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Negócio

Com preços em ‘xeque’, Petrobras se arrisca a descolar de pares globais


Valor Econômico - 10 fev 2021 - 10:42

A Petrobras é, desde o começo de 2020, uma das petroleiras com maior desvalorização entre as grandes empresas do setor. A perda de valor das companhias foi resultado da queda no preço do petróleo ante a retração econômica, agravada pela pandemia. Agora, em momento em que a cotação da commodity se recupera e supera a casa dos US$ 60 o barril, as repercussões negativas em torno da política de preços dos combustíveis da estatal podem acentuar as diferenças no valor dos seus papéis da frente aos pares internacionais.

Levantamento do Valor mostra que a ação da Petrobras acumula, desde o início de 2020, desvalorização de 35,5%, desempenho pior do que a queda de 24,5% da Chevron e de 27,7% da ExxonMobil e, em linha, com a baixa de 35,2% da Shell. Todas as empresas foram penalizadas pela contração sem precedentes da demanda global no ano passado. A ação da BP, com perda de 42,4%, caiu mais que a brasileira.

Operacionalmente bem posicionada com o pré-sal, ativo de baixo custo de extração, a Petrobras vive a expectativa de aumentar o pagamento de dividendos a partir de 2022, em meio à redução da dívida. No ano passado, mesmo diante do choque de preços do petróleo, a empresa cortou em 16,5% a dívida líquida, ou US$ 13 bilhões, no acumulado de nove meses de 2020. Alguns analistas, porém, veem um aumento dos riscos associados às ameaças de uma nova greve dos caminhoneiros sobre a capacidade de geração de caixa da estatal.

O mercado tem reagido mal, nos últimos dias, à prática de preços da Petrobras. Desde a segunda-feira, as ações ordinárias da empresa recuaram 5,1% na B3, na contramão do preço do barril de petróleo do tipo Brent, que subiu 2,7% e superou pela primeira vez o patamar de US$ 60 desde janeiro de 2020. A desvalorização ocorre mesmo após os reajustes anunciados na segunda-feira, de 6,2% para o diesel e 8,2% para a gasolina.

A tensão no mercado teve início na sexta-feira, depois que o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, foi chamado pelo presidente Jair Bolsonaro, a Brasília, para prestar esclarecimentos sobre os preços da estatal. A preocupação ganhou novos contornos, no mesmo dia, quando a empresa confirmou, em resposta a uma notícia da Reuters, que havia decidido, em 2020, estender de trimestral para anual o período limite de apuração da aderência dos preços à paridade de importação (PPI). Na prática, significa que a petroleira pode, num dado trimestre, praticar preços eventualmente abaixo do PPI, desde que a diferença seja mais que compensada no ano.

Não quer dizer que a empresa ficará meses sem reajustar os preços, mas que pode trabalhar com defasagens por tempos maiores. Segundo duas fontes, internamente, na administração da companhia, não há preocupação com a mudança, uma vez que, no consolidado de um ano fiscal, o princípio de alinhamento com o mercado internacional estará mantido. Entre investidores e analistas, porém, o episódio reforçou a percepção de riscos envolvendo a petroleira. Concorrentes da estatal e analistas estimam que a Petrobras está segurando reajustes e trabalhando com preços abaixo do PPI.

Segundo o Bradesco BBI, os fundamentos da Petrobras são sólidos, mas, em cenário de recuperação do petróleo e de defasagem nos preços internos, a companhia brasileira tende a desvalorizar perante a concorrência. “À medida que os preços do petróleo continuam a subir - e vemos razões para isso acontecer no curto prazo - os dividendos e retornos da Petrobras se tornarão comparativamente mais baixos”, cita o banco.

A XP, por sua vez, destaca que a incerteza sobre os preços da Petrobras implica numa grande mudança na tese de investimento da companhia, uma vez que as ações da companhia não deverão acompanhar inteiramente as cotações do petróleo. “No futuro, esperamos que a Petrobras tenha um desempenho inferior às petroleiras globais - bem como aos preços do barril”, afirma o analista Gabriel Francisco, em relatório recente sobre o assunto.

O analista do UBS BB, Luiz Carvalho, não acredita que possível represamento dos preços da companhia impacte nos dividendos. “Mas é possível que por uma maior percepção de risco o desconto atual nos múltiplos [da Petrobras, em relação aos pares] prossiga.”

Um dos principais múltiplos acompanhados por investidores é o EV/Ebitda, que mede a relação entre o valor da companhia em relação ao Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). De maneira geral, empresas que possuem um EV/Ebitda menor que os pares do mesmo setor são mais baratas.

O EV/Ebitda da Petrobras em 2021 é calculado pelo Bradesco BBI em 4,5 vezes - abaixo da média de 4,9 vezes apurada com 15 empresas do setor. Dentro do universo do levantamento, a estatal brasileira está mais barata que a Lukoil, Repsol, BP, Shell, Rosneft, Total, Chevron e ExxonMobil. No comparativo com petroleiras de mercados emergentes, por outro lado, levantamento do UBS BB mostra que o EV/Ebitda da Petrobras está acima da média entre 13 empresas monitoradas.

Para o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, o principal fator de desconto da estatal frente a outras petroleiras é o alto endividamento. Com uma alavancagem, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, de 2,3 vezes ao fim do terceiro trimestre, a Petrobras tem o terceiro maior indicador, dentre as 15 companhias acompanhadas pelo Bradesco BBI, atrás apenas da argentina YPF e Rosneft.

Por outro lado, Arbetman ressalta que a Petrobras está bem posicionada em termos operacionais, já que quase 70% da produção vem do pré-sal, cujo custo de extração está em US$ 2,30 o barril. Em 2020, a Petrobras quebrou recordes de exportação de petróleo, mesmo diante da queda do consumo global. “A Petrobras se mostrou rentável num cenário de barril de petróleo a US$ 25 e está ainda mais hoje, com um barril a US$ 60”, afirma.

André Ramalho e Gabriela Ruddy – Valor Econômico