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Biodiesel

Portugal: Produção de biodiesel avança na Terceira


Expresso das Nove - 22 fev 2006 - 20:00 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

O Laboratório de Ambiente Marinho e Tecnologia, da Universidade dos Açores, vai produzir, a partir de restos de óleos alimentares, biodiesel, combustível que poderá ser utilizado nos mesmos aparelhos que funcionam com base no gasóleo. A partir de 2007, o laboratório vai investir, ainda, na produção de biogás.

O Laboratório de Ambiente Marinho e Tecnologia da Universidade dos Açores, com sede na cidade da Praia da Vitória, vai começar no próximo mês de Março a produção regular de biodiesel a partir de restos de óleos alimentares. O processo de reciclagem dos óleos alimentares já foi testado com sucesso, assim como a utilização do novo biocombustível em veículos a gasóleo. Em declarações ao EXPRESSO DAS NOVE, o professor Mário Alves, responsável pelo Lamtec, explicou-nos que o processo de produção de biodiesel "consiste na transformação de óleos alimentares usados e/ou de óleos vegetais (por exemplo, de girassol) num combustível que pode ser usado pelos mesmos aparelhos e máquinas que consomem gasóleo". Segundo o professor universitário "a passagem de um resíduo nocivo para a maioria das ETAR's a um combustível que nos é útil dá-se através de uma série de reacções químicas controladas". "O processo começa - continua a explicar-nos - na recolha controlada dos óleos alimentares e vegetais junto da sua fonte de geração e passa pela sua transformação química em biodiesel, cuja utilização é idêntica à do gasóleo de origem fóssil." "A combustão do biodiesel - esclarece -, à semelhança da do gasóleo, gera dióxido de carbono e vapor de água, mas a grande diferença é que o dióxido de carbono do biodiesel tem um ciclo de vida curto, ao contrário do gasóleo, o que quer dizer que o dióxido de carbono do biodiesel foi retirado há pouco tempo da atmosfera, através da fotossíntese das plantas que deram origem aos óleos. O dióxido de carbono do biodiesel faz parte de um ciclo curto que não causa aumento dos gases de efeito de estufa." "O biodiesel - segundo nos informou - pode ser usado através da sua mistura directa com o gasóleo, formando combustíveis como o B20 (20% de biodiesel, 80% de gasóleo), B40 (40% de biodiesel) ou até mesmo sob a forma de B100 (isto é, 100% de biodiesel), sem que seja necessário efectuar qualquer transformação nos motores que actualmente queimam o gasóleo puro." Neste momento, os óleos usados processados provêm, sobretudo, de restaurantes e unidades hoteleiras ou industriais. No futuro, tal recolha deverá estender-se progressivamente aos resíduos domésticos. A sensibilização do público e das camadas estudantis mais novas será certamente uma das principais vias para colocar um tal sistema de recolha em marcha. Por outro lado, os óleos industriais podem também ser convertidos em combustíveis do tipo do gasóleo, "mas o processo é diferente daquele que se aplica aos óleos alimentares e vegetais e os dois não podem ser misturados no processo de produção". "Em breve - anuncia-nos - teremos também capacidade para fazer essa transformação, mas os dois produtos serão gerados por reacções químicas muito diferentes entre si." "O objectivo - diz-nos Mário Alves - é libertar a Região destes resíduos alimentares e industriais, que constituem um problema ambiental, tornando-os numa mais-valia econó- mica para o mercado regional."

Produção limitada


A produção, para já, vai ser feita em quantidades reduzidas: "Se tivermos em conta que, por exemplo, na Terceira, o potencial de óleos usados ascenderá, no máximo, a cerca de 500 litros por dia, isto é, o equivalente a aproximadamente dez depósitos de gasóleo, percebemos que estamos a falar de um contributo insignificante ao nível da ilha. No entanto, em termos ambientais, estaremos a converter um problema numa mais-valia económica para a Região, ainda que com uma expressão insignificante no cômputo global. Além disso, não menos importante é o facto de podermos usar este processo no âmbito da formação universitária, em particular ao nível da graduação e da pós-graduação e, ao mesmo tempo, podermos desenvolver investigação aplicada com vista à melhoria do próprio processo", afirma Mário Alves.

