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Soja

Bunge e Cargill compram soja ‘contaminada por violência e desmatamento’ do Agronegócio Estrondo, diz Greenpeace


Repórter Brasil - 04 dez 2019 - 09:32

Um novo capítulo marca a história das multinacionais Cargill e Bunge – e não é por recorde no processamento de grãos. O relatório do Greenpeace “Cultivando a Violência”, publicado nesta terça-feira (3), mostra que as duas empresas silenciaram diante de denúncias de violações de direitos humanos praticadas contra comunidades geraizeiras pelo Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo, em Formosa do Rio Preto (Bahia) – onde ambas possuem silos e compram soja.

“Essa soja está contaminada por violência e destruição ambiental”, diz Cristiane Mazzetti, da campanha de cerrado do Greenpeace Brasil, sobre o modus operandi da Estrondo, um condomínio de fazendas localizado no oeste da Bahia. Operação da Polícia Federal realizada em novembro levantam a suspeita de que a Agronegócio Estrondo também esteja envolvida na compra de sentenças judiciais em tribunais da Bahia.

Em dezembro de 2017, a Repórter Brasil revelou a escalada da violência contra a comunidade geraizeira – com denúncias de agressões, intimidação com armas e até cerceamento de liberdade – praticados por seguranças da empresa privada Estrela Guia, contratada pela Estrondo. A reportagem flagrou, à época, que a Estrondo ergueu guaritas em vias de acesso às comunidades. Estradas foram fechadas com portão e trancadas com cadeados pelos seguranças armados. Para passar, moradores da comunidade eram obrigados a se identificar e dizer para onde vão e quando voltam. Entre 18h e 6h, a circulação é proibida. “Se alguém ficar doente aqui à noite é obrigado a morrer, porque eles não deixam passar”, disse à Repórter Brasil, em 2017, o morador Guilherme Ferreira de Sousa, de 60 anos.

Apesar das denúncias, o relatório do Greenpeace revela que a Bunge e a Cargill continuam comprando soja produzida na Estrondo. Segundo o documento, as duas gigantes do agronegócio possuem silos próximos a essas guaritas. “As empresas [Cargill e Bunge] têm uma responsabilidade, sim, porque estão atuando dentro do condomínio, ou seja, na cadeia de suprimentos de cada uma delas.”

Segundo o relatório, a Bunge comprou 29 mil toneladas de soja da Estrondo, provenientes da fazenda Centúria – uma das 24 que compõem o conglomerado de área superior a 400 mil hectares – por R$ 30,7 milhões em abril e maio de 2018. Já a Cargill comprou 15 mil toneladas até maio de 2019 por R$ 18,7 milhões.

A Cargill é signatária da Declaração de Nova York sobre Florestas, em que mais de 150 empresas assumiram o compromisso de eliminar o desmatamento da cadeia produtiva da soja, gado e óleo de palma até 2020. A política de sustentabilidade da Bunge vai no mesmo caminho, de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Apesar disso, Bunge e Cargill seguiram operando na Estrondo. “O silêncio das empresas têm sido uma constante nesses últimos anos. Esse silêncio é um reconhecimento de que elas não têm uma resposta adequada para dar a sociedade”, afirma Correia.

Procurada, a Bunge informou que “o silo da empresa não faz parte da área do Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo” e que não não mantém relações comerciais com a administração do condomínio. A nota diz ainda que a empresa se comprometeu a uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento até 2025. “Como resultado, a empresa já atingiu mais de 90% de rastreabilidade da cadeia de fornecimento direto em áreas com risco de desmatamento”, e que 99% do volume de soja originada na região de Formosa do Rio Preto provém de compras diretas.

A Cargill informou que a Agronegócio Estrondo “nunca foi fornecedora de soja da empresa”. “A Cargill opera um armazém de grãos na região chamada Estrondo, a cerca de 60 km da área de conflito e do qual não constam acusações legais”, diz a nota, destacando que “quaisquer compras de soja na região de Estrondo vêm de produtores arrendatários que adquiriram direitos legais de uso da terra”. Veja na íntegra o posicionamento das duas empresas.

Procurada, a Agronegócio Estrondo não se manifestou. Em 2017, a Estrela Guia foi procurada diversas vezes pela Repórter Brasil, sem resposta.

A nova fronteira da soja

Aprodução de soja no cerrado brasileiro cresceu 60% entre 2010 e 2017, mas no Matopiba (acrônimo formado com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o aumento ultrapassou 90%, segundo dados da plataforma Trase. Por isso, ganhou o nome de “a nova fronteira da soja”. A cidade baiana de Formosa do Rio Preto possui a segunda maior área de produção de soja no país, superior à 410 mil hectares de plantio. No município, segundo a Trase, quatro empresas comercializam o grão: a Bunge, a joint venture Amaggi & LD Commodities, a Cargill e a Horita Empreendimentos Agrícola (arrendatária da Estrondo).

