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[Entrevista] Evonik fala sobre o futuro do setor de biodiesel


BiodieselBR.com - 15 jun 2011 - 14:50 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:16

Enquanto esteve no Brasil para tratar de assuntos ligados à construção da nova fábrica de metilato da Evonik na América do Sul, José Berges, vice-presidente sênior e chefe da linha de alcóxidos e de produtos de eletrólise, concedeu uma entrevista exclusiva para BiodieselBR. Além de passar mais detalhes sobre a fábrica, Berges mostra que, apesar de morar na Europa, tem acompanhado bem de perto o setor de biodiesel brasileiro. Ele considera o novo marco legal “algo de suma importância” e diz que as “discussões que estão acontecendo no Brasil já aconteceram em outros lugares no mundo”. Além disso, mostra o que foi feito na Europa para convencer distribuidoras e montadoras a aceitar uma mistura maior de biodiesel e como resolveram a questão da qualidade do biocombustível europeu.
 
BiodieselBR - Em abril, foi anunciada a construção da fábrica de metilato da Evonik para a América do Sul e o local escolhido foi a Argentina. Por que não o Brasil?
Jose Berges - Há um ano e meio, tomamos a decisão de fazer uma fábrica na América do Sul. Já havíamos iniciado a produção em nossa fábrica de metilato nos EUA, e estava claro que o próximo mercado de crescimento era a América do Sul. Então nos dedicamos com bastante atenção e trabalho para achar o lugar ideal para esta fábrica. Entre os critérios que analisamos estavam a distância para os clientes, a distância para as matérias-primas e os custos de operação. Olhamos para tudo isso e avaliamos diferentes lugares, tanto no Brasil quanto na Argentina, e finalmente chegamos à conclusão de que a região argentina de Santa Fé era o lugar ideal para atender os clientes de ambos os mercados.

BiodieselBR - No anúncio da construção, a fábrica ainda não tinha sido aprovada pelo conselho da empresa. Essa aprovação já aconteceu?
Berges - Sim. Alguns dias após o anúncio, o conselho da Evonik aprovou a construção da fábrica.

BiodieselBR - Como está o projeto? Quando começa a construção?
Berges - O projeto está indo muito bem. A engenharia e o direcionamento dos equipamentos já estão completos. Estamos agora aguardando a fase de negociação com os fornecedores. A fábrica começará a funcionar no último trimestre de 2012. Um ponto importante é que, diferentemente do que anunciamos, ela não produzirá 60 mil toneladas, mas 70 mil toneladas por ano.

BiodieselBR - Por que essa diferença de tamanho?
Berges - Porque operamos essa fábrica nos EUA já há dois anos e, juntando os dados desse período, concluímos que ela produz mais do que a estimativa inicial.

BiodieselBR - A tecnologia que vocês estão usando nessa fábrica é diferente da usada na Alemanha?
Berges - É diferente da fábrica alemã e igual à que estamos usando nos EUA. Esta fábrica será uma cópia fiel daquela que está operando nos EUA, o que nos permite aproveitar tudo que aprendemos na operação da fábrica e ter um tempo de construção bastante rápido, porque não temos que inventar a roda pela segunda vez.

BiodieselBR – O que as usinas brasileiras podem esperar dessa nova unidade?
Berges - Vai ser uma fábrica a nível mundial. Do ponto de vista operacional, vai ser muito mais fácil para os clientes. No lugar de ter que importar o produto da Alemanha, a usina vai comprar aqui na região. Isso dá uma tranquilidade maior para os clientes operarem. Catalisador é um insumo de pequeno valor dentro do biodiesel, mas sem o catalisador não se faz biodiesel. Portanto, uma fábrica na região dará mais segurança para o cliente, já que terá o fornecedor bem perto.

