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Negócio

Superávit na balança de petróleo sobe 20% e tem recorde em 2023


Fábio Rodrigues - 22 jan 2024 - 10:42

O superávit da balança comercial de petróleo e derivados atingiu recorde de US$ 25 bilhões em 2023, valor 20% maior que o do ano anterior e equivalente a um quarto do saldo de US$ 99 bilhões da balança total brasileira do ano passado. Puxado pelos campos do pré-sal, o aumento da produção de petróleo deve propiciar contribuições cada vez mais importantes para as exportações brasileiras até o fim desta década, mesmo com projeções mais conservadoras do que as dos órgãos oficiais, indicam economistas.

O superávit somente nesses produtos pode avançar para US$ 31 bilhões neste ano e chegar a US$ 50 bilhões em 2029. Os cálculos são do BTG Pactual e consideram que a produção de petróleo chegue à média de 3,75 milhões de barris ao dia em 2024, com alta gradativa para 4,54 milhões de barris diários daqui a cinco anos. Entre outras premissas, o cálculo considerou preço médio do petróleo de US$ 80 o barril em 2024, US$ 75 em 2025 e US$ 70 a partir de 2026. Os dados de comércio baseiam-se nas divulgações da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).

O banco espera que o crescimento do superávit no decorrer dos próximos anos resulte muito mais do aumento das exportações do que do nível de importações na balança de petróleo e derivados. O cenário traçado por Iana Ferrão e Pedro Oliveira, economistas do banco, mostra que a exportação desse grupo deve subir dos US$ 54 bilhões em 2023 para US$ 61 bilhões neste ano e chegar a US$ 84 bilhões em 2029. As compras externas da commodity e derivados devem subir de US$ 29 bilhões para US$ 30 bilhões de 2023 para este ano e alcançar US$ 34 bilhões daqui a cinco anos.

Para as projeções, destaca Ferrão, o banco considerou um aumento de produção de petróleo “bem mais modesto” que o estimado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública federal ligada ao Ministério das Minas e Energia. Se os cálculos considerassem as projeções de produção da EPE, o superávit estimado da balança de petróleo e derivados chegaria a US$ 33 bilhões em 2024 e atingiria US$ 95 bilhões em 2029. A EPE projeta que daqui a cinco anos a produção brasileira de petróleo atingirá média de 5,4 milhões de barris ao dia.

“O Brasil ganhou destaque na produção de petróleo no cenário global nos últimos anos e as perspectivas à frente são ainda melhores”, diz Ferrão. Ela ressalta que entre 2016 a 2022 a produção de petróleo acumulou crescimento de 20%. No ano passado, diz, o aumento deve ter alcançado cerca de 13%. Para 2024, a estimativa do banco é de alta de 10% Somente no biênio 2023-2024, diz ela, a produção de petróleo subirá mais do que no acumulado dos sete anos anteriores. “Em novembro [último dado disponível], a produção de petróleo brasileira foi de 3,7 milhões de barris por dia. Se esse nível de produção for mantido até o fim de 2024, já se garante para este ano um crescimento de 8%.”

Tomando como base as projeções da EPE, diz Ferrão, a produção de petróleo poderá crescer 8,3% na média anual entre 2023 e 2029. Pelas projeções do banco o aumento médio no período poderá alcançar 6%, compara. Ainda que menor que a estimada com base nos dados da EPE, a taxa é praticamente o dobro da obtida nos sete anos anteriores, quando o crescimento médio anual foi de 3,2%, compara.

As estimativas do BTG estão um pouco acima das projeções da Agência Internacional de Energia (AIE), explica a economista. O órgão tem estimativa para a produção brasileira de petróleo até 2028, ano para o qual projeta média de 4,1 milhões de barris/dia. Ferrão lembra, porém, que a AIE estima média de 3,5 milhões de barris/dia para 2024, marca que já foi ultrapassada no fim de 2023.

Influenciada pelo setor de petróleo, a balança comercial, estima a MCM Consultores, poderá ter “superávits bem acima de US$ 100 bilhões pelos próximos anos e com isso trazer grande estabilidade ao setor externo da economia brasileira”. O estudo da consultoria tem como base projeções da EPE. A consultoria ressalva, porém, que “não é difícil encontrar analistas” que “consideram otimistas as projeções da EPE”. O estudo também considera cenários com “uma margem de frustração dessas projeções”, em que a produção diária alcançaria 4,9 milhões de barris em 2029, por exemplo.

