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Biodiesel interiorano: tão longe, tão perto


Edição de Out / Nov 2012 - 30 out 2012 - 17:46 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 10:39
materia biodiesel interiorano
Distância entre os pontos de produção e de consumo do diesel encarecem o combustível e poderiam ser uma oportunidade de mercado para o biodiesel. Mas alterar o percentual de biocombustível nessas regiões não é tão simples assim

Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

Pode parecer estranho, mas o Brasil gasta muito óleo diesel para transportar óleo diesel. Isso porque o país tem pouco mais de 7 mil quilômetros de litoral e concentra quase toda a produção, importação e beneficiamento de petróleo nessa região. No entanto, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o país tem que fazer um enorme esforço logístico para abastecer os centros urbanos e polos de consumo de diesel em seu interior, que muitas vezes ficam a milhares de quilômetros do ponto de abastecimento mais próximo.

A concentração da produção de diesel no litoral fica evidente se observarmos o mapa de refinarias da Petrobras. Das dez unidades em operação no país hoje, apenas duas estão em estados sem litoral: a Refinaria Isaac Sabbá, em Manaus, e a Refinaria Gabriel Passos, em Betim, Minas Gerais. O resultado disso é uma evidente distorção de preços, com regiões que precisam importar o diesel que consomem pagando valores até 23% superiores à média nacional, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), o país conta com uma estrutura de transporte de combustíveis que não se limita ao modal rodoviário. “No Brasil, cerca de 25% do volume de diesel é movimentado fora dos terminais primários, que são supridos por duto e cabotagem pela Petrobras às distribuidoras”, explica Luciano Libório, diretor de abastecimento e regulamentação da entidade.

O custo da logística dos combustíveis varia, aponta Libório, “em função desses modais, sendo o mais em conta o dutocabotagem, seguido por balsa, ferrovia e rodovia”. Para o Sindicato das Distribuidoras Regionais Brasileiras de Combustíveis (Brasilcom), apesar das diferenças, o país tem boas condições de transporte de combustíveis. “A logística hoje é extremamente ajustada. Por exemplo, transportadores levam o diesel de petróleo para o Mato Grosso e de lá retornam com etanol ou biodiesel, o que dilui os custos de frete. Transportam produto na ida e no retorno. Se o mesmo passar a ser feito com produto apenas em uma etapa, certamente encarecerá o produto”, explica Ricardo Menezes, diretor institucional da instituição.

Carestia

Mesmo que a situação não seja das piores, persiste o fato do mapa de preços do diesel (os dados são de agosto de 2012) mostrar justamente um aumento nas médias de valores quando se olha para o interior do país. Com esse desenho em mente, alguns produtores de biodiesel e entidades representativas do setor descobriram o que pode ser uma grande oportunidade para o mercado e para o país. É que, por coincidência, algumas das regiões que estão distantes das refinarias, estão perto de outra fonte de combustível: grandes plantações de oleaginosas.

Não por acaso, foi justamente a fartura de matéria-prima bem à mão que atraiu inúmeras indústrias de biodiesel para esses locais – como, por exemplo, o Mato Grosso. Então por que não reduzir a quantidade de diesel mineral trazido de longe aumentando a quantidade de biocom-bustível produzido localmente nessas regiões? É isso que estão propondo algumas entidades, como o Sindicato das Indústrias de Biodiesel do Mato Grosso (Sindibio-MT). “Essa é uma ideia que estamos levantando para que o setor possa discutir”, explica o secretário do Sindibio-MT e diretor da Bio Óleo, Rodrigo Guerra. A proposta vem sendo chamada de Biodiesel Interiorano.

A entidade está realizando estudos para verificar a viabilidade e o impacto de um aumento no teor de biodiesel no diesel em regiões selecionadas. Por enquanto, adianta Guerra, não há uma avaliação definitiva do projeto, “mas o que temos em mente é o bem comum, uma vez que se a ideia for viável ela será benéfica tanto para a indústria, que aumentará sua participação no mercado regional, quanto para o meio ambiente e a população”.

Os primeiros dados da análise do Sindibio-MT apontam que há um deslocamento significativo de caminhões para transporte de diesel para o Mato Grosso. A entidade informa que em 2010 foram 26,3 mil viagens de caminhão, de acordo com dados estimados com base em informações da ANP. Em 2011 esse total subiu para 27,2 mil, e nas contas do sindicato em 2012 serão 31,3 mil. Esse deslocamento representa gasto de diesel e emissão de gases poluentes na atmosfera. Para a instituição, a ampliação do uso do biodiesel colaboraria com a redução desses números.

O alto custo do transporte de diesel para a região é resultado douso prioritário de rodovias. Mesmo que atendida por ferrovia em fluxos mais regulares em Campo Grande e Alto Taquari (MT), e em volumes menores em Goiânia e Brasília, a região tem um volume de atendimento rodoviário maior, segundo o Sindicom. Os percursos rodoviários são longos, já que boa parte do diesel vem de Paulínia (SP), São Paulo ou Minas. “Percursos maiores e em rodovias trazem os maiores custos logísticos de transporte.” A explicação é de Luciano Libório, diretor de Abastecimento e Regulamentação da entidade.

Para a indústria, o aumento do teor de biodiesel no combustível fóssil representaria uma ampliação significativa do mercado consumidor. Hoje, aponta o Sindibio-MT, as usinas do estado produzem apenas 31% da capacidade instalada. Com a evolução do diesel do B5 para o B10, avalia o sindicato, as usinas não teriam problemas em facilmente atender a demanda sem chegar ao limite de sua capacidade de produção.