BiodieselBR - Quanto tempo leva para o cliente receber o metilato após ele fazer o pedido? Esse tempo vai diminuir?
Berges - O prazo é de dois dias. Nós já atuamos como se fôssemos um fornecedor local, por mantermos o estoque já nacionalizado, no Brasil. Mas se colocássemos um pedido para a Alemanha no momento em que o cliente coloca o pedido aqui, demoraria quatro semanas. Uma fábrica na região reduz aquelas coisas não tangíveis que são difíceis de avaliar, como greves, problema de clima, de navios e tudo mais. Você encurta muito a cadeia logística, corta ela de quatro semanas para uma.

BiodieselBR - O preço do metilato será menor? As usinas podem esperar um preço mais baixo?
Berges - As usinas podem esperar um preço competitivo. Acho que o ponto crucial aqui não é o custo do catalisador, pois, dentro do custo total do biodiesel, é uma coisa que nem aparece. Como o mercado está crescendo de forma significativa em todo o mundo e, segundo as nossas previsões, continuará crescendo, acho que a segurança de ter fornecedor de qualidade aqui perto é o valor que a gente pode trazer para o usineiro.

BiodieselBR - É sabido que o Brasil está passando por um processo de criação de um novo marco legal do biodiesel. Como é que a Evonik tem acompanhado o mercado brasileiro e a criação desse projeto de lei?
Berges - Acompanhamos o setor muito de perto e consideramos o novo marco legal algo de suma importância. De fato, nossos investimentos aqui na América do Sul preveem que haja um incremento no uso do biodiesel, tanto na Argentina como no Brasil. Então, participamos ativamente de reuniões com o setor, como a recente reunião na Casa Civil, onde expressamos nossa opinião. Está claro que o aumento da venda de biodiesel no Brasil é justo, é viável, faz todo sentido e tentamos sempre apoiar os produtores de biodiesel com essa visão. O catalisador não será o gargalo para aumentar a mistura. Se decidirem dobrar o consumo de biodiesel, catalisador vai ter.

BiodieselBR - Na opinião da Evonik, o Brasil é conservador em relação ao aumento da mistura de biodiesel?
Berges - Eu tenho acompanhado o que acontece em outros países e percebo que o Brasil segue um caminho semelhante. O biodiesel é um combustível como outro qualquer e, portanto, gera certos receios de parte desta cadeia. Estes grupos precisam ser convencidos de que vai funcionar. Essas discussões que estão acontecendo no Brasil já aconteceram em outros lugares no mundo e, depois de um certo tempo, as soluções aparecem. Confiamos que aqui no Brasil não será diferente.

BiodieselBR - A Argentina começou sua produção de biodiesel voltada para a exportação e agora passou a usá-lo internamente. O Brasil começou pensando no mercado interno e, aparentemente, não tem nada caminhando para que seja exportado. Como é que você vê a possibilidade de exportação de biodiesel no Brasil?
Berges - Como você disse, a situação da Argentina e a do Brasil são totalmente diferentes. A indústria de biodiesel na Argentina foi montada em cima da ideia de exportar. A localização das fábricas está totalmente dirigida para a exportação, com a proximidade do porto e a logística resolvida. Aqui no Brasil, o conceito era bem diferente, era para o consumo local. O Brasil tem condição de exportar biodiesel, porém a indústria não está estruturada atualmente para isso. Outra diferença é que na Argentina a legislação ajuda a exportação e no caso do Brasil, se não houver mudanças bastante fortes, a exportação de biodiesel será bem difícil. Porém, a pergunta é: será que vale a pena para o Brasil focar na exportação agora? O biodiesel, no nosso ponto de vista, é uma solução para a dependência de combustíveis fósseis e uma solução para o pequeno agricultor. Assim, acho muito mais inteligente manter este foco e aumentar o mercado local, ao invés de tentar a exportação. A Argentina começou com a exportação, mas logo viram que poderiam ficar com os benefícios em casa.

