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Diesel renovável

Biocombustíveis ‘high tech’ em alta


O Estado de S.Paulo - 29 mar 2021 - 15:24

Depois do etanol e do biodiesel, considerados biocombustíveis da primeira geração, a onda global de redução de emissões de gases e poluentes está alavancando novos tipos de produtos no setor. São fontes energéticas ambientalmente mais corretas que, dia a dia, ganham mais espaço e escala comercial.

Esses novos tipos de biocombustível, os chamados de segunda geração, estão inseridos no moderno conceito de economia circular, que prevê reutilização, recuperação e reciclagem de materiais gerados pela indústria de transformação. No caso do etanol, por exemplo, as sobras da produção são o bagaço, que hoje já é usado também para gerar energia elétrica e biogás, e a palha, outrora totalmente abandonada no campo.

Foi de pesquisas com essa biomassa descartada que surgiu o etanol de segunda geração (E2G). As usinas produzem o novo combustível por meio de um processo chamado hidrólise, que liquefaz as fibras do vegetal usando ácidos ou enzimas. Com isso, é possível obter até 50% mais etanol com a mesma quantidade de cana processada. Resultados que ratificam a tradição brasileira de pesquisa e inovação no setor. Por causa de todo o avanço de estudos com o etanol há décadas, o Brasil tem hoje 71,4% da frota de carros flex. Sendo que a mistura de biodiesel puro ao óleo diesel (atualmente em 13%) é obrigatória no País desde 2008.

Bernardo Gradin, presidente da empresa de biotecnologia GranBio, destaca o tremendo potencial produtivo do setor. “Dos 650 milhões de toneladas de cana colhidas todos os anos, entre 10% e 15% são palha. Se usarmos só metade dessa palha que apodrece no campo (e solta gás metano), podemos transformar em 20 milhões de toneladas de E2G, o que dá 25 bilhões de litros”, calcula. A capacidade atual da unidade da GranBio em São Miguel dos Campos (AL) é de 30 milhões de litros por ano e a empresa atingiu no ano passado 8 milhões de litros produzidos.

Projeções mais otimistas anteriores foram revistas porque a conjuntura política global mudou desde o início da década de 2010. Naquela época, o preço do petróleo rondava os US$ 110 por barril e os Estados Unidos tinham uma forte política pró-sustentabilidade. Especialistas alegam que agora as esperanças globais se renovam tanto pelo fim da doutrina Trump a favor dos combustíveis fósseis como pelas exigências de redução de emissões após o Acordo de Paris. Europa e China, por exemplo, terão de cumprir desafiadores mandatos de mistura de biocombustíveis em seus veículos a gasolina e diesel.

O etanol de segunda geração pode ter também outras finalidades. Desde 2019, O Boticário fechou contrato com a Raízen, que produz o E2G em Piracicaba, para utilizar o produto em substituição ao álcool anidro na fabricação de uma linha de cosméticos, que possui até um selo especial. “Além do uso para aplicações industriais e como carburante para transporte, o etanol celulósico pode ser utilizado para a produção de bioquímicos, bioplásticos e hidrogênio verde”, elenca Raphaella Gomes, diretora de Transição Energética da Raízen.

Biodiesel e querosene verdes

O setor do biodiesel também vive o início de sua segunda geração. Começa a ganhar escala a produção tanto do Diesel Verde (HVO) como do querosene de aviação renovável (SPK), feita a partir de resíduos de gordura animal e óleos de cozinha usados, além dos óleos vegetais. “Agora é a hora do HVO. Ele já é o terceiro biocombustível produzido no Brasil, atrás apenas do etanol e do biodiesel de primeira geração. Estamos preparados para o aumento da demanda”, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente e CEO da empresa de biotecnologia BSBios.

Apesar de utilizar a mesma matéria-prima que o biodiesel, que são os óleos vegetais, o HVO é produzido após passar por um processo químico de hidrotratamento (hidrogênio de alta pressão). Após a reação, é obtido um líquido bastante similar ao diesel fóssil, porém bem menos poluente.

Para Battistella, os biocombustíveis não devem ser considerados como substitutos dos combustíveis fósseis, mas como complementares na matriz energética. “Não há concorrência. Todas as grandes companhias petrolíferas consideram o biodiesel um amigo. Afinal, ele dá sobrevida ao combustível fóssil”, explica o executivo, que também preside a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio).

No caso do querosene parafínico sintetizado (SPK), também obtido por meio de hidrotratamento de óleos vegetais, a expectativa é de uma demanda crescente a partir de 2027. Nesse ano começará a fase obrigatória do regime de compensação e redução das emissões de carbono no setor de aviação, acelerando a mistura de SPK ao tradicional querosene de aviação (QAV). “Será a virada de chave”, aposta Battistella.