No Norte do país, a logística de transporte do diesel é diferente, segundo o Sindicom. A região é quase toda abastecida por cabotagem ou balsa, exceto o estado de Tocantins, que recebe produto do Maranhão, Pará, Goiás e Bahia por via rodoviária”, informa Libório, acrescentando que essa situação deverá se manter inalterada até que a Ferrovia Norte-Sul e outras obras de infraestrutura a modifiquem. No entanto, o Sindibio-MT defende que a região também poderia ser beneficiada pelo aumento do teor de biodiesel.
grafico oleo diesel
Fonte: ANP



grafico preco diesel

Fonte: ANP * Leilões 25 e 26

Preço

Um dos aspectos que precisam ser estudados antes de sair correndo para aumentar o teor de biodiesel nos tanques de combustível da região Centro-Oeste brasileira é o preço, tanto do diesel, quanto do biodiesel. Os dados mensais de preços da ANP mostram que quem mora no Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Roraima paga pelo menos 5% a mais que a média de preço do litro do diesel praticado no restante do país.

Mas o biodiesel também tem seus problemas nessa área. No último leilão, em setembro de 2012, o combustível foi negociado a um preço médio de R$ 2,73 o litro no país. Na região Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás), as usinas locais negociaram seus lotes a um preço médio de R$ 2,71 o litro. Esses valores são superiores aos maiores valores praticados na venda do diesel pelas distribuidoras na região, que fica entre R$ 1,905 (em Goiás) e R$ 2,147 (no Mato Grosso).

Dados preliminares do Sindibio- MT, no entanto, apontam que as usinas do estado poderiam ofertar biodiesel a preços mais competitivos caso a demanda aumentasse. Segundo a instituição, as usinas já negociaram biodiesel a R$ 1,98, o que o tornaria uma alternativa viável ao diesel sem provocar aumento no valor final do produto na bomba.

Contudo, para as distribuidoras a comparação de preços deve ser feita na hora em que ela compra o combustível e não quando o posto revendedor vende. Hoje o preço do diesel para a distribuidora está em cerca de R$ 1,44 por litro. Em uma comparação com o biodiesel produzido no Mato Grosso, seria necessário ainda adicionar o frete do diesel até o Estado.

Para o diretor de postos de rodovia da Federação Nacional de Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Ricardo Hashimoto, a questão do preço é muito mais complexa. “O mercado de combustíveis é um mercado agressivo que comercializa um volume grande de produto com ganhos de centavos por litro. Toda vez que há uma diferenciação [de preço], isso serve de alavanca para práticas predatórias de mercado”, alerta.

Hashimoto aponta comoexemplo postos de rodovia que estejam próximos a fronteiras, onde costuma haver prática de preço diferenciado. “Isso já aconteceu no passado, quando os estados passaram a praticar alíquotas diferenciadas de ICMS e causou um aumento indesejado nos preços”, lembra.

As distribuidoras também não veem com bons olhos uma mudança na política de percentual de biodiesel sem que exista negociação com o setor e tempo para adaptação. “Há um investimento para o B5 em todo o país que incluiu gastos com tanques, caminhões e logística para transporte e mistura do biodiesel no diesel. Alterar o percentual mexe com essa estrutura”, destaca.

grafico leilao

Fonte: ANP * Leilões 25 e 26

Brecha na lei

Mas quem pensa que uma proposta como essa depende necessariamente de mudanças estruturais na legislação que regulamenta o programa de biodiesel pode se surpreender. A possibilidade de uso de maiores teores já existe. Quem alerta é a própria ANP: “A legislação atual permite o uso biodiesel em óleo diesel com teores superiores a 5%, para atendimento de frotas cativas bem como de equipamentos de fontes fixas. Este uso, entretanto, deve ser previamente autorizado pela ANP. As regras previstas para a concessão de autorização constam nas Resoluções ANP n° 18/2007 e n° 2/2008”.

Na prática isso significa que, se for interessante para o consumidor, ele mesmo poderá solicitar autorização para usar biodiesel em frotas comerciais, independentemente da região na qual atue. “Como o biodiesel é um sucedâneo do óleo diesel e no Brasil o mesmo não é utilizado em veículos leves, mas quase que exclusivamente em veículos pesados, os regulamentos citados podem atender à demanda de frotas de empresas e cooperativas do estado do Mato Grosso que tenham interesse em utilizar teores acima do fixado na legislação vigente”, completa a agência em comunicado enviado pela assessoria de imprensa.

A ANP informou que não vê numa proposta como essa um desafio à estrutura de fiscalização do órgão. “A ANP possui laboratórios contratados, prontos a atender todas as unidades da federação. A determinação do teor de biodiesel faz parte do nosso Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) e permite à ANP monitorar, bem como subsidiar, as ações de fiscalização com relação às amostras de combustível coletadas por todo o país”. Toda essa estrutura, defende a instituição, daria conta de fiscalizar o uso de novos teores de biodiesel em qualquer região do país, reforça o comunicado.

Esta opinião não é unanimidade. “Abrir espaço para que sejam praticados percentuais de mistura diferentes em determinadas regiões, em nosso entendimento, abre espaço em primeiro lugar para maior ocorrência de não conformidades, tanto é que hoje as autorizações pontuais concedidas pela ANP para que isso seja feito preveem um rigoroso acompanhamento de qualidade, o que, no caso, seria complicado de implantar”, opina Ricardo Menezes, diretor institucional do Sindicato das Distribuidoras Regionais Brasileiras de Combustíveis (Brasilcom).

O governo dá sinais de gostar da ideia. Em apresentações do novo marco regulatório do setor, membros da Casa Civil indicam que a possibilidade de percentuais de mistura diferentes por região existe. Por enquanto, a proposta do biodiesel interiorano está apenas começando a circular pelo mercado, tendo feito sua primeira grande aparição pública durante a edição mais recente da Conferência BiodieselBR, no começo de outubro (veja mais detalhes no especial sobre o evento).