BiodieselBR - Qual o maior problema do setor de biodiesel brasileiro hoje?
Berges - Eu considero que o maior problema do setor é, em primeira instância, não ter saído o novo Marco Legal. Percebemos nas conversas com nossos clientes que existe uma certa insegurança com o futuro. Temos escutado também sobre o problema de qualidade que tem sido divulgado na mídia. Mas isso é rito de passagem, não é nada que atinja só a indústria brasileira, tem acontecido em outros países também. Mas o problema que eu acho que tem de ser tratado, até psicologicamente, pela indústria do biodiesel, é levar os receios dos adversários do biodiesel a sério. Não adianta simplesmente querer aumentar a mistura dentro de um Marco Legal sem convencer todos os participantes da cadeia produtiva de que realmente faz sentido. Se distribuidoras ou fabricantes de motores ou autopeças têm seus receios em relação à qualidade, é preciso eliminar esses receios.

BiodieselBR - Os postos e distribuidoras no Brasil reportam problemas na qualidade do diesel e dizem que o problema é o biodiesel. A Europa já passou por problemas assim? Como eles lidam com a questão da qualidade?
Berges - Existiu esse problema e provavelmente foi a mesma situação que está acontecendo no Brasil. Foi uma falta de comunicação entre as partes envolvidas. Desde o início, não se tentou fazer uma meta em conjunto, trazer todo mundo para a mesa e definir que caminho trilhar. Os produtores de biodiesel da Europa, em algumas ocasiões, confiando que existia uma lei que obrigava o uso de biodiesel, preocuparam-se pouco com a qualidade. Normalmente, nesse mundo de negócios, se um cliente mostra os problemas com o produto ou serviço de uma empresa e se essa empresa não escuta o cliente, ela não sobrevive. Como a indústria de biodiesel está muito ligada à legislação, esse princípio não se seguiu tão ao pé da letra. Acho que a situação melhorou quando todas as partes envolvidas – políticas, distribuidoras, indústrias automotivas e fabricantes de biodiesel – sentaram na mesma mesa e começaram a falar abertamente dos problemas e de como fazer para resolvê-los. Esse é o mesmo caminho que deve seguir o Brasil, não vai ter outro.

BiodieselBR - Como convencer os “opositores do biodiesel” de que é interessante para eles aumentar a mistura?
Berges - Todos temos que entender, e é fácil de entender, que o biodiesel faz sentido no mundo e faz sentido no Brasil. O Brasil tem todas as condições para ser um dos líderes mundiais em razão da disponibilidade de matéria-prima, da dependência de importações de diesel, da aprovação que o biodiesel tem no inconsciente das pessoas, e das razões ambientais. Se todos entenderem que isso é verdade e que existe um interesse global em aumentar o uso de biodiesel, falta sentar na mesa, considerar os problemas de todas as partes envolvidas na cadeia produtiva e resolvê-los.

BiodieselBR - No ano passado, durante a Conferência BiodieselBR, você falou que não é justo comparar o preço do diesel com o preço do biodiesel. Por que não?
Berges - Diesel é combustível, ponto. Nem mais nem menos. Biodiesel é combustível, é redução de CO2, é emprego adicional no campo e é redução de dependência de importações. Então, você não pode comparar um produto que só tem uma característica com outro que tem pelo menos quatro características. O valor do biodiesel para a sociedade é diferente. Você está gerando renda adicional para o pequeno agricultor, além de melhorar a qualidade do meio ambiente. Comparando apenas o preço do diesel com o do biodiesel, tiramos essas qualidades, essas características do biodiesel, o que não é justo. Se avaliássemos o efeito econômico completo do biodiesel, teríamos um preço diferente. Quando consideramos esses fatores, acho que o custo do uso do diesel é muito mais alto que o custo do uso de biodiesel, só que ninguém fez esse cálculo ainda.

Na realidade, o que temos que entender é que muita gente opina que biodiesel se vende porque tem uma legislação que obriga. Acho que a causalidade é diferente. O biodiesel tem diversas características positivas e valores para a sociedade que não podem ser reduzidos ao preço do combustível. E por causa desses valores para a sociedade é que existe uma legislação que nos faz usar biodiesel.

