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Marco legal e arranjo institucional do setor público para o biodiesel


BiodieselBR - 09 jun 2010 - 15:56 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

Entre os combustíveis originados da biomassa estão: a lenha, o carvão vegetal, o etanol, o biodiesel, o bagaço de cana, a palha de arroz e o gás metano dos digestores. O biodiesel é um combustível para uso em pequenos e grandes motores – de carros, caminhões e ônibus –, feito a partir das plantas oleaginosas (óleos vegetais) ou de gordura animal – principalmente do sebo bovino. Para efeitos legais, o Art. 6o, inciso XXIV da Lei no 11.097/2005 dene assim o biodiesel:

Biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil.


Desde janeiro de 2010, o diesel vendido nos postos brasileiros possui 5% de biodiesel e 95% de diesel, sendo esta mistura denominada B5. No limite, tem-se o B100, que é somente biodiesel, já utilizado em diversas cidades no mundo. No Brasil, os testes com o B100 se iniciaram com projetos como o ônibus B100, da Universidade de São Paulo (USP) e com experiências, por exemplo, no trans-porte coletivo de Curitiba e do Rio de Janeiro.

As principais políticas e instrumentos dos biocombustíveis no Brasil, especialmente para o biodiesel, são originários do trabalho do Grupo Interministerial, nomeado pelo Presidente da República em 2003 (BRASIL, 2003). O objetivo do grupo era estudar o tema e definir sua diretriz, o que ocorreu com o PNA e o PNPB. O quadro 2 apresenta as principais leis, decretos e portarias que regulamentam o biodiesel.

QUADRO 2
Temas abrangidos pela legislação de biodiesel e pelas normas relacionadas
Leis Decretos Portarias/Resoluções
Lei no 11.116/2005 Registro Especial de produtor ou importador, incidência da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS)/ Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (PASEP) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) Lei no 11.097/2005 Introdução do biodiesel na matriz energética; altera a lei do petróleo e trata da fiscalização e regulação do mercado Lei no 9.478/1997 (Lei do Petróleo) e Leis no 9.847/1.999 (fiscalização e regulação do petróleo e biocombustíveis líquidos) 6.458/2008 – amplia as opções de matérias-primas da agricultura familiar para a região Norte e Nordeste e Semiárido e altera o PIS/Cofins para estas regiões 5.457/2005 – reduz as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins sobre a importação e a comercialização de biodiesel 5.448/2005 – regulamenta a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira 5.298/2004 – altera a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ligados à cadeia do biodiesel 5.297/2004 – dispõe sobre os coeficientes de redução das alíquotas de contribuição para o PIS/PASEP e a Cofins, na produção e comercialização de biodiesel Decreto de 23 de dezembro de 2003 – institui a Comissão Executiva Interministerial encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso do biodiesel Instrução Normativa (IN) do Ministério do Desenvolvimento Agrário no 1/2005 – estabelece critérios e procedimentos para concessão de uso do Selo Combustível Social; alterada pela IN no 1/2009 do MDA Instrução Normativa MDA no 2/2005 – fixa critérios e procedimentos para projetos de produção de biodiesel com Selo Combustível Social Portaria MME no 483/2005 – estabelece as diretrizes para a realização, pela ANP, de leilões de aquisição de biodiesel Portaria ANP no 240/2003 – regulamenta a utilização de combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos ainda não especificados Resolução CNPE no 3/2005 – reduz os prazos para atendimento do percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel, determina a aquisição do biodiesel produzido por produtores detentores do Selo Combustível Social, por intermédio de leilões públicos Resolução BNDES no 1.135/2004 – estabelece o Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel no âmbito do PNPB; outras portarias e resoluções da ANP abrangem transporte, registro de movimentação, controle de qualidade, armazenagem, especificações, autorização de operação, leilões, distribuição, venda, mistura, importação, exportação

Fontes: MDA e ANP. Elaboração própria.

Deve-se observar que o marco legal e a regulação do biodiesel evoluem bastante na definição de procedimentos e padrões – objeto de portarias, resoluções e instruções normativas – e evoluem menos em questões estruturais, conforme destacado adiante.

Estabelecido o marco político, em 2005, por meio do PNA (box 2), a implantação das políticas de biodiesel continua a cargo de 13 ministérios, sob a coordenação da Casa Civil. Além deste núcleo governamental, há ainda a participação de um número crescente de institutos de pesquisa, públicos e privados, bem como das fundações de apoio à pesquisa em todas as unidades da Federação em que há atividades ligadas ao PNPB.

