Cooperativas concentram compras de matéria-prima para biodiesel com Selo Social
Criado em 2004 para facilitar o acesso de agricultores familiares ao mercado de biocombustíveis, o Selo Biocombustível Social tem visto crescer a participação de cooperativas sobre o valor total das aquisições da indústria do setor nos últimos cinco anos, atingindo uma participação de 79% - crescimento de quase 4% ante o ano anterior.
Em 2008, quatro após a criação do programa, esse percentual era de 49%, com a maioria das aquisições feitas de agricultores individuais.
O aumento da participação das cooperativas tem um motivo: com centenas de produtores cooperados, esses armazéns conseguem entregar volumes maiores de matéria-prima de uma única vez, reduzindo os custos logísticos.
“É por isso que houve um pleito de toda a cadeia produtiva para que a normativa do selo biocombustível social contemplasse também a produção que é originada e vendida por meio de agentes intermediários”, conta Daniel Furlan Amaral, economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Com cerca de 15% do total da matéria-prima adquirida do setor vindo de agricultores familiares no último ano, a associação viu esse volume crescer, alcançando 3,7 milhões de toneladas em 2020 – 94,7% delas compostas por soja ou óleo de soja processado por pequenos produtores.
Esse aumento, contudo, não foi uniforme. Enquanto na região Sul as aquisições de matéria-prima da agricultura familiar para produção de biodiesel cresceram 3,8%, alcançando uma participação de 86,6%, na região Norte a queda foi de 77,8%, com 5,45 mil toneladas.
“O Sul possui uma estrutura fundiária que naturalmente gera condições para uma maior integração com as usinas de biodiesel. A gente já tem um conjunto grande de produtores que são produtores de oleaginosas e possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf, o que torna essa integração mais direta”, explica Amaral, ao reconhecer as diferenças sociais e regionais encontradas no meio rural brasileiro e que criam um desafio adicional para as indústrias que buscam o selo e, assim, garantir acesso diferenciado aos leilões da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Em Rio Claro, interior de Goiás, a produtora Adriana Teixeira de Faria passou os seus três primeiros anos de trabalho no campo sem contar com a declaração de aptidão do Pronaf e sem participar do programa Selo Biocombustível Social.
Com 31 hectares arrendados de seus próprios pais, ela recorda das dificuldades que enfrentava para produzir soja numa escala bem inferior aos gigantes do setor, que chegam a cultivar centenas de milhares de hectares.
“Como a gente é bem pequeno, tudo é mais difícil. A compra de adubo mesmo, era bem difícil de conseguir uma carga, e o preço era bem mais caro também. A gente tinha que correr atrás, tinha que pagar frete, ir atrás do produto ou achar um vizinho próximo que comprou no mesmo lugar”, recorda a agricultora, que há três anos participa do programa, recebendo assistência técnica e apoio da multinacional para a compra de insumos, além de uma bonificação de R$ 2,50 por saca vendida. “Eles vêm fazer análise de solo e não cobram nada. Eles têm assistência, acompanhamento, tudo gratuito”, relata.
Trabalho de formiguinha
De acordo com o gerente de Óleos e Biodiesel da Cargill, William Siqueira, o trabalho de prospecção de novos “clientes”, como são tratadas os agricultores familiares que participam do programa, é considerado estratégico para a companhia.
Sem revelar qual a participação dessas aquisições sobre o total de soja consumida pelas unidades da Cargill no Brasil, ele afirma que a empresa prioriza justamente a compra desses pequenos produtores individuais num "trabalho de formiguinha” feito por uma equipe exclusiva para prospectar novos clientes fornecedores.
“Existem grandes cooperativas que também possuem o selo do Pronaf e muitas empresas que talvez não tenham um time de campo tão estruturado recorrem a essas cooperativas para fazer grandes volumes. A Cargill já tem outro approach. Nosso grande foco e nosso grande volume de grãos que a gente origina da agricultura familiar vêm direto dos pequenos produtores”, explica Siqueira ao destacar o trabalho constante a ser realizado para manter os agricultores atuais e também buscar novos interessados a fornecer matéria-prima para a companhia.
“O problema – e esse é um problema positivo – é que, realmente, quando a gente traz o produtor para um nível acima do que é hoje ele passa a ser uma vitrine para todos os demais concorrentes do mercado. Então, ao mesmo tempo que a gente engaja o produtor a entrar no programa, a gente tem um lado fragilizado porque esse mesmo produtor pode se tornar um produtor de maior porte e deixar de ser um cliente da Cargill”, relata o executivo, que atua diretamente na compra de soja e outras matérias-primas da agricultura familiar.
A situação descrita pelo gerente de óleos e biodiesel da Cargill é comum, segundo conta Amaral, da Abiove. “Por isso que a gente até solicita e dialoga com o Ministério da Agricultura para a revisão desses valores. Porque o produtor continua tendo a mesma área, todas as características de produção vinculada com os membros da família, enfim, todas as condições são as mesmas, mas ele teve um aumento de produtividade e renda que gerou essa modificação no padrão”, explica o economista ao reiterar que este é um desafio considerado positivo pelo setor.
“O que tem que ser discutido hoje - e é o que temos feito – são esses parâmetros. Será que o parâmetro de renda está compatível com aquilo que se espera do agricultor familiar? Se estiver incompatível, tem que ser feita uma reavaliação disso para que o produtor continue enquadrado num programa muito bom que é o Pronaf. Mas, sim, esse é um desafio, mas o setor via continuar trabalhando para fomentar esse tipo de integração”, completa Amaral.
Cleyton Vilarino – Globo Rural