PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Negócio

Petrobras se opõe ao MME sobre política de preços


Valor Econômico - 06 abr 2023 - 08:48

A Petrobras viveu na quarta-feira (5) um dia de tensões internas e de oscilações na bolsa provocadas pelas falas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre mudanças na política de preços dos combustíveis da estatal. Em entrevista à Globonews pela manhã, o ministro indicou que a Petrobras vai substituir o atual modelo, que tem os preços internacionais como referência, por outro, baseado no mercado interno. Afirmou ainda que, como resultado das mudanças, o preço do diesel cairia entre R$ 0,22 e R$ 0,25 por litro.

As declarações de Silveira provocaram reação da Petrobras, que desmentiu o ministro. Silveira disse na entrevista à emissora que a petroleira já tinha orientação para alterar as “diretrizes”. Logo depois, o novo diretor financeiro da estatal, Sergio Caetano Leite, divulgou comunicado ao mercado no qual reafirmou o compromisso da empresa com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado nacional. E mais adiante disse, na nota, que a Petrobras não havia recebido “nenhuma” proposta do MME sobre mudanças na política de preços.

Pouco depois do meio-dia, a ação preferencial da empresa recuou 2,64% e a preferencial, 2,08%. No começo da tarde, os papéis recuperaram a perda e passaram a operar perto da estabilidade. A ação PN fechou ao final do dia a R$ 24,35, variação de 0,33% sobre a véspera, enquanto a ação ordinária terminou o pregão em R$ 27,4, alta de 0,15%.

Na sequência do comunicado, a administração da Petrobras enviou ofício ao MME pedindo esclarecimentos. No documento, ao qual o Valor teve acesso, o presidente do conselho da Petrobras, Gileno Barreto, indagou Silveira sobre quais seriam as diretrizes propostas pela pasta à companhia para o cálculo dos preços dos combustíveis. No ofício, Barreto lembrou que cabe ao colegiado aprovar a diretriz sobre a formação de preços dos derivados no mercado interno, e salientou a obrigação da companhia, de acordo com as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de dar publicidade sobre atos ou fatos relevantes que envolvam a empresa.

Após as reações da Petrobras e do mercado, Silveira voltou a abordar o tema, desta vez no Palácio do Planalto, e amenizou o tom. Ao falar com jornalistas, o ministro afirmou que o governo, acionista majoritário da companhia, ainda dará uma orientação sobre à mudança na política de preços, a ser apreciada na assembleia de acionistas da estatal que está marcada para 27 de abril. Disse também esperar que até lá a Petrobras comece “os estudos sobre como é possível contribuir com o Brasil nos preços dos combustíveis”.

Questionado sobre qual será a fórmula que o governo vai propor à companhia, Silveira respondeu: “Precisamos chegar a um denominador para que a Petrobras seja como qualquer outra empresa, que tem seu custo de produção, seu custo de transporte e seu lucro de mercado, mas que não esteja vinculada a um preço internacional. A Petrobras produz em real e tem que ter seu custo calculado em real.” Especialistas dizem, porém, que por serem commodities o petróleo, o diesel e a gasolina têm preços definidos no mercado internacional, em dólar. O mesmo acontece com outros produtos, caso da soja e do minério de ferro, para citar alguns exemplos.

No Planalto, Silveira prosseguiu com o discurso sobre os preços dos combustíveis. Citou a política atual da Petrobras, de preços de paridade de importação (PPI), para dizer que o governo não permitirá que o cartel da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que nesta semana anunciou um corte na produção, "possa influenciar e esmagar o poder de compra dos brasileiros". “Como empresa de economia mista, a Petrobras não é a panaceia dos preços dos combustíveis e nunca vai ser”, afirmou.

As declarações de Silveira foram interpretadas por fontes próximas à companhia mais como uma tentativa de fazer pressão sobre a nova administração do que como uma intervenção direta do ministério na empresa. Fica a dúvida como a nova gestão da estatal - diretoria, já eleita, e conselho de administração, ainda não empossado - vão reagir. Fica evidente, entre especialistas, que esse tipo de declaração é ruim para a governança da Petrobras, que vem passando por uma reconstrução depois da Lava-Jato.

Embora a petroleira seja controlada pela União e se reporte diretamente ao MME, o ministro falou inicialmente, antes do recuo, como se o governo pudesse tomar decisões de forma monocrática, sem o aval dos gestores da empresa e dos investidores, em assembleia de acionistas. A Petrobras tem cerca de 700 mil acionistas pessoas física. A Assembleia Geral Ordinária (AGO), no dia 27, terá na pauta a eleição do novo colegiado.

Decisões erradas, tomadas a partir de pressões políticas sobre a Petrobras, podem motivar, inclusive, processos contra a companhia no Brasil e nos Estados Unidos, como aconteceu no passado, resultado de atos de outras administrações do PT. Os novos gestores da estatal - diretores e conselheiros - devem zelar pelo seus CPFs. O dever fiduciário do administrador estará sempre em jogo.

Jean Paul Prates, o CEO escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a Petrobras, também tenta, quando fala dos preços dos combustíveis, se equilibrar entre as demandas da União e as obrigações que tem como executivo da companhia, a maior da bolsa brasileira. Mas as explicações de Prates até agora são incompletas sobre como “abrasileirar” os preços - para usar uma expressão de Lula -, talvez até porque o novo presidente da Petrobras ainda não saiba como fará para baixar os preços sem que a prática leve a Petrobras, via subsídios, a apresentar novos prejuízos, como nas gestões petistas anteriores.

Nos bastidores da Petrobras o que se identifica é um movimento de pelo menos três grupos de interesse: Lula e Prates, os sindicatos dos petroleiros e o próprio MME, que tenta influenciar a empresa desconsiderando potenciais conflitos de interesse. Essa situação se configura, por exemplo, nas indicações do MME para o conselho de administração da companhia com vistas à eleição do dia 27 de abril. Dos oito nomes indicados pela União, três foram vedados pelas instâncias internas de governança da petrolífera: Efrain Cruz, Pietro Mendes e Sergio Rezende - os dois primeiros por serem secretários do MME, e Rezende por ser um dirigente partidário.

Na terça-feira (4), o MME anunciou que Vitor Saback, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), será o novo secretário de geologia, mineração e transformação mineral da pasta. Ele passou pelo teste de integridade na Petrobras, com a recomendação de que se abstivesse de votar em processos administrativos na ANA que envolvam a Petrobras. Ao assumir a secretaria, Saback é o terceiro integrante do MME a buscar ser eleito como conselheiro da Petrobras.

A leitura, também nos bastidores, é que os nomes do MME vedados pela governança da Petrobras serão levados à AGO no fim do mês e a União tentará aprová-los. Poucos acreditam que os indicados serão deixados pelo caminho. É algo que foi visto no governo Bolsonaro e que tende a se repetir no governo Lula, na avaliação de fontes.

Para o advogado Giovani Loss, do escritório Mattos Filho, o comunicado da Petrobras, desmentindo o ministro, revela que a governança da empresa não está sendo respeitada: “Se a governança estivesse sendo respeita, a Petrobras não viria a público em uma situação constrangedora para contrariar a declaração do ministro. É muito ruim para imagem da empresa e afeta o entendimento dos investidores”, afirmou Loss, que é especialista no setor de óleo e gás.

Fábio Couto, Paula Martini, Francisco Góes, Fábio Murakawa e Murillo Camarotto – Valor Econômico