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2010

Entrevista exclusiva: Arnoldo Campos e Marco Antonio Viana Leite do MDA


Julio Cesar Vedana - BiodieselBR - 11 mar 2010 - 15:15 - Última atualização em: 07 fev 2019 - 12:38

Arnoldo Campos

A BiodieselBR foi recebida no edifício do Incra em Brasília, onde o selo Combustível Social é gerenciado pelo diretor do Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor, Arnoldo Anacleto Campos, e pelo coordenador de Biocombustíveis, Marco Antonio Vianna leite.

Nesta entrevista, realizada com os dois principais nomes do MDA no programa de biodiesel, o assunto principal foi a suspensão do selo de seis usinas na semana passada e o cumprimento das regras de inclusão social pelo setor produtivo.

Por Julio Cesar Vedana

BiodieselBR - As usinas que perderam o selo na semana passada ficarão um ano sem o benefício?
Arnoldo Campos: A medida é suspensão por um ano. A norma é clara nesse sentido e a suspensão vale por um ano.

Antes desse período as empresas podem recuperar o selo?
Arnoldo Campos: Dentro do marco atual não.

BiodieselBR - Como fica o resultado do 17º Leilão de Biodiesel para essas usinas?
Arnoldo Campos: Essa pergunta pode ser mais precisamente respondida pela ANP, mas pelo meu entendimento das regras é imediata a perda dos contratos. Fica inviabilizado o contrato em vigor e, se não foram assinados os novos, nem serão assinados. Então, os contratos desse leilão que acabou de acontecer não poderão ser efetivados. Dentro da medida que foi adotada, a regra é muito clara: a posse do selo é determinante não apenas para concorrer, mas para entregar o biodiesel. Portanto, se durante a vigência do contrato a unidade perdeu o selo, encerra onde estiver. Mas reforço que este é um tema da ANP, eu estou entrando em um assunto deles. Isso é o que eu deduzo com base na resolução da ANP e na própria resolução do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], que vincula a posse do selo ao cumprimento.

 
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BiodieselBR - A suspensão do selo dessas seis usinas refere-se ao não cumprimento das regras do selo em que período?
Arnoldo Campos: A Brasil Ecodiesel é de 2007; a Agrenco e CLV, de 2008.

BiodieselBR - É possível que de 2008 em diante essas usinas tenham começado a cumprir com o selo?
Arnoldo Campos: Não necessariamente. Nós não fizemos a auditoria da Brasil Ecodiesel em 2008 em função dos trâmites do processo de 2007, pois não sabíamos quais usinas da empresa iriam perder [o selo]. Essa semana, por exemplo, nós estamos auditando as duas usinas da Brasil Ecodiesel que ainda possuem o selo. Essa auditoria se refere ao cumprimento do selo em 2008. Se ela não comprovar, pode perder o selo das duas que faltam. Se ela cumprir, deve manter o selo. Infelizmente, a novela da Brasil Ecodiesel ainda não acabou. Ela tem seis usinas, e em quatro ela já perdeu. A auditoria referente às outras duas está em curso, atrasada em função dos processos de 2007. Assim, ela corre o risco de perder o que ainda resta. É uma realidade.

BiodieselBR - Como foi o processo de perda do selo da Ecodiesel?
Arnoldo Campos: A Brasil Ecodiesel é um caso especial. Ela tratou [os seus dados de aquisições] como uma única usina. Os montantes que ela nos apresentou não foram vinculados à usina A ou usina B ou usina C. Nós é que tivemos que fazer as contas aqui e ver, entre o que ela comprou, o que ela conseguia equalizar. Então, do que ela comprou, só conseguiu equalizar duas das seis usinas. Inclusive nós fizemos várias simulações, porque ela poderia ter perdido o selo de cinco usinas e mantido uma de maior produção. Nós tentamos procurar a melhor saída. Inclusive pedimos a indicação por parte da empresa de quais das combinações possíveis ela achava mais conveniente. Mas ela preferiu não responder. O MDA arbitrou, tentando ver qual causaria menor prejuízo respeitando as normas do selo. Agora começa o processo 2008 dessas duas usinas.

BiodieselBR - Por que a Agrenco e a CLV perderam o selo?
Arnoldo Campos: As duas foram pelo mesmo motivo: não cumpriram contratos firmados com a agricultura familiar.

