Adoção de práticas sustentáveis gera receita para produtores de soja
Em Campo Novo do Parecis (MT), a produtora rural e diretora administrativa da Morena Agro, Dulce Ciochetta, cultiva soja, milho e cria gado em sistemas sustentáveis. Na safra 2023/24, a agricultora comercializou 41.155,34 créditos de soja sustentável, que equivalem a cerca de R$ 461 mil. Ela integra um grupo de produtores que levantou mais de R$ 11 milhões com a venda desses créditos nos últimos dez anos, em um mercado ainda de crescimento restrito.
Os créditos da soja sustentável são negociados na plataforma da Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS, na sigla em inglês) no mundo inteiro, por valores em torno de US$ 1,60 a US$ 2 por tonelada, atualmente. O consultor externo da RTRS no Brasil, Cid Sanches, admite que o valor ainda é baixo e seria preciso uma demanda mais forte para uma maior apreciação. Os compradores são empresas e países.
“A gente está em uma média de avanço de 10% ao ano, entendemos que é um crescimento bom, mas não é um ‘boom’”, diz o especialista sobre o mercado de créditos. Segundo Sanches, há liquidez nas negociações e a oferta costuma estar alinhada à demanda.
O grupo de produtores mato-grossenses que comercializa os créditos, do qual Dulce Ciochetta é membro, faz parte da associação sem fins lucrativos Clube Amigos da Terra (CAT Sorriso), que atende 11 municípios de Mato Grosso, e auxilia na certificação e manutenção dos padrões das propriedades em conformidade com a RTRS.
“Vendemos nossos créditos desde 2018, quando conseguimos a certificação. Alguns anos mais, em outros menos, porque ainda são poucos que estão dispostos a pagar por esses serviços”, afirma a produtora.
Os agricultores certificados e que fazem parte do CAT Sorriso são responsáveis por 7,42% do total de créditos negociados na plataforma RTRS no mundo. Produtores de outros Estados brasileiros e de outros países também comercializam créditos, mas, segundo a RTRS, não há obrigatoriedade de reportar à plataforma os valores negociados. O foco da associação internacional é conectar compradores a vendedores e garantir a rastreabilidade do produto.
Como funciona
Os pagamentos da certificação funcionam da seguinte forma: cada tonelada de soja certificada é equivalente a um crédito dado ao produtor. Esse crédito é comercializado na plataforma RTRS e adquirido por empresas brasileiras ou estrangeiras, como forma de compensação ambiental. No caso do grupo mato-grossense de agricultores, os créditos do ano de 2024 foram comprados por empresas da Holanda, Noruega e Argentina, por exemplo.
Cristina Delicato, coordenadora do CAT Sorriso, ressalta que a associação foi fundada em 2002 com o objetivo de fomentar a sustentabilidade na produção da região. A parceria com a RTRS surgiu em 2015, com nove produtores certificados pela entidade, número que subiu para 45 em dez anos.
“Em 2024, tivemos 487 mil toneladas produzidas que receberam os créditos de bonificação. Para este ano, a safra está acabando de ser quantificada, mas acredito que teremos cerca de 550 mil toneladas”, estima a executiva.
Requisitos
A compensação, porém, exige esforços da cadeia produtiva. Para obter o selo de certificação RTRS, a propriedade deve atender 108 indicadores que comprovam o cumprimento da legislação, boas práticas agrícolas e empresariais, condições de trabalho responsáveis, relações com a comunidade e responsabilidade ambiental.
Nem todos esses indicadores são exigidos no primeiro ano de certificação. A exigência é gradativa e atinge o total de indicadores a partir do terceiro ano.
Dulce Ciochetta afirma que sempre houve a busca por estratégias sustentáveis para a fazenda, mas havia uma dificuldade sobre como documentar adequadamente tudo que era feito. “A gente tinha um ‘gap’ grande para documentar isso, de registro, e foi evoluindo com as certificações, não só a RTRS, mas outras que passamos nesse período em que contamos com a ajuda do CAT”, acrescenta.
Para o consultor Sanches, o trabalho do CAT Sorriso é fundamental para a expansão da certificação da soja RTRS nas propriedades.
“No momento em que a auditoria chega à fazenda, todas as informações estão lá organizadas, com imagem de satélite, documentação, licenças, registro de funcionários. Sem esse trabalho é difícil o crescimento da certificação numa região tão importante”, avalia.
Ele destaca que a certificação permite ao produtor ter incentivos nos financiamentos com bancos e prêmios na venda da soja.
Nayara Figueiredo – Globo Rural