Para atender a essas futuras demandas e outras envolvendo os mercados de nafta verde (para a indústria petroquímica) e de GLP verde, o ECB Group está liderando o Omega Green, um projeto de US$ 800 milhões para uma biorrefinaria no Paraguai, que entrará em operação em 2024.

Avanços genéticos criam a ‘supercana’

Melhoramentos genéticos realizados nos últimos anos na cana-de-açúcar geraram variedades da planta que se tornaram a grande aposta da indústria de etanol celulósico para garantir melhor aproveitamento e produtividade. A cana-energia, também chamada de “supercana” por alguns, se diferencia da versão original por apresentar maior teor de fibra por hectare e menor teor de açúcar, o que a torna essencial para o avanço do biocombustível de segunda geração.

Bernardo Gradin, presidente da GranBio, revela que a empresa já patenteou e está produzindo suas versões obtidas a partir da combinação de canas ancestrais, a Cana-Vertix. “Ela produz 2,5 vezes mais que a cana-de-açúcar”, afirma.

Entre as vantagens dessa variedade, está a possibilidade de plantação em áreas de baixa aptidão agrícola, pelo fato de a cana-energia exigir um consumo de água e de nutrientes muito menor. Segundo a GranBio, é possível aproveitar por exemplo parte dos 32 milhões de hectares de pastagens atualmente degradados.

No setor de biodiesel, uma aposta no futuro é a exploração comercial na América do Sul da pongamia, árvore oleaginosa de origem australiana. O ECB Group assinou em fevereiro com a empresa holandesa de pesquisa Investancia um contrato de longo prazo para fornecimento do óleo dessa planta. A matéria-prima será usada no projeto Omega Green, no Paraguai.

A pongamia, além de seu uso comercial, é considerada altamente sustentável e adaptável e é muito eficiente na remoção de carbono. E o farelo resultante também pode ser usado como ração animal. “É uma leguminosa que não precisa de fertilizantes, pode viver até 100 anos e vai servir para reflorestamento de áreas degradadas, favorecendo a pecuária”, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente da BSBios e da Aprobio.

Inovações como etanol celulósico e diesel verde ganham escala comercial
 
Depois do etanol e do biodiesel, considerados biocombustíveis da primeira geração, a onda global de redução de emissões de gases e poluentes está alavancando novos tipos de produtos no setor. São fontes energéticas ambientalmente mais corretas que, dia a dia, ganham mais espaço e escala comercial.
 
Esses novos tipos de biocombustível, os chamados de segunda geração, estão inseridos no moderno conceito de economia circular, que prevê reutilização, recuperação e reciclagem de materiais gerados pela indústria de transformação. No caso do etanol, por exemplo, as sobras da produção são o bagaço, que hoje já é usado também para gerar energia elétrica e biogás, e a palha, outrora totalmente abandonada no campo.
 
Foi de pesquisas com essa biomassa descartada que surgiu o etanol de segunda geração (E2G). As usinas produzem o novo combustível por meio de um processo chamado hidrólise, que liquefaz as fibras do vegetal usando ácidos ou enzimas. Com isso, é possível obter até 50% mais etanol com a mesma quantidade de cana processada. Resultados que ratificam a tradição brasileira de pesquisa e inovação no setor. Por causa de todo o avanço de estudos com o etanol há décadas, o Brasil tem hoje 71,4% da frota de carros flex. Sendo que a mistura de biodiesel puro ao óleo diesel (atualmente em 13%) é obrigatória no País desde 2008.
 
Bernardo Gradin, presidente da empresa de biotecnologia GranBio, destaca o tremendo potencial produtivo do setor. “Dos 650 milhões de toneladas de cana colhidas todos os anos, entre 10% e 15% são palha. Se usarmos só metade dessa palha que apodrece no campo (e solta gás metano), podemos transformar em 20 milhões de toneladas de E2G, o que dá 25 bilhões de litros”, calcula. A capacidade atual da unidade da GranBio em São Miguel dos Campos (AL) é de 30 milhões de litros por ano e a empresa atingiu no ano passado 8 milhões de litros produzidos.
 
