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Matérias-primas alternativas

Com demanda maior, produção de gergelim ganha fôlego no país


Valor Econômico - 23 dez 2011 - 07:43 - Última atualização em: 27 fev 2012 - 12:16

Há 32 anos, o administrador rural Túlio Benatti dava início a uma longa trajetória ligada aos alimentos. Da produção de coco ralado em Maceió ao beneficiamento de aveia e soja na mineira São Lourenço, o empresário fez de tudo um pouco. Apesar da diversidade, nenhum produto lhe fez tão reconhecido quanto o gergelim. Em 1988, Benatti fundou a Sésamo Real, empresa que se tornaria a líder do segmento.

De cultivo milenar, o gergelim é uma cultura pouco expressiva no Brasil, de produção majoritariamente familiar. Ainda que não existam estatísticas oficiais sistemáticas, o setor estima que a produção nacional de gergelim, cuja safra vai de janeiro a março, seja de 4,5 mil toneladas. No mundo, o total produzido chega a 3,976 milhões de toneladas, segundo dados da FAO, a agência para Agricultura e Alimentação da Organização das Nações Unidas.

Nos últimos anos, a produção brasileira de gergelim passou a receber um importante estímulo. Em fevereiro de 2010, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) alterou uma regra do Selo Combustível Social, benefício fiscal do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) concedido a produtores de biodiesel que compram matéria-prima da agricultura familiar.

Para incentivar a diversificação da produção de oleaginosas, tais como a mamona e o próprio gergelim — que quando processado, 50% se torna óleo —, o MDA criou um fator de multiplicação nas compras dessas culturas no âmbito do PNPB. Com a medida, um produtor de biodiesel que adquirisse, por exemplo, 10 toneladas de gergelim da agricultura familiar, receberia um benefício fiscal — 9,25% de Pis/cofins — equivalente à compra de 15 toneladas.

A partir dessa mudança, as compras de gergelim pelo PNPB saltaram de apenas 138 toneladas em 2009 para 1,7 mil toneladas em 2010, com previsão de alcançar 2 mil toneladas neste ano. “Se o mercado está aquecido, é por conta do PNPB”, reforça Nair Arriel, pesquisadora da Embrapa Algodão, principal centro de pesquisa da semente do país.

Mas, ainda que o estímulo oficial seja voltado à produção de biodiesel, o gergelim adquirido por meio do programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário não se torna combustível. “O gergelim não é competitivo para a produção de biodiesel”, revela Marco Antônio Viana Leite, coordenador-geral de biocombustível da Secretaria da Agricultura Familiar, ligada ao MDA. “Como qualquer oleaginosa, o gergelim pode servir para produzir biodiesel, mas sua vocação maior é para o consumo alimentar”, acrescenta Nair.



De acordo com Viana Leite, o principal foco do programa não está na produção final de biodiesel a partir matérias-primas produzidas por agricultores familiares. “A grande óptica é promover inclusão social”. No caso do gergelim, o programa inclui 1,2 mil famílias, distribuídas em cerca de 40 assentamentos, a maioria na região norte de Goiás (ver mapa), principal Estado produtor da semente — 60% da produção nacional.

Como o gergelim não se tornará biocombustível, as empresas de biodiesel que participam do PNPB abastecem as indústrias processadoras, que preparam o gergelim para o consumo humano.

Em Valinhos, município da região de Campinas, por exemplo, a Sésamo Real recebe o gergelim adquirido pela usina Bioverde, responsável pela compra de quase toda a semente produzida pelos agricultores familiares.

“A partir dessa parceria com a Bioverde, iniciada em 2009, zeramos nossas importações de gergelim”, comemora Benatti, dizendo que o feito pode ser replicado no país, que ainda não é autossuficiente. Com o consumo anual estimado em 9 mil toneladas, o Brasil importou 4,1 mil toneladas de gergelim em 2010, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Diante desse déficit, Viana Leite enxerga oportunidade para os agricultores familiares. Segundo ele, a produção brasileira de gergelim vai crescer nos próximos três anos. “A partir daí, o desafio será fazer o consumo nacional aumentar”, diz.