Importantes representações dos agentes econômicos somam-se aos órgãos públicos responsáveis pelo Plano Nacional de Produção e Usos do Biodiesel como a União Brasileira dos Produtores de Biocombustíveis (Ubrabio), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Associação Brasileira dos Produtores de Óleo Vegetal (Abiove), fabricantes de equipamentos, agentes financeiros e distribuidores de combustíveis.

Esse amplo e positivo leque de agentes participantes das atividades da cadeia de biodiesel implica também novas demandas e desafios para a consolidação do setor no Brasil. Sem dúvida, a participação das instituições estatais, junto às redes de pesquisas e atores sociais são um diferencial na promoção do biodiesel. Abramovay e Magalhães (2007) veem no envolvimento de diversos atores e representações de classes, como a CONTAG e sindicatos rurais, com instituições de pesquisa e empresários um fator positivo e diferenciador do biodiesel no Brasil, comparativamente a outros países.

Desde 2006 vários estados têm apresentado esboços de planos ou ações concretas para a atividade da agroenergia, com destaque para São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia. Tais medidas resultam em investimentos dos estados, principalmente para infraestrutura e para a instalação das indústrias.

O quadro 3 resume o debate sobre pontos em que o Estado incentiva e/ou direciona o desenvolvimento da agroenergia, conforme foi previsto no PNA. Destacam-se as mudanças ocorridas desde a primeira edição do plano, em 2005.

QUADRO 3
Propostas do PNA e do PNPB e respostas do mercado do biodiesel até 2009
Tema Situação inicial (2005) Segundo momento (2009)
Marco legal Direcionado para um cenário de mercado incipiente, com perspectiva de lenta estabilização Agentes privados demandam redefinição de marco legal que viabilize a produção em larga escala e cobram regras claras e focadas no livre mercado
Recursos (investimento e crédito) Projeções de participação do Estado e da iniciativa privada, sem metas específicas de cada um Estado financia até 90% do valor dos investimentos; crescimento do investimento privado de grandes grupos
Abordagens das interfaces agricultura e indústria Para um contexto de mercado, essa abordagem esteve praticamente ausente nas ações do Estado Com a prevalência dos fatores que beneficiam a indústria (investimentos, demanda B3, B4, B5, incentivos fiscais, melhor logística etc.), a agricultura passa a ser um fator dependente de pesquisas e ações em matérias-primas, sazonalidades, preço da terra, lógica das commodities, renda no campo, integração com políticas regionais
Envolvimento dos órgãos e coordenação da ação estatal Este foi um pressuposto dos textos e debates das diretrizes sobre biodiesel; idealizou-se o sucesso das políticas à ação integrada dos diversos órgãos estatais Ao se observar que todos os níveis e as instâncias estão envolvidos, que o acesso às soluções demandadas é aberto, resta a crítica de falta de coordenação que viabilize alguns aspectos como inclusão social e ações indutivas para o desenvolvimento de novas tecnologias. A manutenção da coordenação pelo Comitê Gestor, de caráter interministerial, é essencial para o biodiesel
Regulação da produção e distribuição O pressuposto de regras de mercado estabelecido no PNA e PNPB outorga às agências de governo a elaboração de normas com padrões para o consumo; a produção e a distribuição são integradas, física e legalmente, ao sistema dos derivados de petróleo A expansão do mercado e o atendimento à demanda dos produtores (indústrias) tende a consolidar uma dupla captura, a ser revista em uma discussão do marco legal: i ) o agente regulador não tem poderes para regular o mercado a partir de um setor separado do petróleo; e ii ) a sustentação desta situação torna o Estado – com custos à União ou Petrobras – refém dos interesses do mercado, tornando inócuas algumas diretrizes do PNA e do PNPB
Apoio à agricultura familiar e inserção social via Selo Social Pressupostos de crédito, assistência técnica e organização de redes com base na indústria, por meio do Selo Combustível Social; foco nos agricultores do Nordeste/Norte e na mamona Modelo muito contestado, em fase de readaptação às novas regras elaboradas em 2009 (ver box 3 na seção 2.3.2). A opção de se ter como base da inserção as isenções à indústria em competição no mercado parece incorreta, por desconsiderar a lógica de preços, as redes, as cadeias agrícolas, o mercado da mamona, o setor público versus privado
Apoio à pesquisa e inovação tecnológica Diretrizes de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, com crescimento da indústria de equipamentos e produção de biocombustíveis é aspecto central nas políticas de Estado Esse campo foi o que mais avançou; ações do Estado viabilizam linhas específicas de financiamento (BNDES, FINEP, CNPq, Fundações estaduais de pesquisa, instituições privadas). Criaram-se a Embrapa Agroenergia, diversos centros e laboratórios de pesquisas. A Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB) é uma realidade. A inovação na produção agrícola está defasada, em relação à capacidade da indústria, mas não quanto ao tempo de pesquisa que se requer em inovação
Desenho de políticas no setor biodiesel O PNA e o PNPB têm características top down, com elaboração do governo, grupos de poder e técnicos representantes de órgãos estatais Políticas com apelo dos setores da base social, do tipo bottom up, parecem muito mais difíceis a cada ano, pelo desenvolvimento do mercado via commodities e das indústrias de grande escala; apelo a melhorias ambientais está mais forte