Projeções mais otimistas anteriores foram revistas porque a conjuntura política global mudou desde o início da década de 2010. Naquela época, o preço do petróleo rondava os US$ 110 por barril e os Estados Unidos tinham uma forte política pró-sustentabilidade. Especialistas alegam que agora as esperanças globais se renovam tanto pelo fim da doutrina Trump a favor dos combustíveis fósseis como pelas exigências de redução de emissões após o Acordo de Paris. Europa e China, por exemplo, terão de cumprir desafiadores mandatos de mistura de biocombustíveis em seus veículos a gasolina e diesel.
 
O etanol de segunda geração pode ter também outras finalidades. Desde 2019, O Boticário fechou contrato com a Raízen, que produz o E2G em Piracicaba, para utilizar o produto em substituição ao álcool anidro na fabricação de uma linha de cosméticos, que possui até um selo especial. “Além do uso para aplicações industriais e como carburante para transporte, o etanol celulósico pode ser utilizado para a produção de bioquímicos, bioplásticos e hidrogênio verde”, elenca Raphaella Gomes, diretora de Transição Energética da Raízen.
 
Biodiesel e querosene verdes
 
O setor do biodiesel também vive o início de sua segunda geração. Começa a ganhar escala a produção tanto do Diesel Verde (HVO) como do querosene de aviação renovável (SPK), feita a partir de resíduos de gordura animal e óleos de cozinha usados, além dos óleos vegetais. “Agora é a hora do HVO. Ele já é o terceiro biocombustível produzido no Brasil, atrás apenas do etanol e do biodiesel de primeira geração. Estamos preparados para o aumento da demanda”, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente e CEO da empresa de biotecnologia BSBios.
 
Apesar de utilizar a mesma matéria-prima que o biodiesel, que são os óleos vegetais, o HVO é produzido após passar por um processo químico de hidrotratamento (hidrogênio de alta pressão). Após a reação, é obtido um líquido bastante similar ao diesel fóssil, porém bem menos poluente.
 
Para Battistella, os biocombustíveis não devem ser considerados como substitutos dos combustíveis fósseis, mas como complementares na matriz energética. “Não há concorrência. Todas as grandes companhias petrolíferas consideram o biodiesel um amigo. Afinal, ele dá sobrevida ao combustível fóssil”, explica o executivo, que também preside a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio).
 
No caso do querosene parafínico sintetizado (SPK), também obtido por meio de hidrotratamento de óleos vegetais, a expectativa é de uma demanda crescente a partir de 2027. Nesse ano começará a fase obrigatória do regime de compensação e redução das emissões de carbono no setor de aviação, acelerando a mistura de SPK ao tradicional querosene de aviação (QAV). “Será a virada de chave”, aposta Battistella.
 
Para atender a essas futuras demandas e outras envolvendo os mercados de nafta verde (para a indústria petroquímica) e de GLP verde, o ECB Group está liderando o Omega Green, um projeto de US$ 800 milhões para uma biorrefinaria no Paraguai, que entrará em operação em 2024.
 
Avanços genéticos criam a ‘supercana’
 
Melhoramentos genéticos realizados nos últimos anos na cana-de-açúcar geraram variedades da planta que se tornaram a grande aposta da indústria de etanol celulósico para garantir melhor aproveitamento e produtividade. A cana-energia, também chamada de “supercana” por alguns, se diferencia da versão original por apresentar maior teor de fibra por hectare e menor teor de açúcar, o que a torna essencial para o avanço do biocombustível de segunda geração.
 
Bernardo Gradin, presidente da GranBio, revela que a empresa já patenteou e está produzindo suas versões obtidas a partir da combinação de canas ancestrais, a Cana-Vertix. “Ela produz 2,5 vezes mais que a cana-de-açúcar”, afirma.
 
Entre as vantagens dessa variedade, está a possibilidade de plantação em áreas de baixa aptidão agrícola, pelo fato de a cana-energia exigir um consumo de água e de nutrientes muito menor. Segundo a GranBio, é possível aproveitar por exemplo parte dos 32 milhões de hectares de pastagens atualmente degradados.
 
No setor de biodiesel, uma aposta no futuro é a exploração comercial na América do Sul da pongamia, árvore oleaginosa de origem australiana. O ECB Group assinou em fevereiro com a empresa holandesa de pesquisa Investancia um contrato de longo prazo para fornecimento do óleo dessa planta. A matéria-prima será usada no projeto Omega Green, no Paraguai.
 
A pongamia, além de seu uso comercial, é considerada altamente sustentável e adaptável e é muito eficiente na remoção de carbono. E o farelo resultante também pode ser usado como ração animal. “É uma leguminosa que não precisa de fertilizantes, pode viver até 100 anos e vai servir para reflorestamento de áreas degradadas, favorecendo a pecuária”, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente da BSBios e da Aprobio.