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Alimentos e biocombustíveis: controvérsias e contradições


BiodieselBR.com - 09 jun 2010 - 15:50 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

Em todos os países a produção de biocombustíveis recebe críticas pela concorrência com outros usos do solo, principalmente com alimentos, e pelas condições de trabalho degradante, como o corte manual da cana. Conitos de fato são passíveis de ocorrer, podendo ser divididos em três diferentes tipos: por terra, por escolhas agrícolas, incluindo alimentos, e por recursos financeiros destinados ao mercado de combustíveis. Importa, porém, observar as condições e os determinantes de tais conitos, sabendo-se das diferenças de país para país.

O preço da terra é fator que se relaciona aos custos dos alimentos, estando ambos ligados à produção da soja ou de outra oleaginosa para biocombustíveis; a cana-de-açúcar para etanol segue a mesma lógica. O mecanismo não é simples, mas, grosso modo, é o resultado das condições de logística, preços e fertilidade da terra, distância ao local de consumo, custo de oportunidade de outros cultivos, disponibilidade de insumos, tecnologia e redes de produção e consumo. Estes fatores levam a escolhas de locais onde a terra será ocupada com maior eciência e lucratividade, deslocando as demais culturas, em caso de escassez de terra. Tal mecanismo se aplica a outros usos da terra, desde que sejam mais lucrativos do que o uso estabelecido, não sendo uma questão relativa somente ao biodiesel.


A menos que se consiga tecnologia, assistência técnica, insumos baratos, água e terra para consorciamentos, não há como negar que os biocombustíveis provocam deslocamentos da produção de alimentos de uma região para outra. Isto implica preços maiores de outros cultivos e seus produtos, bem como maior concentração de terras e renda no campo, o que tem sido regra – embora linear e determinística – das monoculturas em economias de mercado. Subsídios e outras medidas do Estado tendem a mitigar este problema, podendo gerar outros, e são em si um reconhecimento dos conitos. Estes conitos, no entanto, não retiram da agroenergia a sua componente oportunidade; apenas a inserem em uma condição real e natural das disputas que exigem medidas regulatórias.

Quanto ao aumento dos preços dos alimentos, é necessário analisar caso a caso, no âmbito de países e regiões, e na condição especíca da cadeia e da alocação de fatores. No Brasil, os aumentos de preços de alimentos de 2007-2008 têm explicações, principalmente, na retomada de preços internacionais e no aumento da demanda. Este aumento dos preços dos alimentos não representa, necessariamente, um problema, pois ocorrem situações em que o baixo preço dos produtos agrícolas sequer cobre os custos do agricultor; com o biodiesel essa contradição pode ser aliviada.

Por outro lado, diferenças e oportunidades regionais podem levar microrregiões a passarem de exportadoras de um alimento a importadoras, como se pode vericar na oscilação da produção de alimentos entre os municípios e microrregiões constante dos dados do Censo Agropecuário ou da Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE. É necessário, portanto, equilibrar as políticas e os incentivos, as tecnologias de produção e a sustentação das cadeias produtivas, dado que, no Brasil, há terra para todas as demandas atuais. Os conitos tenderiam a aumentar, no caso da combinação de aumento do preço da terra, alto custo de alimentos, ação fragilizada do poder público e outras restrições, com ou sem o biodiesel.

A gura 1 mostra a distribuição e demanda da terra no Brasil, com números condensados em categorias mais bem definidas. Comunidades quilombolas, ribeirinhos e outros não aparecem, embora a demanda seja real e em processo de reconhecimento.

FIGURA 1
Usos da terra no Brasil – proporções relativas à área total e às propriedades rurais
Ipea 9


Fontes: IBGE e Mapa.6 Elaboração própria.

O conito pelo uso da terra poderia até inexistir, caso uma maior racionalidade guiada por valores comunitários e democráticos fosse efetiva, uma das sugestões do debate (ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007; JANK; NAPPO, 2009; BRASIL, 2005). Na verdade, é difícil sustentar tal sugestão-hipótese, visto que ela é uma busca que se legitima no fato de existir terra suciente “para tudo” no Brasil. Estima-se que aproximadamente 10,5 milhões de hectares de terra se-jam destinados para os biocombustíveis, até 2025, diante uma disponibilidade de 70 milhões de hectares incluindo-se as pastagens degradadas, segundo o recente zoneamento da cana-de-açúcar.

Outra questão que importa para a formulação de políticas públicas é o fato de que, por tratar-se de uma commodity, a soja tem preço determinado pela demanda do mercado internacional. Isto interfere nos preços da cadeia para trás – terra, insumos, água, energia etc. e para frente – agroindústria,

derivados da soja, rações, aves, suínos, etc. Mesmo não sendo possível prever todas as reações do mercado, definir quais destas etapas da cadeia são prioritárias é essencial para se desenhar políticas com a finalidade de alcançar, por exemplo, a inserção social. Esta mesma preocupação se aplica à cadeia de outras oleaginosas que gerem produtos de valor comercial.

6. Demanda de terra para reforma agrária estimada pelo autor, tomando-se por base 1 milhão de famílias demandantes e média de 40 hectares para cada família assentada.

Fonte: Ipea - Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro - Biocombustíveis no Brasil: Etanol e Biodiesel
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