BiodieselBR - As seis suspensões publicadas no Diário Oficial da União informam que as decisões foram tomadas no dia 8 de fevereiro para as usinas da Brasil Ecodiesel e no dia 2 de fevereiro para Agrenco e CLV. Por que elas foram publicadas apenas no dia 5 de março?
Arnoldo Campos: Esse processo fica no gabinete do ministro a partir do momento que sai daqui. Eu sei que existe um prazo, se não me engano de até 30 dias, para que seja publicado no diário oficial.

 
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BiodieselBR - O processo de perda do selo da Brasil Ecodiesel referente ao não-cumprimento em 2007 foi iniciado em 2008. Mantendo-se a mesma relação de tempo para perda do selo da Ecodiesel, as usinas que deixarem de cumprir as regras este ano, só perderão o benefício em 2013, em um processo que vai começar só no ano que vem. O que vocês aprenderam com essa longa tramitação?
Marco Antonio: Nosso passivo se chamava Brasil Ecodiesel. Todas as outras empresas já estão com o ano de 2008 avaliadas, e vamos avaliar o ano de 2009.
Arnoldo Campos: O caso da CLV não é de 2007. É de 2008. A Agrenco também é 2008.
Marco Antonio: O processo da Brasil Ecodiesel envolveu quase mil municípios e uma série de fatores. Mas o ano de 2008 já está avaliado e duas empresas perderam o selo. No ano de 2009 nós estamos capacitando toda a nossa equipe, hoje (09) e amanhã (10), para que todo mundo conheça o selo ? até para dar mais respaldo lá na ponta. Eles vão começar o trabalho a partir da semana que vem com um cronograma de visitas a todas essas empresas para fazer a auditoria. Até julho nós pretendemos que esteja publicada a perda de selo de mais empresas, referente ao ano de 2009.

Arnoldo Campos: Tomara que não.

Marco Antonio: Com essas auditorias, as empresas de uma forma geral mudaram o comportamento.
Arnoldo Campos: Nós reconhecemos uma evolução. Não tínhamos uma estrutura para fazer o acompanhamento e o programa capilarizou muito rápido. De repente, nós estávamos com 32 usinas e nossa estrutura demorou um pouco para acompanhar. Mas hoje, felizmente, nós temos estrutura suficiente.

BiodieselBR - Referente aos dados de inclusão em 2008, há mais usinas passando por processo de suspensão do selo?
Marco Antonio: A avaliação dos dados da Brasil Ecodiesel referentes a 2008, nós vamos fazer agora. Eles têm problemas, estão se mexendo e podem perder o selo de mais usinas. As outras empresas, nós já fizemos tudo.

BiodieselBR - Essa análise dos dados de 2009, que vocês estão iniciando agora, pode fazer com que alguma usina perca o selo antes que o processo das duas usinas restantes da Brasil Ecodiesel, referente a 2008, seja julgado?
Marco Antonio: Não. Nós vamos fazer primeiro o processo da Brasil Ecodiesel e já resolver isso. Para não ficar passivo nenhum.
Arnoldo Campos: Mas nada impede que outros sejam analisados. No caso da CLV, nós já tínhamos o parecer, pois é uma empresa pequena, muito menos espalhada que a Ecodiesel, e ficaria muito chato no mercado publicarmos a perda do selo da CLV antes da Brasil Ecodiesel. O ministério tomou uma decisão prudente, de esperar concluir o processo da Ecodiesel, para publicar os demais juntos. Senão ia parecer que estamos punindo uma empresa pequena mas não punimos uma grande. Foi uma decisão correta do ministério publicar todas conjuntamente. Esse é um sinal para o mercado que é importante para nós: pode demorar, e vai demorar cada vez menos; se a usina quiser arriscar e não cumprir com o selo, pode até usufruir de alguma coisa, mas vai perder o selo.

BiodieselBR - A perda do selo dessas seis usinas deve servir de alerta para outras empresas?
Arnoldo Campos: O sinal mudou. Uma das empresas mais importantes do mercado perdeu uma parcela significativa do mercado e vai tomar um prejuízo muito grande por causa disso. Mas o fato é que a Petrobras já não pode mais retirar o biodiesel dela. Isso representa um prejuízo diário para a empresa.

BiodieselBR - A Ecodiesel informou que vai tentar reverter a decisão na justiça. Como vocês veem essa possibilidade?
Arnoldo Campos: Nós estamos muito seguros com relação às decisões que nós tomamos nesse caso.
Marco Antonio: A situação da Brasil Ecodiesel não foi por falta de avaliação. Estamos tranquilos que não erramos nessa avaliação.
Arnoldo Campos: Muitos dos argumentos que ela apresentou nós acatamos, mas o desempenho dela foi tão abaixo do que seria plausível que não foi possível manter o selo dela.

