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Luiz Pereira Ramos

Nordbrandenburger: um exemplo de eficiência na arte de produção de biodiesel


Luiz Pereira Ramos - 23 jun 2006 - 06:32 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

Ainda muito recentemente, tivemos a oportunidade de participar, a convite dos organizadores, de uma reunião científica realizada pela IEA Bioenergy em Potsdam, Alemanha (12 a 14 de junho), através de sua força-tarefa sobre biocombustíveis (Task 39, sub-grupo de biodiesel). A reunião, intitulada “Biodiesel in Germany: a Story of Success”, teve um programa científico da maior qualidade, o que nos motiva a agradecer publicamente não só o financiamento parcial que nos foi concedido, como também o honroso convite para proferirmos uma palestra sobre o estado da arte do biodiesel no Brasil.

Uma das atividades mais interessantes do encontro foi uma visita à Nordbrandenburger, uma unidade de produção de ésteres metílicos, com capacidade de 150.000 ton/ano, que opera basicamente com óleo bruto de colza durante o inverno e com 25% de óleo bruto de soja em óleo bruto de colza durante o verão. O óleo bruto de colza é adquirido a € 660/ton no mercado alemão (cerca de 65% do total), enquanto que o óleo de soja é adquirido no mercado internacional. Devido a sua operação com metanol, a planta industrial é dividida em duas partes, uma protegida contra explosão, onde se encontram todas as operações que envolvem o contato direto com o metanol, e outra desprovida deste tipo de medida de segurança, onde ocorrem principalmente as etapas de degomagem do óleo bruto e de destilação da glicerina. Trata-se de uma unidade moderna, totalmente automatizada, cujo investimento total correspondeu a € 30-40 milhões. Destes, o Estado, através de suas políticas de incentivo, contribuiu com a parcela bastante significativa de aproximadamente € 15 milhões.

A tecnologia de produção é própria e baseada em catálise homogênea executada em três estágios consecutivos, tendo NaOH como catalisador. A planta possui uma unidade de degomagem, baseada em neutralização com ácido fosfórico seguida de centrifugação em dois separadores contínuos (Westphalia) em série, cujo produto apresenta teores de fósforo inferiores a 10 ppm. A borra é vendida localmente para unidades de produção de biogás, cuja operação está associada à geração de energia elétrica e produção de adubo para a agricultura local. O óleo degomado é transesterificado em três etapas consecutivas, empregando reatores verticais em regime contínuo. A glicerina bruta, que é continuamente separada na base dos reatores, recebe parte da água reciclada no processo e segue para um novo separador contínuo, onde perdas parciais em éster são recuperadas. Nesta etapa, a água de lavagem é também separada para ser reciclada no processo e a glicerina, já parcialmente purificada, é direcionada para o tratamento químico que antecede a sua destilação. A glicerina é, portanto, produzida em grau farmacêutico e representa a principal receita das atividades industriais da empresa (veja abaixo). A neutralização dos ésteres metílicos é realizada pela adição de ácido clorídrico, que também é empregado na neutralização e/ou tratamento da glicerina. Segundo informações, o único rejeito produzido na unidade é a borra do processo de destilação da glicerina, que contém principalmente NaCl e materiais orgânicos oriundos do processo. Este resíduo aparentemente corresponde a apenas 0,01% do volume total de óleo processado na unidade.Nordbranderburger Biodiesel