Com os olhos postos no biogás

Futuramente, o Laboratório de Ambiente Marinho e Tecnologia da Universidade dos Açores projecta também a produção de biogás. "A produção de biogás - explica-nos de novo o investigador Mário Alves - parte de um resíduo orgânico, em particular dos excrementos de animais, e através de um processo bacteriano permite a obtenção de um gás formado, sobretudo, por metano, o mesmo gás combustível do gás natural." "As diferenças principais entre o biogás e o gás natural - esclarece - são a percentagem de metano (70% no biogás contra 90% no gás natural) e o facto do gás natural ser um combustível de origem fóssil, que contribui para o aumento dos gases de efeito de estufa (a combustão gera dióxido de carbono e vapor de água), ao passo que o biogás, por ter origem orgânica, gera um dióxido de carbono de ciclo de vida curta, tal como acontece com o biodiesel." O Laboratório de Ambiente Marinho e Tecnologia da UA conta, desde o passado dia 17 de Fevereiro, com novas instalações, a meia dúzia de passos da marina da cidade da Praia da Vitória. Foram criadas três novas unidades de investigação e formação: o laboratório de hidrogénio e electricidade, o laboratório de aerodinâmica equipado com um túnel de vento, capaz de simular ventos até 300 km/h (um dos três túneis de vento existentes no nosso País) e duas aeroturbinas, o laboratório de biocombustíveis (biodiesel, biogás, bioetanol e biomassa em geral). Além disso, foi criado ainda um espaço de divulgação ao público para as matérias da energia, ambiente e desenvolvimento sustentado, onde se pretende dinamizar iniciativas diversas em colaboração com as várias escolas da ilha e do arquipélago, desde o nível básico até ao universitário. O investimento total foi de 750 mil euros e resultou da conjunção entre o Programa Regional de Acções Inovadoras dos Açores - PRAI e a Câmara da Praia da Vitória.

Terceira na vanguarda das energias renováveis


A Terceira vai produzir 5,2 toneladas de hidrogénio por dia, já a partir de 2007.