BiodieselBR - Por que existem usinas que estão paradas há muito tempo e ainda continuam com o selo Combustível Social, como por exemplo a unidade da Granol em Campinas?
Arnoldo Campos: A usina que não produz não está usufruindo do benefício. No caso da Granol de Campinas, tenho que conferir, mas até onde eu sei a unidade não tem um problema de descumprimento de selo. Ela pode estar desativando, mas a suspensão do selo só acontece se as regras do selo não forem cumpridas. Então, se ela não está produzindo, não contratou e não descumpriu. Estar inativa não é motivo suficiente para tirar o selo. Se ela voltar a funcionar, vai ter que voltar a comprar e contratar. Diferente de outros casos, como aconteceu com a CLV, em que a empresa não vendeu nos leilões e não produziu num determinado ano, mas contratou agricultores familiares. Isso implica uma obrigação. Se a usina não vendeu no leilão, não pode pensar que agora não precisa mais cumprir os contratos; isso não existe. Na medida em que você firmou os contratos, tem que cumpri-los.

 
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BiodieselBR - Mas e se uma dessas usinas paradas, que ainda possui o selo, decidir participar do próximo leilão de biodiesel no lote destinado às unidades com selo e não firmar nenhum contrato com a agricultura familiar? Considerando os dois anos que levou para a Brasil Ecodiesel perder o selo, essa usina parada poderia entregar todo o biodiesel desse leilão antes que saísse a sua suspensão?

Arnoldo Campos: As usinas têm que prestar contas para nós trimestralmente e nós fazemos a visita de campo uma vez por ano, sempre olhando o ano anterior. Agora, em 2010, vamos fazer auditoria em relação a 2009. Então, pode acontecer, sim, de uma empresa estar irregular e nós ainda não termos identificado a irregularidade. Pode acontecer. Até que a auditoria ocorra, a usina pode estar irregular, mas ainda não foi captada a irregularidade. Ou seja, a usina pode estar usufruindo da cota de 80% e não cumprindo, mas quando nós pegarmos, ela perde imediatamente o benefício.

BiodieselBR - Para uma usina manter o selo, ela não precisa efetivamente produzir biodiesel com matéria-prima da agricultura familiar, mas assinar os contratos com eles?
Arnoldo Campos: Não é apenas assinar os contratos. A usina precisa contratar e comprar a produção. É possível comprar essa matéria-prima e não utilizar na produção de biodiesel. As usinas hoje compram mamona, compram canola, compram dendê, e não necessariamente utilizam na fabricação [de biodiesel]. No caso do dendê, se utiliza um resíduo do processo industrial e nesse caso se valora a matéria-prima a partir dos dados de produção da ANP e dos dados fornecidos pela empresa. Se a empresa gastou, por exemplo, 1 milhão de reais para fazer o seu biodiesel no ano, de janeiro a dezembro, a usina tem que comprovar as aquisições. Se for no Centro-Oeste, de 100 mil reais; se for no Sul, Sudeste e Nordeste, tem que comprovar R$ 300 mil. E aí tem os abatimentos, os coeficientes, assistência técnica. A usina tem que desempenhar aquisições. Não adianta só contratar.

BiodieselBR - Com essa necessidade de adquirir a matéria-prima da agricultura familiar para manter o selo, por que a curva da produção de biodiesel vem crescendo ano a ano e o número de famílias no programa não acompanha?

Arnoldo Campos: O número de agricultores familiares não, mas o valor das aquisições cresceu bastante. E nós tivemos a Brasil Ecodiesel, que produziu mas não desempenhou. Ela está contribuindo para essa curva, assim como a CLV, em alguma medida, e outras empresas que produziram biodiesel mas não compraram da agricultura familiar. Aí há realmente um buraco. A Brasil Ecodiesel causou um buraco no programa em 2007 e também em 2008. Menor, mas causou um buraco, e isso está em uma das origens dessa sua avaliação. Por outro lado, tem um movimento que ocorreu, em que as empresas investiram cada vez mais em agricultores familiares mais estruturados. O correu uma migração para os agricultores familiares produtores de soja. Então tivemos um agricultor familiar com 40 hectares de soja que substituiu 15, 20, 50 agricultores do Semiárido, que produziam em dois hectares cada um com produtividade baixíssima. Essa migração potencializou a diminuição do número de famílias.

