RenovaBio, uma má ideia
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei (PL) 9.086/2017, do deputado Evandro Gussi (PV-SP), também conhecido por programa RenovaBio. Trata-se de esforço parlamentar de estimulo à indústria de etanol.
O PL cria o CBio, crédito de descarbonização, título financeiro emitido pelo produtor do biocombustível de acordo com o volume vendido aos distribuidores. O CBio será vendido na Bolsa de Valores, gerando renda ao produtor do biocombustível adicional à receita obtida na venda do seu produto.
A demanda pelo CBio será garantida, pois a regulação obrigará os distribuidores de biocombustíveis a comprar os títulos na proporção da quantidade de combustíveis fósseis que comercializaram no ano anterior.
Essa obrigatoriedade elevará o custo dos distribuidores, que repassarão essa alta para seus produtos, seja gasolina, seja etanol. O preço de ambos os combustíveis aumentará.
Adicionalmente, com o objetivo de reduzir seus gastos com CBios, a demanda do distribuidor por combustível fóssil se reduzirá.
No frigir dos ovos, o preço dos combustíveis subirá e a participação de biocombustíveis na matriz brasileira elevar-se-á.
Esse resultado é exatamente o produzido pela Cide nos combustíveis fósseis. O preço da gasolina sobe, pois o distribuidor repassa ao consumidor a elevação do imposto. A maior parte da frota brasileira é de veículos flex.
Devido à diferença de consumo entre os dois combustíveis, há uma relação estável entre o preço da gasolina e do etanol: o litro de etanol custa aproximadamente 70% do litro da gasolina.
Logo, o aumento da alíquota da Cide sobre a gasolina eleva também o preço do etanol e a rentabilidade do setor e, portanto, estimula o aumento da produção de biocombustível.
A Cide é um substituto perfeito ao programa RenovaBio, com duas vantagens importantes.
A primeira é que, com o programa RenovaBio, o setor de etanol ganha duas vezes, com a renda dos títulos e com a elevação do preço do álcool. Por ser a Cide um imposto, o ganho de receita vai para o setor público, contribuindo para o ajuste fiscal. O ganho do setor produtor de etanol é indireto, fruto do aumento do preço. Tanto a Cide quanto o CBio têm impacto inflacionário, mas a Cide mitiga o seu impacto ao ajudar a diminuir o deficit público.
Em segundo lugar, o programa RenovaBio tem elevado custo de execução: os produtores terão que contratar firmas certificadoras do impacto ambiental de seus produtos, será preciso criar plataforma de negociação dos CBios em Bolsa de Valores, a burocracia pública de fiscalização terá que ser ampliada, haverá custo judicial de contestação de multas pelas distribuidoras. A Cide depende apenas da edição de um decreto e funciona sem gerar custos adicionais.
Se o RenovaBio não tiver os efeitos esperados, haverá pressão política para mantê-lo. Há inúmeros exemplos desse tipo de efeito no Brasil, como a política de desoneração da folha, as políticas de conteúdo local e os incentivos fiscais setoriais. Todas essas políticas têm em comum com o RenovaBio o fato de promoverem transferência de renda para setores organizados, capazes de exercer pressão política a favor de seus interesses, mesmo que avaliação posterior indique que os efeitos econômicos e sociais das políticas não compensam seus custos.
Penso, portanto, que o Congresso Nacional deveria arquivar o projeto do RenovaBio e propor ao Executivo a elevação da alíquota da Cide para combustíveis fósseis.
Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.