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União Europeia

Brasil critica na OMC medidas unilaterais da União Europeia


Valor Econômico - 06 jun 2023 - 10:35 - Última atualização em: 07 jun 2023 - 09:08

O Brasil foi incisivo hoje no exame da política comercial da União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio (OMC), questionando medidas unilaterais, que tem forte potencial de afetar as exportações para o mercado europeu. São queixas que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, certamente ouvirá em sua visita a Brasília no dia 12 .

O relatório da OMC que os países utilizam para o exame europeu, nesta semana, destaca a adoção em fevereiro de 2021 de nova estratégia comercial da UE, intitulada ‘uma política comercial abertura, sustentável e firme’ que visa por exemplo alcançar uma ‘autonomia estratégica aberta’. Com essa abordagem, o bloco europeu diz dar prioridade à cooperação multilateral, mas entende agir de maneira autônoma se necessário.

Para vários parceiros, a UE vem agindo justamente de maneira unilateral com várias regulamentações adotadas recentemente.

O ministro-conselheiro Braz Baracuhy, da missão brasileira junto à OMC; destacou a preocupação brasileira particularmente com três medidas unilaterais propostas no ‘Green Deal’ (acordo Verde) europeu, ‘à luz de nosso compromisso compartilhado de preservar o sistema multilateral de comércio e alcançar um futuro sustentável e uma economia descarbonizada’.

Primeiro, a lei antidesmatamento europeia, que proibirá acesso ao mercado comunitário de várias commodities, como carne bovina, soja, café e óleo de palma, produzidas em zonas desmatadas após o final de 2020. Diferentes fontes consideram que que é uma medida mais danosa do que se imagina para o Brasil. Tem potencial de impactar em 80% das exportações do agronegócio brasileiro ou 40% do total das exportações para a UE, somando US$ 14,5 bilhões de vendas em 2021 para o bloco.

O representante brasileiro observou que o regulamento proposto inclui um sistema de benchmarking baseado em países com uma classificação escalonada que imporia tratamentos diferentes aos países de acordo com critérios estabelecidos unilateralmente pela União Europeia. Para o Brasil, o regulamento proposto poderá causar o desvio de comércio, já que os operadores interessados em evitar os pesados encargos de conformidade teriam um incentivo para reduzir o comércio com países considerados de "alto risco". Isso também poderia prejudicar objetivos comuns de reduzir o desmatamento e a degradação florestal, na avaliação da diplomacia brasileira.

Outra medida unilateral na Europa é a taxa de carbono na fronteira (CBAM, Carbon Border Adjustment Mechanism). Vai ser aplicada na importação de produtos intensivos em energia como aço, cimento, alumínio, fertilizantes. O impacto no comércio internacional será grande.

Para o Brasil, o mecanismo proposto parece desafiar uma ampla gama de regras da OMC, incluindo disciplinas relacionadas a tarifas e TBT (Barreiras Técnicas ao Comércio), além dos princípios de não discriminação e tratamento nacional. O Brasil destacou que também não há uma cláusula para considerar esforços de descarbonização que não envolvem o preço do carbono, como abordagens regulatórias.

Nas áreas de Barreiras Técnicas ao Comércio e de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, o Brasil reclamou de casos específicos em que medidas adotadas por Bruxelas parecem ser mais restritivas ao comércio do que o necessário e ‘sem a devida consideração dos padrões internacionais e da justificativa científica’. Por exemplo, questões como o registro de pesticidas e os períodos de transição reduzidos para a entrada em vigor de novos Limites Máximos de Resíduos (LMRs).

Para o Brasil, outro aspecto preocupante na recente política comercial da União Europeia é o aumento substancial dos subsídios alocados a vários setores econômicos. A pandemia da covid-19, o conflito na Ucrânia e as transições ecológica e digital da UE levaram à criação de novos fundos, e à expansão dos fundos existentes, com condições de acesso mais flexíveis. Isso resultou no o fornecimento de maiores transferências diretas e financiamento a taxas de juros subsidiadas.

O relatório da OMC aponta que a UE aumentou o montante de ajudas estatais para enfrentar a pandemia para 320 bilhões de euros em 2020, contra 135 bilhões de euros em 2019. Para o período 2021-2027, fundos suplementares por meio de novo programa ’NextGenerationEU’ resultam em mais 809,9 bilhões de euros.

O Brasil conclamou a UE a ‘observar a necessidade de que suas medidas ambientais relacionadas ao comércio estejam em conformidade com as regras multilaterais comerciais e ambientais’. Pediu à UE ‘que evite tentativas de impor padrões específicos e estratégias de descarbonização a outras economias’. Sinalizou que continua comprometido em trabalhar em conjunto com a UE para moldar um tratamento multilateral ‘justo e eficaz para o nexo entre comércio e sustentabilidade que se alinhe e apoie os compromissos assumidos pelos Membros em fóruns ambientais, como as Contribuições Nacionalmente Determinadas no âmbito do Acordo de Paris’.

Além disso, o representante brasileiro chamou atenção para o setor agrícola, ‘que continua a apresentar desafios em termos de abertura dentro da UE’. Observou que a tarifa média na importação de produtos agrícolas, atualmente em torno de 14%, é mais de três vezes maior do que a média geral de cerca de 4%. Outra barreira significativa às importações é a escalada tarifária, pela qual os europeus cobram taxa baixa sobre componentes ou matéria-prima, mas a aumenta progressivamente para bens semifinais ou finais. Ou seja, estimulam a importação de produtos primários em detrimento dos processados.

Mesmo depois de examinar cuidadosamente o relatório da OMC sobre a UE, ter uma compreensão clara da complexa gama de políticas de apoio agrícola implementadas pela UE e seus 27 Estados-Membros ‘representa um desafio significativo’, conforme relatou o representante brasileiro.

O relatório da OMC observa que no período examinado a UE aumentou as exportações agrícolas mais rapidamente que as importações. A parte da agricultura nas exportações totais passou de 8% em 2018 para 9% em 2021, e o valor alcançou 196,1 bilhões de euros. Por sua vez, as importações continuaram estáveis em 6,1% de tudo o que a UE compra do resto do mundo, por um valor de 129,7 bilhões de euros.

O Brasil e o Reino Unido são os principais fornecedores agrícolas da UE, seguidos pelos EUA. As importações europeias são dominadas por produtos como café, soja e óleo de palma.

O exame da política comercial da EU prossegue na quarta-feira na OMC. A UE recebeu mais de 1.600 questões dos parceiros.

Assis Moreira – Valor Econômico