Mas essa curva em 2009 já reverteu e passamos de 60 mil famílias envolvidas. Agora em 2010 nós acreditamos que vai chegar perto de 80 e talvez 100 mil famílias. Portanto, nós tivemos alguns problemas com algumas empresas, em particular com a Brasil Ecodiesel, mas já estamos superando essa crise chamada Brasil Ecodiesel na área social ? em grande parte por conta da Petrobras Biocombustível, que substituiu a Ecodiesel no Nordeste, com outro papel, outra qualidade de arranjo produtivo e outra velocidade também.

BiodieselBR - Eu tenho ouvido de pessoas ligadas à agricultura familiar rumores de que algumas usinas propõem para determinadas cooperativas pagar um determinado valor apenas para que estas assinem o contrato exigido para comprovação do selo. O MDA já lidou com esse tipo de situação?

Marco Antonio: Nós não temos conhecimento disso. Se você sabe que essas situações estão acontecendo, é fundamental que ajude a gente a descobrir.
Arnoldo Campos: Mas é importante frisar que além dos contratos é preciso comprar a matéria-prima e comprovar. A usina tem que nos mandar informações referentes ao número da nota fiscal que ele utilizou para pagar aquele produtor. O Clodoaldo [Brandão de Moraes, consultor em biodiesel do MDA], que fez a maioria das auditorias, foi na contabilidade das empresas checar as informações. E isso é feito uma vez por ano. Trimestralmente a usina tem que nos mandar essas informações e as fontes têm que bater. Nós checamos se houve contratos, se eles foram cumpridos e se o volume desembolsado de recursos foi coerente.
Marco Antonio: A usina nos fornece, no software fornecido pelo MDA, o nome do agricultor, município, nº da DAP, um documento que o identifique como agricultor familiar e quanto ele vendeu. Vamos supor que a usina informou a inclusão de 10 mil agricultores. Desses, nós pegamos cerca de 30 agricultores aleatoriamente. Por exemplo, um desses agricultores é o José da Silva do município de Arinos. Nosso consultor vai lá no município, faz uma visita para confirmar se realmente a empresa comprou esse valor do agricultor, se a empresa forneceu assistência técnica, se o contrato foi assinado com a participação do sindicato, se foi assinado por ele mesmo...

 
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BiodieselBR - Essa checagem é feita com que frequência?

Arnoldo Campos: A auditoria é uma vez por ano, mas nós temos uma equipe permanente. São 65 pessoas do MDA para ajudar a organizar o arranjo produtivo. Elas atuam em 52 pólos. Nós temos a informação de quantos agricultores estão contratados em determinado pólo de produção, até mesmo para contrapor com a informação que a empresa nos fornece.

BiodieselBR - Como temos 26 usinas com selo, significa que temos dois profissionais para cada usina?

Marco Antonio: A lógica não é essa. Nós temos pólos de produção baseados na concentração da produção de biodiesel. A integrante do MDA não está lá a serviço da usina, está a serviço do agricultor familiar.
Arnoldo Campos: Dentro de cada pólo, nós trabalhamos na organização da base produtiva, monitorando o calendário agrícola, ajudando as empresas e a comunidade a fazer o planejamento. Nas regiões mais complexas, como o Nordeste, nós avisamos, por exemplo: ?Petrobras, a  semente ainda não chegou?, ?O zoneamento tem uma janela de 30 dias; se não chegar em dez dias, vai ter problema?, ?O crédito não está saindo?...

BiodieselBR - Mas se o acompanhamento é tão próximo assim e as informações são repassadas com essa rapidez, vocês deveriam ter condições de verificar se uma determinada usina não está cumprindo o selo com incrível facilidade. Então por que uma usina como a Ecodiesel levou mais de dois anos para perder o selo?

Arnoldo Campos: Em 2007 nós não tínhamos tudo isso que nós temos agora. Em 2007 o programa ainda nem era obrigatório. Nós estávamos aprendendo a fazer as coisas e no caso da Brasil Ecodiesel aconteceu uma complexidade muito grande, ela espalhou sua base de suprimentos de uma forma absurda. Nós inclusive alertávamos a empresa: ?Não tem como viabilizar uma logística desse jeito?. E depois ela veio com um milhão de justificativas para o não desempenho dela. Ela nos dizia: ?Município tal teve seca?, ?No outro município, nós fizemos um acordo com o sindicato que eu não iria mais comprar porque o mercado estava pagando muito mais do que eu podia?. Então nós tínhamos que ir aos municípios um por um. Para verificarmos a justificativa de seca, tínhamos que procurar no agritempo, que nos informa sobre a questão do seguro climático. E fomos consultando um por um para ver se naquele período realmente teve a seca e por isso ela não havia conseguido comprar. Uma parte da equalização veio de aceitarmos ou não aceitarmos as justificativas da empresa.