Em 2017, Cargill e Bunge, ao lado de outras quatro empresas, concentraram 60% das exportações brasileiras de soja e dois terços da soja do cerrado. A Bunge comercializou um terço de toda a soja da Bahia em 2017, seguida pela Cargill, com 18%.

Em fevereiro de 2019, todas aderiram ao Soft Commodities Forum e se comprometeram a monitorar suas cadeias de fornecimento em 25 cidades de alto risco de desmatamento. Entre 2014 e 2017, mais de 75% do desmatamento associado à soja no cerrado se concentrou no Matopiba. E, mais uma vez, a cidade que abriga a Estrondo ganha destaque.

“Formosa é o município com a maior taxa de desmatamento diretamente associado à soja no Brasil nesses últimos anos”, afirma André Vasconcelos, pesquisador da América Latina da Global Canopy, responsável pela Trase junto com o Stockholm Environment Institute. Entre 2010 e 2016, cerca de 49 mil hectares de vegetação nativa de Formosa foram destruídos pela soja. “É fundamental que essas empresas operando em áreas de alto risco de desmatamento associado à soja avaliem as riscos de estarem comercializando soja oriunda de áreas de desmatamento recente e enviem sinais claros aos seus fornecedores sobre suas políticas de desmatamento zero”, continua Vasconcelos.

Em 2014, uma das holdings da Estrondo, Delfin Rio S/A – Crédito Imobiliário foi multada em R$ 201 mil pelo governo do Estado por fornecer informações falsas sobre a preservação da reserva legal da propriedade – área que não pode ser desmatada. Este ano, imagens feitas pela equipe do Greenpeace mostram homens trabalhando em plantio de soja em área da Estrondo embargada pelo Ibama por desmatamento ilegal. Ainda assim, a Delfin recebeu, em 2019, renovação de licença para desmatar 25 mil hectares.

O estudo “Future enviromental and agricultural impacts of Brazil’s Forest Code”, publicado em 2018 na revista científica Environmental Research Letters, mostra que se o Código Florestal fosse cumprido, o cerrado estaria protegido. “No entanto, o Código Florestal nunca foi cumprido à risca, e os níveis de proteção dessa lei no cerrado são de apenas 20%-35%”, afirma Aline Soterroni, responsável pelo estudo. A produção desenfreada e a falta de cumprimento da legislação e de vontade política para combater o desmatamento, ela diz, dão às empresas um papel fundamental na preservação ambiental.

Este ano, Soterroni publicou um novo estudo, “Expanding the soy moratorium to Brazil’s Cerrado”, na revista científica Science Advances, defendendo uma Moratória da Soja no cerrado, a exemplo do pacto que existe na Amazônia. Os resultados mostram que a moratória poderia evitar que 36 mil km² de vegetação nativa se convertessem em soja sem prejuízo para o crescimento da produção no Brasil nos próximos 30 anos. “Há um aumento da responsabilidade da União Europeia em exigir soja brasileira livre de desmatamento, o que vai de encontro às responsabilidades ambientais e climáticas amplamente defendidas pelo bloco.”

A imposição da força

O avanço da soja e de outros plantios da Estrondo avança como pressão nas comunidades geraizeiras, que há gerações vivem em Formosa. Depois de expulsar as comunidades das áreas mais altas, conhecidas como Chapadão, a Estrondo passou a pressioná-las para deixarem todo o território.

A equipe de Correia entrou, em 2017, com uma ação de manutenção de posse da área requerida pela comunidade contra três empresas à frente da Estrondo: a Cia Melhoramentos do Oeste da Bahia, a Delfin Crédito Imobiliário e a Colina Paulista. A comunidade ganhou a liminar (decisão provisória) favorável naquele mesmo ano. Em paralelo, a Procuradoria-Geral do Estado pediu a anulação de todas as matrículas da Estrondo por suspeita de fraude – um eufemismo para grilagem de terras. A pressão sobre as comunidades subiu.

Em 2019, boletins de ocorrência mostram denúncias graves contra os seguranças da Estrela Guia que agem a mando dos proprietários da Estrondo: dois moradores baleados em datas distintas; roubo de gado e de uma torre que permitia a comunicação da comunidade via wifi. Em outra ocasião, homens armados com fuzis – sem identificação ou mandado – invadiram casas em uma das comunidades à procura de suposta munição. Não encontraram.

Ainda este ano, foi a vez da Polícia Federal entrar no caso. Uma denúncia levou a PF a desencadear duas operações, a Faroeste e a Joia do Coroa, em que três desembargadores, o presidente do Tribunal da Justiça da Bahia e dois juízes são suspeitos de vender sentenças favoráveis à Estrondo. A desembargadora e ex-presidente do TJ, Maria do Socorro Barreto Santiago, foi presa preventivamente. Foi ela quem fechou, em julho de 2017, a Vara de Conflito Agrário e Meio Ambiente de Barreiras, depois que a comunidade geraizeira foi favorecida com a liminar. O feito foi comemorado e noticiado no site da Estrondo.

Thais Lazzeri – Repórter Brasil