Os ésteres metílicos resultantes do terceiro estágio de transesterificação, após neutralização, são então secos sob vácuo em reator de leito fixo e armazenados em tanques, de onde são transportados via férrea para a refinaria que, estrategicamente, se encontra localizada a apenas dois quilômetros da unidade. O biodiesel assim produzido é vendido a € 0,66-0,70 o litro para ser misturado em níveis de 5% (B5) ao diesel de petróleo, ou para uso direto como B100, onde apresenta a sua maior lucratividade. O engenheiro responsável pela visita comentou que a planta tem sobrevivido principalmente do mercado da glicerina (grau farmacêutico), cuja lucratividade é bastante razoável a € 300/ton. No entanto, há apenas seis meses, quando a unidade iniciou as suas atividades, a lucratividade com base na glicerina era muito maior (€ 1200/ton) e, hoje, a margem total de lucro está bastante comprometida pelas novas tendências do mercado. Comparando o preço do óleo bruto de colza no mercado alemão, com o preço de venda do biodiesel citado acima, fica evidente que a margem de lucro dos negócios firmados em biodiesel é realmente muito pequena e que a viabilidade das atividades da empresa depende muito do aproveitamento dos co-produtos.

Um laboratório especializado controla todas as operações da empresa a partir de equipamentos modernos, que incluem três cromatógrafos de fase gasosa (um com detecção de massas), um analisador elementar, um titulador Carl-Fischer automático, um Rancimat, um sistema de análise de ponto de fulgor e um sistema de determinação de propriedades de fluxo (ponto de névoa, ponto de fluidez e CFPP), dentre outros, compondo um investimento que estimamos em não menos que US$ 500 mil. A empresa é acreditada pelo sistema de qualidade AUQM para o biodiesel e tem o seu próprio sistema de qualidade para a glicerina. Amostras de ésteres são armazenadas em condições ideais por um período de três meses, enquanto que amostras de glicerina requerem armazenamento de pelo menos um ano em função da dinâmica do mercado farmacêutico.

Do laboratório, surgiram algumas informações interessantes: (a) o éster metílico de colza (não aditivado) apresenta um período de indução de 7 a 8 horas através do método Rancimat; (b) o uso de óleo de soja no verão não modifica profundamente esta propriedade, o que realmente nos surpreende em função de seu alto teor de ácido linolênico; (c) aditivos para a correção das propriedades de fluxo são empregados ao nível de 1 a 2% em relação à massa de éster; (d) interessantemente, a adição de óleo de soja nos níveis citados também não altera esta propriedade; e (e) os ésteres comercializados não são normalmente aditivados, a não ser que mediante solicitação direta do cliente. Finalmente, é interessante observar que as vendas de B100 correspondem a 55-60% das operações comerciais da empresa, e que se o mercado de B100 for desestimulado pela nova legislação tributária da Comunidade Européia (que se encontra atualmente em análise), a empresa terá maiores dificuldades de se manter economicamente viável. Interessantemente, nenhuma outra aplicação estratégica dos ésteres foi mencionada que não aquela inerente ao seu uso direto como combustível diesel.

Digno de menção é o fato de que, apesar de suas grandes proporções, esta unidade de produção emprega apenas quarenta pessoas, sendo que a sala de controle, toda automatizada, é controlada por apenas três funcionários em quatro turnos por dia, mais um engenheiro que constantemente monitora o comportamento dos equipamentos.

Nestes últimos anos, muitos políticos, pesquisadores e empresários brasileiros têm visitado unidades de produção de biodiesel na Europa, particularmente na Alemanha. A oportunidade aqui relatada foi possível através de um convite que nos foi formulado pela IEA Bioenergy Task 39, que financiou parcialmente a viagem. O uso do grant do CNPq para custear a estadia também foi de extrema importância, o que somente reitera a sua relevância estratégica como alternativa para manter as atividades (e mobilidade) de seus bolsistas de produtividade em pesquisa. Outros artigos sobre este evento ainda deverão ser divulgados oportunamente nesta mesma coluna, abordando aspectos importantes do estado-da-arte do biodiesel no mercado comum europeu.

Luiz Pereira Ramos, é colunista do site BiodieselBR, Bacharel e Licenciado em Química (1982) e Mestre em Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (1986), obteve o grau de Ph.D. sob a supervisão do Prof. Dr. J. N. Saddler na Universidade de Ottawa, Canadá, em 1992. Saiba mais sobre o autor.