BiodieselBR - Agora já estamos em 2010 e com o B5. Com esse acompanhamento tão próximo feito através dos pólos de produção, nenhuma usina perdeu o selo. Quer dizer que todas elas estão cumprindo as regras? E através desse sistema de acompanhamento, vocês conseguem diferenciar e identificar empresas que investem pesado na agricultura familiar, como a Petrobras Biocombustíveis, de empresas que não se preocupam tanto em cumprir as regras?

Arnoldo Campos: Nós percebemos isso claramente. Tem empresas que cumprem bem além do mínimo necessário e estão avançando, já possuem saldo de percentual. Mas tem empresas que ficam perto de cumprir as regras, outras que ficam um pouco atrás e outras muito atrás. Cada caso é um caso. Uma coisa é uma usina que tinha que fazer 30% e fez 29%. Nós notificamos que ela fez 29%, ela justifica um problema que teve, ou climático ou de dificuldade; enfim, nós ponderamos o seu resultado e aceitamos eventualmente a justificativa. Mas quando temos uma empresa com muita distância, como foram essas que perderam e abrimos um processo, notificamos, esperamos o prazo que a usina tem para se defender, analisamos a defesa, emitimos um parecer, novamente temos que dar um prazo para a empresa se defender, daí o processo vai correndo até que conseguimos comprovar efetivamente se ela cumpriu ou não cumpriu.

BiodieselBR - Então, se uma usina que deveria incluir 30% incluiu apenas 25%, mas prometeu que no ano que vem incluiria 35%, ela permanece com o selo?

Marco Antonio: Veja bem. Nós trabalhamos com área agrícola e os resultados são variáveis. Nossa equipe avalia o planejamento da empresa e se verificarmos que ele é plausível nós concedemos o selo. Mas se veio uma seca tremenda ou uma praga, isso tem que ser considerado. A empresa informa para nós que fez fomento, fez assistência técnica, fez contrato, mas a cooperativa recebeu mais de outro lugar e abandonou o contrato. Nós não podemos ficar presos nos 30%. Não é 30% porque nós trabalhamos com processo agrícola.

BiodieselBR - Então, se a usina não cumpriu o selo por um problema alheio à sua responsabilidade, ela permanece com o benefício?

Arnoldo Campos: Nesse caso ela pode se eximir, mas não necessariamente.
Marco Antonio: Nós avaliamos o selo em três critérios: assistência técnica, que envolve transferência de tecnologia e acompanhamento; os contratos, com cláusulas mínimas, preço mínimo, e tem que ter a participação dos agricultores organizados na forma de sindicato; e por fim o percentual ? 30%, 10% ? que a usina tem que cumprir. Mas por estarmos lidando com essa esfera biológica, temos que ter sensibilidade.

BiodieselBR - Como funciona a questão do bônus exigido pelas federações para assinar contratos com as usinas?
Marco Antonio: Sobre essa questão, nós inclusive estamos tentando, lá na região Sul, disciplinar isso. O agricultor pensa: ?Por que eu vou travar minha venda ? pois o contrato com a usina obriga isso ? se eu posso ter a liberdade de vender no mercado? O que vou ganhar com isso?? Daí surgiu a cultura do bônus. Para travar a venda, o agricultor buscou esse plus.
Arnoldo Campos: Mas esse bônus não é para a federação. Aliás, se o bônus for para a federação é desvio de conduta. Esse bônus vai para dentro do contrato, que vai para o agricultor ou cooperativa.
Marco Antonio: Por exemplo, eu vendi mil sacos de soja e recebi um real a mais por saco, pois eu fiz o contrato antecipado. A empresa paga o agricultor e a federação ajuda nessa negociação, defendendo o agricultor com o objetivo de fazer o melhor negócio. A federação nem pode receber por isso.
Arnoldo Campos: Já a cooperativa, que possui os técnicos e presta assistência técnica, pode ser contratada pela usina e recebe um percentual referente a esse serviço de assistência técnica.

