PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Biodiesel

Ficção alimenta o intelecto, mas não enche a barriga


O Estado do Paraná - 31 jul 2008 - 05:27 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

A retomada de aumentos mensais da Selic é medida equivocada para mitigar a majoração dos preços agrícolas. Afinal, como sabe qualquer estudante de economia, juros altos são eficazes apenas para conter a inflação de demanda, mas jamais a de custos. Como é esta última a que se manifesta no Brasil, corremos o risco de diminuir o nível de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) sem conseguir domá-la, unindo o inútil ao desagradável.

Para tornar a questão mais clara, é importante analisar os índices inflacionários. Tomemos como base o ICV-Dieese, cujo acumulado nos 12 meses de junho de 2007 a maio de 2008 foi de 4,95%. A maior alta deu-se na alimentação, com 14,17%. Mais dramático ainda, no período de julho de 2007 a junho de 2008, foi o aumento expressivo da cesta básica nas 16 capitais pesquisadas (30,83% em São Paulo), atingindo duramente aqueles que só podem consumir o mínimo necessário.

No ICV, alguns subgrupos tiveram comportamentos análogos aos duros anos pré-Plano Real, quando a inflação era aquela criatura bizarra de dois ou mais dígitos. Produtos in natura e semi-elaborados (média de 20,07%) sofreram reajustes muito altos, como feijão (105,14%), berinjela (43,58%), tomate (36,83%), arroz (34,30%), mamão (31,57%), carne bovina (25,44%) e leite (23,18%). Os itens da indústria alimentícia subiram 10,13%. Neste subgrupo chamam atenção o óleo comestível (61,55%), farinha de trigo (43,11%), leite em pó (36,79%), pão francês (27,72%) e massas secas (25,28%). Na alimentação fora do domicílio, elevação foi de 9,82%.

Por mais que no plano mundial atribua-se a majoração do alimento a um fenômeno de demanda (o grande aumento do consumo na China e Índia) e à produção de etanol de milho nos Estados Unidos, não se trata do caso brasileiro. Aqui, precedem-se como causas, além de um fator conjuntural ligado aos preços em ascensão de insumos como os fertilizantes, energia e combustíveis, questões estruturais que sempre oneraram a produção. Ou seja, estamos falando de custos.

A verdade é que o governo federal deveria ter política eficaz para incentivar a produção de alimentos. Não basta fomentar o biodiesel, com discutível subsídio. O Brasil, que tem terras suficientes para produzir energia de fontes renováveis e alimentos, precisa conciliar as duas vertentes. Este tema, aliás, está na pauta do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea) de São Paulo, assim como medidas para minorar a inflação do alimento, educação sobre como comer corretamente e gastar menos, o novo papel do Estado no abastecimento, produção agrícola ambientalmente correta e difusão de novas tecnologias para aumento da produtividade. É necessário, ainda, administrar o preço do diesel, pois o sistema de fertilizantes, distribuição e transporte em caminhões depende muito desse insumo.

Quanto à diplomacia econômica, além de reivindicar o fim dos subsídios, o governo precisaria negociar com habilidade para remover as barreiras impostas aos produtos brasileiros nos Estados Unidos e Europa. Deveria contestar análises equivocadas de organismos internacionais sobre o nosso agronegócio e advogar o restabelecimento da autoridade da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) ante a Organização Mundial do Comércio (OMC) no mercado de alimentos. Ao invés de brigar com os argentinos pelo restabelecimento das exportações de trigo, poderia seguir o exemplo do programa paulista para diminuir a dependência da importação. Em São Paulo, semente de alta qualidade e baixo preço é fornecida aos agricultores, resultando em maior produtividade.

Por fim, há o grave problema da infra-estrutura, que, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), prejudica produtores e onera exportações mais do que as barreiras externas dos subsídios, quotas e sobretaxas. Segundo estudo da entidade, de 2006, transporte e logística foram responsáveis por 70% do aumento dos custos do setor, nas cinco safras anteriores àquele ano. A situação não mudou. Desse modo, é impreterível a implementação de eficiente política agropecuária e para a produção de alimentos. Se o Brasil continuar confundindo custo com demanda e ignorando os problemas do campo, seguirá adotando soluções irreais para causas inexistentes, e ficção pode até alimentar o intelecto, mas não enche a barriga...
 
João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea).