Depois do Brasil reclamar, Alemanha pede que lei antidesmatamento seja adiada
Dois dias depois de o Brasil pedir à União Europeia (UE) o adiamento de lei editada pelo bloco para barrar a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas, a Alemanha anunciou nesta sexta-feira (13) ter encaminhado um pedido nesse mesmo sentido à Comissão Europeia.
A movimentação vem num contexto de negociações do acordo de livre comércio entre Mercosul e UE, que tem sido defendido pela Alemanha.
Alegando falta de clareza sobre pontos-chave do dispositivo, Berlim pediu para que ele passe a valer só em 1º de julho de 2025, seis meses depois do prazo atualmente previsto –a norma foi aprovada em junho do ano passado e, pelo calendário atual, entra em vigor em 30 de dezembro deste ano.
"As empresas precisam de tempo suficiente para se prepararem", argumentou o ministro alemão da Nutrição e Agricultura, Cem Özdemir, do partido verde.
Özdemir alegou que a entrada em vigor da lei já no final do ano pode levar ao colapso das cadeias de suprimento, prejudicando as economias alemã e europeia, pequenos produtores de fora do bloco e consumidores.
Um dia antes, na quinta-feira, o chanceler federal Olaf Scholz já havia dito a jornalistas que defendeu a suspensão da lei em conversa com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, até que alguns pontos sejam "esclarecidos".
Críticos do dispositivo se queixam de "requerimentos impraticáveis" e "fardos burocráticos" sobre produtores e empresas.
A maior bancada do Parlamento Europeu, o conservador Partido Popular Europeu (PPE) –do qual von der Leyen faz parte– , chamou a lei de "monstro burocrático".
Outros partidos europeus afirmam que o bloco ainda tem que esclarecer como as regras vão funcionar na prática.
O que diz a lei antidesmatamento
Elogiada por ambientalistas, a lei europeia institui uma espécie de marco temporal do desmatamento, barrando produtos como café, cacau, soja, madeira, óleo de palma, carne bovina, papel, borracha e derivados, como couro ou móveis, produzidos em florestas destruídas após dezembro de 2020.
O bloco é, depois da China, o maior mercado para esses produtos e responde, segundo a ONG ambientalista WWF, por 16% do desmatamento global.
O texto prevê que empresas importadoras na UE serão responsáveis por rastrear suas cadeias de suprimento, a partir de dados de satélite e de geolocalização, para provar que não adquiriram commodities de áreas desmatadas.
Países exportadores considerados de alto risco teriam ao menos 9% de seus produtos inspecionados, com esse percentual caindo em países onde o risco de desmatamento é considerado menor –essa categorização, porém, foi deixada de lado por ora em meio a críticas de países que veem nela um "instrumento político" que permitiria ao bloco escolher quem teria acesso "especial" ao mercado europeu.
Pela normativa, a Comissão Europeia também "pode" levar em consideração a "existência, conformidade ou efetiva aplicação de leis que protejam os direitos humanos, os direitos dos povos indígenas, das comunidades locais e de outros detentores de direitos de posse tradicionais."
À agência de notícias AFP, um diplomata disse que a UE ainda não apresentou regras de compliance nem um sistema claro para categorizar os países segundo escalas de risco.
Outra crítica da lei, a chefe da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, fez queixa semelhante em entrevista ao Financial Times, dizendo que a falta de regras claras de compliance provoca incertezas para exportadores que não saberiam se teriam seus produtos barrados.
O que diz o Brasil
O governo brasileiro teme que a lei possa ser usada para reduzir a cota de commodities que o país exporta para a UE e quer alguma forma de compensação caso ela seja implementada. Também afirma que ela eleva os custos de produção e exportação, principalmente para pequenos produtores.
Segundo carta assinada pelos ministros Mauro Vieira (Itamaraty) e Carlos Fávaro (Agricultura) e enviada na quarta-feira à Comissão Europeia, 30% das exportações ao bloco são de produtos afetados pela normativa, ou o equivalente a 15 bilhões de dólares (R$ 83,5 bilhões).
Vieira e Fávaro afirmam que o regulamento gera "séria preocupação para diversos setores exportadores brasileiros e para o governo", e pedem à UE que não a implemente no prazo previsto e "reavalie urgentemente a sua abordagem sobre o tema". Alegam ainda que a lei é um "instrumento unilateral e punitivo, que ignora as leis nacionais sobre combate ao desmatamento" e contraria o "princípio da soberania" brasileira.
No passado, outros países latino-americanos e africanos fizeram objeções semelhantes à lei, assim como os Estados Unidos.
Como nasceu a lei antidesmatamento
A Amazônia, que cobre quase 40% da América do Sul, perdeu cerca de 20% de sua cobertura ao longo do último século por causa do avanço do agronegócio, da mineração, da exploração de madeira e da ocupação urbana.
Isso é um problema porque as florestas absorvem carbono e são cruciais para o enfrentamento das mudanças climáticas e o equilíbrio de ecossistemas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030, tarefa que pressupõe contrariar interesses já bem consolidados na região.
"O Brasil acha que a regulação antidesmatamento é problemática porque cobre um terço de suas exportações ligadas ao desmatamento. Cabe ao Brasil banir o desmatamento, não à UE mudar suas regras", afirmou via X o eurodeputado Pascal Canfim, da bancada centrista Renovar a Europa.
"Sabíamos desde o início que essa é uma batalha que afeta interesses econômicos muito grandes", disse Canfim à agência de notícias AFP.
Segundo ele, a UE importa 15 bilhões de euros por ano (R$ 92,5 bilhões) em commodities associadas ao desmatamento– especialmente a soja. "É precisamente esse problema que queremos resolver."
Representantes do bloco sinalizaram que a Comissão Europeia avalia de fato adiar a implementação da lei, ou simplificá-la. Mas isso demandaria a reabertura da legislação, o que poderia criar uma briga política ainda maior– ainda mais dado que a Comissão Europeia terá nova (e mais conservadora) composição a partir da semana que vem, como resultado das últimas eleições europeias.
Essas conversas preocupam grupos ambientalistas.
"No ano passado, o mundo perdeu uma área de floresta do tamanho da Suíça", disse Nicole Polsterer, da ONG Fern. "O debate sobre adiar a lei traz o sério risco de abandoná-la completamente, como alguns estão determinados a fazer."
Outros grupos afirmam que muitas empresas e países já se prepararam para cumprir a lei e estão bem avançados.