BiodieselBR - Nós ouvimos que é prática comum a federação falar para a usina que só vai assinar contratos se tiver o bônus. E usinas reclamam dessa exigência do bônus.

Arnoldo Campos: Essa é uma negociação livre entre as partes.

BiodieselBR - Outra reclamação frequente das usinas diz respeito ao elevado gasto financeiro com o selo e o pequeno benefício. Essa reclamação procede?

Arnoldo Campos: Empresário que não reclama de custo não é empresário. Então ele vai reclamar que a matéria-prima está cara e que o mercado está pagando pouco pelo biodiesel. Quem pode mais reclamar desse custo [do selo] é a Petrobras Biocombustíveis, que atua no Nordeste, onde tem menor produtividade. É uma região que produz menos e gasta mais. Por isso nós damos mais vantagem para essa região. Quando a usina compra mamona, é contabilizado para o selo o dobro, 50% a mais; o mesmo para a assistência técnica.

BiodieselBR - O que vocês estudam de mudança na normativa do selo?

Arnoldo Campos: O que nós precisamos aperfeiçoar é a política tributária. E isso nós estamos discutindo dentro do governo. Porque hoje o maior benefício que a usina tem com o selo é participar de uma cota de 80% do mercado. Portanto, o custo a mais que uma usina tem com o selo é compartilhado entre todas as usinas que concorrem com ela nesse lote maior. A não ser aqueles que não cumprem com o selo. E quando nós pudermos corrigir essa questão da política fiscal, vamos poder descontar Pis e Cofins da usina que compra girassol, canola, mamona e dendê e não necessariamente utiliza na produção de biodiesel. Porque hoje só consegue descontar esses impostos quem compra soja da agricultura familiar.

BiodieselBR - Existe alguma perspectiva de inclusão do óleo de cozinha nos benefícios do selo?

Arnoldo Campos: Tem que perguntar para o MME. O MDA não trabalha com óleo de cozinha.

BiodieselBR - Mas, por exemplo, se o Ministério das Cidades entrar com essa responsabilidade, deverá se integrar com vocês. Porque o volume que uma usina adquirir de uma cooperativa de catadores deverá se somar com as aquisições da matéria-prima, controladas pelo MDA.

Arnoldo Campos: Nós somos favoráveis à inclusão dessa matéria-prima, mas o MDA não vai assumir responsabilidade nenhuma pelo óleo de cozinha. Não é o nosso papel cuidar do óleo de cozinha. É necessário ter alguém dentro do governo para fiscalizar e auditar para saber se a empresa está efetivamente utilizando o óleo de cozinha, como nós fazemos com a agricultura familiar.

BiodieselBR - De 2009 para cá, eu percebi nos discursos de integrantes do governo que se fala muito menos dos aspectos sociais do biodiesel. A inclusão social deixou de ser a prioridade número um?

Arnoldo Campos: Nunca senti nenhum retrocesso nesse sentido. A prioridade é fortalecer o selo. Hoje de manhã, na reunião [da comissão executiva interministerial], a medida [de suspensão do selo de seis usinas] foi comemorada, porque isso vai fortalecer a política de inclusão social, vai dar mais credibilidade.
Marco Antonio: Não se fala tanto nessa questão da agricultura familiar nesse momento porque ela passou por maus momentos e hoje já está em uma situação de melhora.

BiodieselBR - Vocês sofrem algum tipo de pressão por parte de outros segmentos do governo, seja pressão positiva, visando estimular, ou negativa, como uma pressão política para evitar que determinada usina perca o selo?

Arnoldo Campos: Pressão política desfavorável por parte do governo não temos nenhuma. Mas essa pressão positiva nós recebemos sempre. Nós somos chamados a prestar contas na mesa do presidente da República, da ministra-chefe da Casa Civil, e temos que explicar, e explicar muito, por que o desempenho caiu e o que estamos fazendo para melhorar.

BiodieselBR - Como vocês estão trabalhando os dados da agricultura familiar?

Marco Antonio: Nós estamos fazendo um relatório de avaliação do programa e nele teremos os dados de 2007, 2008 e 2009, e perspectivas para 2010. Esperamos concluir esse relatório em abril, que vai tratar exclusivamente da inclusão social no programa de biodiesel. Nesse relatório estarão disponíveis muitas informações e a partir dele vamos ter relatórios anuais.

Julio Cesar Vedana - BiodieselBR.com