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Matérias-primas alternativas

Pongâmia já é aposta para biocombustíveis


BiodieselBR.com - 15 mar 2021 - 09:45

Nascido no Brasil e criado na Holanda, Marcel van Heesewijk quer provar na América do Sul que uma planta originária do sudeste asiático tem viabilidade comercial como fonte de combustível “verde”. Nos próximos dez anos, o empresário prevê aportes US$ 300 milhões, com recursos de investidores, para ampliar sua produção de pongâmia, árvore que dá vagens oleosas que podem ser alternativas a derivados do petróleo difíceis de substituir, como querosene de aviação e nafta. O plantio ocorre hoje no Paraguai, mas já há planos de produzir também no Brasil.

O potencial da pongâmia é mais conhecido no mundo acadêmico do que na indústria. O único grande projeto comercial de cultivo é da startup TerViva, da Califórnia, empresa que apresentou a planta a Van Heesewijk. Entre as características da pongâmia que atraíram a atenção do empresário está sua longevidade: uma árvore pode chegar a 100 anos com produção anual. Com esse atributo, o cultivo da árvore não exije retiradas constantes de biomassa - vantagem em relação à palma, cujo ciclo é de 20 anos, ou mesmo em comparação com a soja, de colheita anual.

Além de reduzir custos, esse diferencial faz com que as emissões de carbono do biocombustível do óleo de pongâmia sejam mais que compensadas em seu ciclo de vida. Isso torna o produto atrativo a empresas da Europa e da América do Norte que buscam alternativas renováveis, sobretudo no transporte de cargas e na aviação.

“O HVO [diesel verde] e o SAF [combustíveis de aviação sustentáveis] são a única maneira de descarbonizar essa indústria. Nos Estados Unidos e na Europa há um crescimento enorme do mercado de HVO”, diz Van Heesewijk. “O grande desafio é a matéria-prima”.

A busca de alternativas à soja para produzir biocombustíveis não é novidade no Brasil. Há cerca de dez anos, uma das grandes apostas para o biodiesel foi a mamona, iniciativa que fracassou por causa da baixa produtividade da planta e das dificuldades logísticas. Agora, porém, no caso do diesel e do querosene verdes, Van Heesewijk acredita que a indústria vai procurar alternativas com menor pegada de carbono do que a soja.

O empresário, filho de holandeses e economista de formação, deu os primeiros passos com o projeto há cinco anos, quando criou a empresa Investancia e convenceu family offices da França, Holanda, Itália e Inglaterra a investir na empreitada. Após levantar US$ 10 milhões, ele começou a fazer testes com variedades genéticas da planta originárias da Índia em três regiões do Chaco. O bioma, que se estende por Argentina, Paraguai e Bolívia, tem clima quente e chuvoso, propício ao desenvolvimento da árvore.

A produção comercial começou neste ano. O local eleito para o cultivo foi o distrito paraguaio de Carmelo Peralta, às margens do Rio Paraguai, na fronteira com o Brasil, que, além de oferecer nível adequado de chuvas (1,4 mil milímetros ao ano), tem terras baratas. Outro atrativo é a boa estrutura logística da área, próxima de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul.

No Paraguai, a Investancia ainda aproveitará a legislação local que incentiva a locação de terras para reflorestamento. Mas a produção só se tornou economicamente viável com a construção da biorrefinaria do grupo ECB na mesma região, que demandará oleaginosas para a produção de HVO, bioquerosene (SPF, ou SAF) e nafta “verdes”. No mês passado, Investancia e ECB fecharam um acordo de fornecimento de 300 mil toneladas de óleo de pongâmia por 30 anos.

Para cumprir o acordo, a Investancia expandirá o cultivo de pongâmia dos atuais 700 hectares 120 mil hectares, ocupados por pastos há mais de 12 anos. A área será coberta por 50 milhões de árvores, que terão potencial para produção de 15 milhões de toneladas de vagens de pongâmia por ano. O ECB calcula que o volume a ser fornecido pela Investancia será suficiente para garantir um terço de sua produção no projeto Omega Green.

As mudas são plantadas após um ano de cultivo em viveiros e, no segundo ano, o gado que pastava nas fazendas voltará às terras para criação em modelo silvopastoril. A produção das vagens começará no quinto ano, em 2025, quando o Omega Green terá iniciado suas operações.

Para o investimento de US$ 300 milhões na nova etapa de expansão, a empresa holandesa terá o apoio dos family offices e também os recursos da geração de caixa da venda do farelo de pongâmia - que pode ser aproveitado para ração - e de créditos de carbono.

A Investancia está concluindo sua certificação para emitir VCUs (Verified Carbon Units) segundo as regras do Verified Carbon System (VCS) e do Climate, Community and Biodiversity Standards (CCBS). O reflorestamento de pastos será chave para a certificação.

No campo, cada árvore de pongâmia sequestra em média 44 quilos de gás carbônico por ano, mais que qualquer outra oleaginosa. Se considerada essa média, o óleo de pongâmia tem capacidade de sequestrar 22,2 gramas de gás carbônico para cada megajoule de energia gerada com o combustível.

Com o projeto no Paraguai ainda no início, Van Heesewijk já tem planos de trazer a pongâmia ao Brasil. O empresário comprou uma fazenda em Mato Grosso do Sul e busca aprovação do Ministério da Agricultura para importar a planta, fazer testes e sua “prova de conceito” da aposta comercial.

Camila Souza Ramos – Valor Econômico