.
Márcia de Chiara – Estadão