Fontes: PNA e PNPB. Elaboração própria.

Apesar de o PNPB ter apenas cinco anos desde o seu lançamento, pode-se observar, com o auxílio do quadro 3 e do detalhamento nos tópicos seguintes, que as ações previstas nas diretrizes do PNA e do PNPB que foram realmente concretizadas são aquelas relacionadas à expansão do mercado de biodiesel. Este mercado cresceu do zero ao B5 com a utilização da grande capacidade ociosa de produção da indústria. Uma série de outras propostas são ainda desafios, por exemplo, a inserção social na agricultura.

Ao abordar aspectos operacionais da distribuição do biodiesel, Dias (2006) observa que o compartilhamento da rede de distribuição sinaliza uma captura tácita da atividade de biodiesel pela rede de produção/distribuição de derivados de petróleo. De fato, isso ocorre por ser a distribuição de derivados bem estruturada, levando a que o aumento na descentralização da produção do biodiesel ocorra sem um novo modelo de distribuição e revenda, fato que acaba influenciando o preço final.

Esses aspectos operacionais, que são decorrentes do que dispõem as leis listadas no quadro 2, não são passíveis de alteração ou correção por meio da regulação econômica do setor, a qual se limita à interpretação e execução do marco legal vigente.

Outro desenho de marco regulatório, englobando desde cultivos de oleaginosas até a venda ao consumidor final, é uma das maiores demandas do setor de biodiesel, o que leva o Congresso Nacional a debater esse novo marco em diversos projetos de leis que incluem os demais biocombustíveis.

Temas como o equilíbrio articial entre o custo e o preço – biodiesel ainda muito mais caro do que o diesel –, a reserva de mercado (obrigatoriedade de misturas, proibição de automóveis a diesel), a estrutura de leilões e releilões e as regras para o autoconsumo também demandam novo marco legal.

BOX 2
Referenciais do biodiesel no Brasil
O PNA e o PNPB têm influenciado o desenvolvimento de políticas públicas e pautado trabalhos acadêmicos, além de desencadear ações dos governos estaduais, do setor privado e de instituições de pesquisa. Estes documentos são os marcos das políticas, que se completam pelas ações concretas.

1 Plano Nacional de Agroenergia
Objetivos centrais
O PNA visa organizar e desenvolver proposta de pesquisa, desenvolvimento, inovação e transferência de tecnologia para garantir sustentabilidade e competitividade às cadeias de agroenergia. Estabelece arranjos institucionais para estruturar a pesquisa,o consórcio de agroenergia e a criação da Unidade Embrapa Agroenergia. Indica ações de governo no mercado internacional de biocombustíveis e em outras esferas (BRASIL, 2006, p.7).

Estabelecer marco e rumo para as ações públicas e privadas de geração de conhecimento e de tecnologias que contribuam para a produção sustentável da agricultura de energia e para o uso racional dessa energia renovável. Tem por meta tornar competitivo o agronegócio brasileiro e dar suporte a determinadas políticas públicas, como a inclusão social, a regionalização do desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental (BRASIL, 2006, p. 8).

2 Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel

Objetivo central
Desenvolver e transferir conhecimento e tecnologias que contribuam para a produção sustentável da agricultura de energia e para o uso racional da energia renovável, visando à competitividade do agronegócio brasileiro e dar suporte às políticas públicas (PNPB, Portal do biodiesel).

Fonte: Ipea - Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro - Biocombustíveis no Brasil: Etanol e Biodiesel
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