No cenário mais pessimista traçado pela MCM, o país “poderia atravessar esta década com superávit comercial total ainda bastante significativo, em torno de US$ 90 bilhões [anuais] até 2029”. Nesse cenário, a consultoria destaca que o superávit ex-petróleo de US$ 53 bilhões em 2024 se transformaria em déficit de US$ 40 bilhões em 2032. Isso aconteceria devido ao “aumento da demanda doméstica” e consequentemente das importações. Ainda assim, o país teria “robusto excedente na rubrica petróleo”.

O mercado, diz Ferrão, olha com cautela os dados de petróleo porque no passado já houve projeções de produção superestimadas. A mudança na produção nacional da commodity, com declínio de participação da Petrobras e entrada de empresas privadas, inclusive estrangeiras, pode ajudar a tornar as projeções mais confiáveis, avalia. O levantamento do BTG mostra que em 2013 a Petrobras respondia por 91% da produção nacional de petróleo, fatia que caiu para 63,4% no ano passado.

Até 2014 o Brasil era deficitário na balança comercial de petróleo e derivados, lembra Ferrão. Naquele ano, o saldo dessas trocas foi negativo em US$ 10 bilhões, segundo levantamento do BTG. O país, recorda a economista, passou a integrar o ranking dos dez maiores produtores do mundo em 2015. A expectativa, diz, mesmo considerando as projeções mais conservadoras da AIE, é de que em 2029 o Brasil chegue à sexta colocação.

Caso o superávit comercial de US$ 31 bilhões em petróleo e derivados estimado pelo BTG para 2024 se concretize, o valor será equivalente a um terço do superávit de US$ 90 bilhões projetado pelo banco para a balança total. Ferrão explica que por enquanto a estimativa de superávit para a balança total em 2024 tem viés altista devido a aumento de preço e volume de exportação de minério de ferro nos últimos meses.

O preço do minério de ferro subiu para perto de US$ 140 a tonelada e a estimativa do banco para 2024 é de média de US$ 120. “No primeiro trimestre de 2024 podemos ter uma surpresa positiva na balança vinda do minério de ferro, o que também pode se refletir nas projeções do mercado.”

O que também deve propiciar saldos maiores na balança de petróleo e derivados nos próximos anos são os níveis de importação. No cenário-base do banco, no qual o superávit da balança de petróleo e derivados atinge US$ 50 bilhões em 2029, a importação desse itens deve ficar praticamente estável de 2023 a 2026, em US$ 29 bilhões, com aumento gradativo a partir de 2027, para chegar a US$ 34 bilhões em 2029. Enquanto o crescimento acumulado de exportações estimado entre 2023 e 2029 é de 56%, nas importações o aumento é de 17%, em igual critério.

Ferrão explica que o Brasil exporta principalmente óleo bruto, seguido de óleo combustível, e importa principalmente combustíveis, com destaque para diesel, e óleos brutos de petróleo de melhor qualidade. Ela destaca que a importação de óleos brutos tem diminuído porque o petróleo do pré-sal tem qualidade melhor do que o do pós-sal, permitindo que o Brasil refine mais óleos domésticos do que há alguns anos. “As importações só não caem muito nos próximos anos porque a nossa capacidade de refino ainda não é suficiente para atender a demanda interna e precisamos ainda continuar importando gasolina, diesel e outros derivados.”

“Outro ponto que também não deve deixar aumentar tanto as importações nos próximos anos é a questão do preço, já que no cenário-base consideramos cotação a US$ 70 o barril a partir de 2026”, diz Ferrão. A evolução dos superávits na balança de petróleo e derivados, destaca, dependerá muito das cotações internacionais da commodity. Entre os demais cenários que o BTG traçou, no mais otimista o superávit dessa balança chega a US$ 78 bilhões em 2029, caso os preços do petróleo a partir de 2024 fiquem em US$ 100 o barril, em média. No cenário mais pessimista, com US$ 50 o barril, o superávit daqui a cinco anos pode ser de US$ 32 bilhões.

Para Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), é muito claro que o petróleo terá maior importância na balança comercial pelo lado das exportações, num movimento que indica mudança estrutural. “O que me preocupa é a importação. Não se pode esquecer que a Petrobras trabalhou a maior parte de 2023 com preço abaixo da cotação internacional de petróleo, o que tirou do mercado parte dos importadores concorrentes. Essa política funciona no curto prazo, mas não pode ser sustentada num médio prazo. E essa política pode mudar, é conjuntural.”

Especialistas lembram ainda que as projeções para o futuro da produção brasileira de petróleo devem considerar o movimento global de transição energética, mas a avaliação tem sido de que a petróleo deve continuar importante na exportação brasileira porque a redução de uso de combustíveis fósseis deve acontecer gradativamente. O crescimento da produção de petróleo tem sido avaliado como oportunidade para o Brasil obter divisas pelo menos até meados da próxima década.

Marta Watanabe e Estevão Taiar – Valor Econômico