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Ranking: decisão no fotochart


Edição de Dez 2011 / Jan 2012 - 15 dez 2011 - 16:31 - Última atualização em: 09 mar 2012 - 17:59
Num setor que ainda está em consolidação, o ranking dos principais produtores de biodiesel do mundo varia tanto de um ano para outro que arriscar uma previsão sobre sua conformação é assumir o risco de cometer erros

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Há pouquíssimas semanas, o nome de Miguel Rossetto andou aparecendo um bocado nas manchetes. Tudo porque, durante uma audiência pública realizada pelo Senado, ele declarou que o Brasil produzirá 2,9 bilhões de litros em 2012 e assim deve se tornar o maior produtor mundial de biodiesel. Rossetto deve ter tido excelentes razões para arriscar essa previsão, afinal, talvez seja um dos profissionais mais bem informados sobre este biocombustível. Rossetto não apenas é o presidente da Petrobras Biocombustível como também foi o ministro do Desenvolvimento Agrário na época do lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) em dezembro de 2004. Ainda assim, segundo as contas feitas por esta reportagem, a não ser que venha um fato novo, como o aumento da mistura obrigatória, as perspectivas de que o Brasil venha a ocupar o topo do ranking não são exatamente das melhores.

No começo de agosto passado, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou na 42ª edição de seu Boletim Mensal dos Combustíveis Renováveis duas informações importantes para a indústria nacional do biodiesel. A primeira delas é que o país havia encerrado o ano de 2010 com uma produção de 2,4 bilhões de litros de biodiesel, o que lhe valeria a segunda posição no ranking dos maiores fabricantes do planeta – atrás apenas da Alemanha, que havia fabricado 2,6 bilhões de litros no mesmo período (veja tabela). A segunda dava conta de que o Brasil estava a caminho de apear a Alemanha do posto de maior mercado consumidor do mundo – entre janeiro e abril, o consumo acumulado nos dois países havia sido de 786 e 762 milhões de litros, respectivamente (veja gráfico).

“Por causa da crise financeira, o consumo estancou nos países europeus. Esperamos que haja um decréscimo do consumo de biodiesel na França este ano”, disse o coordenador da Comissão Executiva Interministerial de Biodiesel, Rodrigo Rodrigues, durante sua intervenção na Conferência BiodieselBR 2011, realizada em São Paulo no final de outubro.

2+2=?

Se somarmos dois e dois, é fácil supor que a indústria brasileira esteja caminhando inevitavelmente rumo à liderança isolada desse mercado. Acontece que o mercado de biodiesel não é assim tão óbvio. Estamos falando de um setor que ainda é muito novo, muito dinâmico, pouco consolidado e cujo desenho costuma mudar bastante de um ano para o outro. Especialmente porque os três medalhistas desse mercado até 2009 – Alemanha, Estados Unidos e França – têm visto seus respectivos ritmos de produção caminharem de marcha a ré nos anos mais recentes.

Embora a indústria norte- -americana esteja reagindo com vigor, no Velho Mundo a situação parece estar se complicando. Um levantamento publicado em outubro pelo European Biodiesel Board (EBB) – a associação dos produtores da União Europeia – mostra que a produção das usinas do bloco caiu de forma generalizada durante o primeiro semestre. É a primeira vez que algo assim é registrado desde que a organização começou a medir a produção em 1998. Embora com números um pouco diferentes, o relatório Biodiesel 2010/2011 publicado em agosto pela Ufop – principal entidade da indústria alemã de biodiesel – aponta na mesma direção. É nesse contexto que Brasil e Argentina encontraram espaço para se tornarem as estrelas ascendentes da indústria global.

O problema é que o expressivo crescimento brasileiro no período foi turbinado por sucessivos aumentos na mistura obrigatória de biodiesel. Chegamos ao B5 em janeiro de 2010, quando, de acordo com o plano original, ele só deveria vir em 2013. Isso significa que, se mais nada acontecer, a partir de agora o crescimento do biodiesel deverá atingir um platô e passar a ser limitado pelo crescimento do consumo de óleo diesel mineral. Não chega a ser um negócio ruim. Na última década, a demanda brasileira por óleo diesel aumentou substanciosos 40%, indo de pouco mais de 35 bilhões de litros em 2000 para mais de 49 bilhões no ano passado. E se considerarmos o consumo apenas dos oito primeiros meses deste ano, a expansão em relação a 2010 foi de robustos 4,75%. Mesmo assim, isso não deverá bastar, nem de longe, para manter o ímpeto do crescimento brasileiro registrado nos últimos anos.

Na ponta do lápis, se as vendas de diesel se mantiverem na mesma toada até o final do ano, consumiremos por volta de 51,6 bilhões de litros (veja gráfico), o que permite projetar para o biodiesel uma demanda da ordem de 2,58 bilhões de litros. O mesmo número aparece se pegarmos a produção de biodiesel até setembro deste ano e compararmos com a do mesmo período (veja gráfico). Isso representa um crescimento de 7,5% frente ao ano passado. Nada mal. Mas a cifra chega a soar mesquinha quando comparada ao salto de quase 50% registrado entre 2009 e 2010.