Ainda que o gergelim tenha sido introduzido no Brasil pelo portugueses no século XIV, até os anos 1980, a demanda pela semente era restrita às comunidades árabe e asiática, grandes consumidoras de tahine (pasta de gergelim) e óleo de gergelim, respectivamente. “De lá para cá, passamos de um consumo anual de 1,5 mil toneladas para as 9 mil toneladas atuais”, conta o fundador da Sésamo Real.

O salto do consumo nacional está diretamente ligado à chegada das redes de fast-food ao país. Em 1979, o Mcdonald’s instalou sua primeira loja no Brasil, em Copacabana, no Rio de Janeiro, trazendo seus famosos pães com gergelim. “O Mcdonald’s popularizou o gergelim. Hoje, baguete é sinônimo de gergelim”, diz Benatti.

A Sésamo Real aproveitou a popularização da oleaginosa. Com 45 funcionários e receita anual de R$ 10 milhões, a empresa tem nas indústrias de panificação e biscoitos seus principais clientes. Os segmentos representam entre 60% e 70% da receita da companhia.

A Sésamo Real processa 2,5 mil toneladas de gergelim por ano, transformando a matéria-prima em diferentes produtos: gergelim in natura, descascado (destinado à panificação), tostado (para a produção de biscoitos), óleo natural, óleo torrado, tahine, natural com tratamento especial e gergelim colorido, usado como confeito.

Entre seus clientes estão indústrias como Piraquê, M. Dias Branco, Burger King, Habbib’s e o restaurante árabe Farabbud, que produz o inusitado sorvete de gergelim. O Mcdonald’s não faz parte da extensa lista de clientes da Sésamo Real. Mas apenas por enquanto, segundo Benatti, que negocia o fornecimento de gergelim para a FSB Foods, que produz os pães da rede de restaurantes. Enquanto isso não acontece, o gergelim do ‘Big Mac’ continuará sendo importado da Guatemala e do México.



Uma história das ‘Mil e uma Noites’

“Abre-te, Sésamo”. Essa era frase mágica usada para abrir o esconderijo onde estava o tesouro encontrado por Ali Baba, personagem de um dos contos do clássico “As Mil e uma Noites”. Quando dizia a frase, invocando as sementes de sésamo, Ali Baba referia-se ao gergelim.

Graças à influência da comunidade árabe, principal consumidora da semente no país até os anos 1980, o ‘gilgilan’, em árabe vulgar, foi abrasileirado para gergelim. Na maioria dos países, no entanto, ele é chamado de sésamo, que tem origem no latim. — ‘Sesamum indicum L.’ é o nome científico dado ao gergelim.

Em “Ali Baba e os Quarenta Ladrões”, a referência ao gergelim deve-se ao modo lento com que a vagem se abre, liberando suas sementes. Dessa maneira, a frase mágica significa “abre-te como um sésamo se abre”.

A presença do gergelim em “As Mil e uma Noites”, coleção de contos populares compilados em língua árabe a partir do século IX, demonstra a antiguidade do gergelim, cultivado há 6 mil anos — desenhos do século VIII A.C , inclusive, já indicam o uso da semente.

A longa história do gergelim, por sua vez, traz uma dúvida aos pesquisadores, que divergem sobre a região de origem da semente. Alguns autores defendem que o gergelim seja original da Etiópia, na África. Outros, no entanto, afirmam que ele é originário da Ásia e da África. Há ainda os que defendem que ele é originário apenas da Ásia.

Segundo dados da FAO, agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, os maiores produtores de gergelim são Myanmar (867 mil toneladas), Índia (657 mil toneladas) e China (622 mil toneladas). Juntos, os três países representam 53,9% da produção mundial.
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