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A mamona, o rei e a rainha


O Estado de S. Paulo - 13 mar 2006 - 06:34 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

É tal o entusiasmo do presidente Lula pelo biodiesel que o presidente venezuelano Hugo Chávez já o chamou de "el rey de la mamona". Nesta semana, em viagem de chefe de Estado à Inglaterra, o rei da mamona pediu à rainha Elizabeth que acredite e invista no produto. Lula pode ter se precipitado.

Antes de alardear que o biodiesel é a solução, é preciso, em primeiro lugar, conferir se o produto é competitivo e, em segundo, se o País tem condições de produzi-lo em quantidade suficiente para suprir o consumo, tanto o interno como o externo.

Os especialistas avisam que são necessários reparos no Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel e que as pesquisas ainda não passam firmeza sobre o assunto. E ainda está longe o consenso entre os técnicos sobre que oleaginosa eleger para avançar no projeto.

O Programa Nacional, de janeiro de 2005, autorizou a adição de biodiesel ao óleo diesel, na proporção de 2% e 98%, respectivamente. A partir de janeiro de 2008, a mistura, que até então permanecerá facultativa, passará a ser obrigatória.

Se o Programa for observado, a demanda de biodiesel no mercado interno será de cerca de 1 bilhão de litros em 2008. Hoje, não se sabe nem o volume produzido. É difícil imaginar que, em dois anos, o Brasil esteja em condições de adicionar 2% de biodiesel ao diesel comum.

Em nome de um projeto de inclusão social, o Programa dá prioridade à agricultura familiar e ao uso de oleaginosas "alternativas", como a mamona e o fruto da palma (dendê). Na prática, apenas a soja apresenta hoje produtividade capaz de suprir a demanda futura. Da produção total de óleos vegetais do País, cerca de 90% correspondem ao óleo de soja e os restantes 10% se dividem entre mamona, palma, girassol, amendoim, canola e alguns outros. "É preciso partir para um negócio com bases comerciais de sustentação", adverte José Carlos Hausknecht, consultor da MB Associados.

A complicação está em que uma produção baseada em agricultura familiar exigiria investimentos para articular produção e processamento industrial. Para isso, seria necessário, por exemplo, um centro de captação de dendê na Região Norte. Somente com uma organização forte a produção das pequenas propriedades conseguiria viabilizar o projeto.

Para Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, caso fosse utilizada a soja, seria necessário destinar cerca de 10% da produção nacional de óleo, que hoje é de 5,5 milhões de toneladas por ano. E também seria preciso contar com fortes oscilações dos preços internacionais.

A pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola Silene Freitas adverte que a exigência de uma rede integrada desde a matéria-prima até o produto final ainda precisa de definições. Os pequenos produtores teriam de vender sua produção a um intermediário que se encarregasse do transporte até as fábricas. "Vão acabar nas mãos dos intermediários", avisa Silene.

Também faltam estudos sobre os custos das operações de transporte dentro dessa cadeia. O agricultor produzirá a matéria-prima que deverá ser transportada até uma unidade de processamento e daí o produto final terá de ser levado a um terceiro centro onde será feita a mistura para, só então, o combustível ser encaminhado à rede distribuidora. Até agora ainda não foram analisadas as condições desse circuito. No caso dos óleos de mamona e palma, cultivados no Norte e no Nordeste, longe dos principais centros consumidores e das maiores refinarias do País, o custo dessa logística deverá ser elevado.

Faltam, também, mais pesquisas sobre melhoria genética, otimização do cultivo e aumento da produtividade na extração de óleo. "Um dia, o biodiesel pode tornar-se competitivo; hoje ainda não é", conclui Carvalho. "Assim como foi com o álcool, o biodiesel precisa de tempo para ganhar espaço no mercado."

Celso Ming e Danielle Chaves