Também não é justo você comparar uma indústria de combustíveis fosseis que já está instalada há cem anos com um negócio que tem cinco anos de idade. Nós vivenciamos isso com o etanol, que hoje é um orgulho brasileiro e muito competitivo na bomba. Mas quando o Pró-álcool foi lançado não era assim, certamente os questionamentos que estamos discutindo hoje foram discutidos na época. Então, se tivermos esse olhar de futuro, que leva em conta todas essas vantagens do biodiesel, essa questão deixa de ser uma opção política.

BiodieselBR - Por que a Europa é tão protecionista na importação de biodiesel?
Berges - Olha, na realidade eu não acho que a Europa seja protecionista na importação. O principal motivo para a Europa usar combustíveis alternativos são as questões ambientais. Então, o que ela está pedindo nos combustíveis renováveis é uma redução de CO2 de no mínimo 35% quando comparado com combustível tradicional, o que eu acho que é um pedido mais do que razoável. A grande ideia da Europa é criar uma indústria de biocombustíveis que seja sustentada, e isso significa que não pode ter um efeito negativo nos preços de alimentos, que não pode ter concorrência com alimentos e tem que exigir que realmente haja uma redução significativa de CO². Afinal de contas, se houver algumas regiões produtoras de combustíveis alternativos que fazem o trabalho de uma forma não sustentável, isso não deveria ser apoiado por ninguém. Nas metodologias criadas pela União Europeia, acredito que qualquer produtor na América do Sul que trabalhe de forma séria, não vai ter problemas em atingir o percentual exigido de redução de CO2.

BiodieselBR - Para você, qual é o limite de mistura de biodiesel no diesel?
Berges - Na Alemanha, por um bom tempo, grande parte da frota de caminhões andou com B100 sem problemas. Na Europa, como se usa diesel em carro de passeio, a situação é diferente. Existem certas limitações dependendo do sistema de motor utilizado. Na Alemanha, hoje, chegou-se ao B7 e os fabricantes de carros franceses dizem que até B30 não há problema. Então eu não sei se o limite é B20 ou B30, mas certamente muito mais alto que B5. Se eu bem lembro, na conferência que vocês organizaram no ano passado, eu entendi que havia um certo consenso entre todos os participantes, de que B7 era uma coisa mais que realista. Acho que depois do B7, o incremento para B10, B20 deve ter um estudo um pouco mais cauteloso. Mas, em princípio, não vejo por que B20 no Brasil não seja possível.

BiodieselBR - O Brasil e a Argentina não deveriam lutar mais conjuntamente em defesa do uso maior de biodiesel no mundo?
Berges - Acho que faria todo o sentido do mundo, porque vem da mesma região, com as mesmas características climáticas, com a mesma matéria-prima, com a mesma logística, com a mesma distância para os mercados europeus e com a mesma competitividade que vem do campo. Olhando da Europa, a América do Sul é considerada uma região, não é Argentina e Brasil. Por isso não falamos que vamos fazer uma fábrica na Argentina, ou para a Argentina. Nós estamos fazendo uma fábrica para a América do Sul, por coincidência localizada na Argentina. Então, acho que Brasil e Argentina deveriam juntar forças nessas discussões, seja de qualidade, de matéria-prima ou de quanto realmente é a redução de CO2.

BiodieselBR - Vocês têm planos de exportar o metilato para a Colômbia a partir da fábrica da América do Sul?
Berges - O mercado é o continente sul-americano, porém nem sempre uma cercania física significa que é economicamente mais interessante enviar da fábrica mais próxima. Nós vamos ter três fábricas: Alemanha, EUA e América do Sul. Se a forma mais eficiente for daqui, enviaremos daqui, se não, enviamos da Alemanha ou EUA.

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