Correndo por fora

Enquanto avançamos neste ritmo mais lento, os fabricantes da Argentina e dos Estados Unidos aproveitam para pisar na tábua, aparecendo cada vez mais próximos no retrovisor. Pelos números dos mercados desses dois países, é bem provável que um deles, ou ambos, encerre o ano à nossa frente.

“Estamos a caminho de ter um ano recorde”, dispara Ben Evans, que ocupa o cargo de diretor de comunicação da National Biodiesel Board (NBB), maior associação do setor nos Estados Unidos. “Este ano esperamos produzir pelo menos 800 milhões de galões e, ano que vem, queremos chegar a 1 bilhão”, comemora. Isso significa mais de 3 bilhões de litros este ano e quase 3,8 bilhões em 2012. Um espetacular salto de 150% sobre a performance de 2010 – e isso em um ano que está sendo nefasto para a economia do país como um todo.

Não é que 2011 esteja sendo um annus mirabilis para o biodiesel norte-americano; o ano passado é que foi muito fraco – em 2008 a produção dos EUA havia chegado a 2,5 bilhões de litros, mais que o dobro da performance de 2010. O soluço foi causado pela revogação, no final de 2009, de um subsídio no valor de US$ 1 por galão de biodiesel fabricado. Em dezembro passado, o incentivo foi restituído por Washington. “A indústria está se recuperando dos acontecimentos do ano passado com a ajuda do que acreditamos ser políticas governamentais fortes e bem-desenhadas de apoio à produção doméstica de energia. As usinas estão contratando e ampliando sua produção”, completa Evans.

Não é o único incentivo que a indústria de lá anda recebendo. Um programa da Agência de Proteção Ambiental do governo dos Estados Unidos chamado Renewable Fuel Standard (RFS) exige que as petrolíferas misturem combustíveis renováveis em seu produto. Ao contrário do que acontece em outros países, que determinam uma proporção mínima de mistura, a regra norte-americana estabelece uma meta de volume total de biocombustível que deverá ser adicionada no produto fóssil. A meta deste ano é, precisamente, 3 bilhões de litros. Considerando que o consumo de diesel nos Estados Unidos supera os 220 bilhões de litros, a proporção de mistura não chega a 1,5%, mas já será o bastante para absorver toda a produção das usinas norte-americanas.

Essa é uma grande mudança de perfil para uma indústria que já esteve entre as maiores exportadoras de biodiesel do planeta. Em 2008, as usinas norte-americanas embarcaram mais de 1,5 milhão de toneladas de B99 rumo à Europa, aproveitando-se dos subsídios dados por Washington para alavancar a competitividade de seu produto. Em 2009, a Comissão Europeia julgou que essa prática era uma forma de dumping e passou a taxar exportações dos fabricantes dos EUA, tirando-os do mercado.

Sorte da Argentina, que aproveitou a oportunidade para construir uma indústria de biodiesel baseada principalmente na exportação. De acordo com dados da EBB, os nossos vizinhos forneceram 61% dos 1,9 milhão de toneladas de biodiesel importados pela Europa no ano passado – o que dá quase 1,16 milhão de toneladas. E a expectativa é que os hermanos aumentem ainda mais seu market share em 2011. Para o diretor executivo da Câmara Argentina de Biocombustíveis (Carbio), Victor Castro, os bons resultados são consequência da alta competitividade da indústria de soja de seu país.

“A Argentina tem muita competitividade na soja e, como nosso consumo interno de óleo de soja é muito baixo, nossa produção está toda dirigida para a exportação”, diz Castro. Ele explica que, além de ter uma indústria muito moderna e bem integrada, as maiores regiões produtoras de soja do país ficam a menos de 300 quilômetros do porto de San Lorenzo, reduzindo os custos relacionados à logística. “Tudo em nossa indústria [de soja] estava dirigido para a escala, a eficiência e a logística. Isso ajudou a desenvolver as usinas de biodiesel focadas na exportação”, resume.

Fora isso, o governo de Buenos Aires tem apoiado o crescimento do consumo de biodiesel no mercado interno. O B5 nem bem havia sido foi oficialmente lançado, em fevereiro, e em julho a mistura obrigatória já havia sido aumentada para B7. Nas contas da Carbio, o mercado interno deverá absorver 800 mil toneladas de biodiesel apenas este ano, com boas perspectivas de crescimento ainda maior para o ano que vem, quando, espera-se, será introduzido o B10. “No ano passado, importamos mais de 3 bilhões de litros de diesel. Isso é muito. O governo está buscando uma parcela maior do biodiesel para consumo interno a fim de reduzir nossa dependência do diesel importado”, explica Victor. Embora as exportações ainda sejam o mercado mais significativo, a expectativa é que o maior vetor de crescimento da indústria seja o consumo local.

Tudo somado, a expectativa para o ano é que a produção da Argentina supere os 2,5 bilhões de litros. E há quem espere mais. Segundo dados compartilhados pela Evonik durante a Conferência BiodieselBR deste ano, a companhia trabalha com um cenário de 2,6 bilhões, o que igualaria a demanda prevista para o Brasil. Outras fontes indicam que o volume pode ser ainda maior.

Como se vê, na linha de chegada vários competidores aparecem embolados, embora alguns deles estejam ganhando terreno de forma inequívoca. Mas, para o ano que vem, se o Brasil quiser continuar perseguindo o ouro – e até a prata – vamos precisar de novidades.