O laboratório de hidrogénio que agora foi inaugurado (embora a sua instalação definitiva só deva estar concluída dentro de cerca de três meses) tem capacidade para gerar hidrogénio para as experiências e demonstradores que estão a ser instalados. "Porém - assegura-nos Mário Alves - a produção em grande só será viável através de um investimento inicial que atinge algumas centenas de milhões de euros. Um investimento que, seguramente, só estará ao alcance de grandes grupos económicos privados, que vejam nesta produção a possibilidade de um negócio do futuro." Numa fase inicial vão ser produzidas 5,2 toneladas de hidrogénio por dia, até ao final de 2007, o equivalente a cerca de 14% das necessidades totais presentes da ilha Terceira. Até 2010 vão ser produzidas aproximadamente 100 toneladas de hidrogénio por dia, ou seja, 36.500 toneladas por ano, isto é, cerca de 50% das necessidades totais da Região, no presente, em energia. Segundo Mário Alves são múltiplas as mais-valias que a ilha Terceira e a Região poderão retirar desta estratégia: "O facto do projecto ter o patrocínio da UNIDO-ICHET confere-lhe o estatuto de interesse internacional, em representação de Portugal"; mas "o mais relevante é que, com ele, vamos iniciar a Era do Hidrogénio em Portugal, estando os Açores no centro da acção". Até ao presente, a actividade do Laboratório de Ambiente Marinho e Tecnologia tem sido desenvolvida, sobretudo, através de projectos financiados pela UE e através de consultadorias a empresas do sector energético. Uma das questões que se colocam, naturalmente, no que diz respeito à produção de hidrogénio como combustível alternativo é a sua capacidade de concorrência, em termos de preços, com os combustíveis fósseis. A resposta do professor Mário Alves é suficientemente elucidativa: "Neste momento temos soluções capazes de produzir hidrogénio renovável a custos tais que o colocam em concorrência directa com os combustíveis fósseis. É isso que nos propomos fazer aqui nos Açores." "Se tivermos em conta que uma tonelada de hidrogénio tem um conteúdo energético equivalente a cerca de três toneladas de gasolina - explica-nos - é fácil perceber que o preço de venda do hidrogénio ao consumidor pode atingir três vezes o da gasolina, isto é, cerca de 3,5 euros/kg ao preço corrente. Estaremos a pagar pelo hidrogénio o equivalente ao que pagamos hoje pela gasolina. Se o hidrogénio estiver disponível a um preço inferior a 3,5 euros/kg, então estaremos a ganhar face ao que temos no presente." Aliás, o hidrogénio renovável reúne o potencial para se constituir, no futuro, como a maior indústria sustentada que alguma vez existiu em Portugal: "Em termos económicos há um potencial bruto para um volume de negócios (sem contar com sinergias e efeitos catalisadores noutras indústrias) de mais de 20% do PIB nacional em 2004 (se considerarmos o potencial de 12 milhões de toneladas de hidrogénio/ano e o valor de 2,5 euros por cada quilograma de hidrogénio). Mário Alves verifica, com agrado, que nos Açores já há uma boa percepção da importância da produção de hidrogénio, bastante maior até que no Continente: "Sobretudo no meu contacto diário com estudantes e jovens vejo que a mensagem está a passar. O contacto com o cidadão comum tem igualmente mostrado que as pessoas anseiam pela nova solução." "Mas - vai avisando - há ainda um longo caminho a percorrer até alcançarmos a meta final do desenvolvimento sustentado", por isso "o esforço de divulgação e demonstração terá que continuar, a par da implementação das aplicações e soluções práticas".

Investigação em várias áreas


Os diversos investigadores do LAMTec cobrem áreas que vão desde as energias e combustíveis renováveis até ao ambiente marinho e oceanografia. A equipa é formada por físicos (entre os quais se inclui o professor Mário Alves), engenheiros electrotécnicos, engenheiros agrónomos e engenheiros do ambiente. Entre os projectos que estão a ser desenvolvidos destaque para os do Programa PRAI, na área do hidrogénio; os do Programa INTERREG IIIB, no âmbito do hidrogénio e da oceanografia; enquanto os projectos na área dos biocombustíveis decorrem em colaboração com firmas locais, num bom exemplo de cooperação entre a universidade e as empresas. Sobre o tão propalado choque tecnológico de que o País está necessitado o nosso entrevistado é de opinião que ele irá acontecer onde houverem iniciativas que procurem interligar o conhecimento científico à iniciativa empresarial: "Esta dinâmica tem de acontecer livremente entre os que detêm o conhecimento e os que são capazes de financiar a sua aplicação. No entanto, se para isso o Estado puder contribuir, reduzindo a burocracia, criando incentivos financeiros e fiscais, criando programas de financiamento dedicado, poderemos dizer que o caminho do desenvolvimento estará bastante mais facilitado."

Pilhas de hidrogénio


Um grupo de energia da Malásia pretende investir mais de 100 milhões de euros em Portugal, num projecto orientado para a produção de pilhas de hidrogénio e biogás e para a valorização da biomassa. Trata-se de um projecto industrial e de investigação e desenvolvimento que deverá criar mais de 50 postos de trabalho para doutorados e 150 de qualificação inferior. O projecto deve contar com a parceria da Empresa Geral de Fomento, tendo sido já assinado um pré-contrato entre a empresa malaia e a Agência Portuguesa para o Investimento. Além do investimento industrial, o memorando de entendimento prevê a criação do primeiro centro de investigação e desenvolvimento na área do biogás e do hidrogénio no Continente.

TIBÉRIO CABRAL