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A sombra dos gigantes: ADM, Bunge, Cargill, Noble...


Edição de Dez 2011 / Jan 2012 - 15 dez 2011 - 14:26 - Última atualização em: 11 mar 2012 - 22:04
O mercado brasileiro de biodiesel tem atraído gigantes. Bunge, Cargill, Noble e outras empresas peso-pesado entram no mercado e começam a assustar as pequenas, que dizem não ter condições de competir de igual para igual.

Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

O mercado brasileiro de biodiesel, que até há pouco tempo era incipiente, não costumava atrair o interesse das gigantes do ramo agrícola. De início, parecia projeto para sonhadores ou empresários de pequeno e médio porte que estivessem dispostos a enfrentar os percalços e a acreditar que aquela tecnologia poderia chegar a algum lugar.

Esse cenário não é mais assim. Desde janeiro de 2008, quando todo o biodiesel vendido no Brasil passou a ser misturado com biodiesel, o mercado cresceu. Na verdade, ele cresceu tanto que começou a assanhar o apetite de empresas cada vez maiores, atrás do lucro certo e de um modelo que vem se mostrando produtivo. Agora, a cada momento ouve-se falar de uma multinacional que vai chegando, de uma esmagadora de grande porte que decidiu montar uma usina ou de uma das grandes do ramo que decidiu fazer um novo investimento.

O mercado já conta com a presença de nomes de peso, caso da gigante do mercado de carnes JBS e da própria Petrobras. Mas, no ano passado, a situação deu mais um passo para o domínio das grandes quando a Cargill decidiu construir sua primeira unidade de biodiesel no município de Três Lagoas (MS). O valor do investimento é estimado em R$ 130 milhões – sinal de que a empresa não está colocando poucas fichas no biocombustível.

Este ano, a holandesa Bunge anunciou que está seguindo pelo mesmo caminho da rival norte-americana. A empresa, que já está construindo uma unidade em Nova Mutum (MT), fala em investir R$ 60 milhões em usinas, mas dá a entender que tem planos maiores. Em maio passado, o presidente-executivo da companhia no Brasil, Pedro Parente, disse à Reuters que tem planos de fazer biodiesel não apenas no Centro-Oeste, mas também em Estados do Nordeste. Os primeiros Estados a receber usinas seriam o Piauí e a Bahia.

Mas não para por aí. Menos conhecida que as demais, mas tão rica e poderosa quanto, a chinesa Noble está se estabelecendo em Rondonópolis (MT). Enquanto isso, os grandes que já atuam no mercado, como a ADM, anunciam novos investimentos. Há poucos meses a empresa norte-americana suplantou a Oleoplan como maior usina brasileira em capacidade instalada (487 milhões de litros em Rondonópolis), está construindo uma segunda unidade em Joaçaba (SC) e anunciou um projeto de produção de dendê no Pará.

Pouco a pouco, o biodiesel brasileiro vai passando a ser um negócio atraente para as grandes indústrias agrícolas do país e também para as de fora.

Por um lado, isso mostra o vigor do programa nacional de biodiesel. Porém, também há preocupações. Quem já está no setor começa a se perguntar quais são as possíveis consequências dessa entrada em massa de megacompanhias num mercado que nem chega a ser assim tão grande. Desnecessário dizer que nem todos estão animados com o novo cenário.

Risco para os menores

Entre os empresários do ramo, o risco que se percebe é de que as grandes acabem sufocando as usinas menores. Com escalas de produção impossíveis de ser igualadas pelas concorrentes, as esmagadoras de grande porte podem se dar ao luxo de ter uma margem de lucro menor num ponto da cadeia para compensar mais adiante. Com isso, podem entrar nos leilões de biodiesel com preços que nenhuma empresa de menor porte teria coragem de oferecer.

“Se ninguém fizer nada, essas empresas grandes, verticalizadas, vão engolir todos os pequenos”, afirma Odacir José Balestreri, dono da Caibiense. “Nem os médios têm condições de competir com eles”, completa. Segundo o empresário, o que poderia ajudar os menores a não fechar as portas seria uma mudança nas regras do jogo que criasse algum tipo de proteção para indústrias de pequeno porte. “Fizemos uma audiência pública no Senado. Pedimos, por exemplo, uma cota no leilão que fosse destinada a empresas de porte menor, mas, até agora, não tivemos qualquer resposta”, diz Balestreri.

O empresário não é o único a pensar dessa maneira. Nivaldo Tomazella, da Biopar, concorda que, se nada mudar no horizonte próximo, a perspectiva para os pequenos é difícil. Mesmo assim, Tomazella mantém o otimismo. Embora veja a verticalização (modelo de negócios no qual a mesma empresa cuida do processo desde a plantação das oleaginosas até a fabricação do biodiesel) como o grande coelho na cartola dessas grandes empresas, Tomazella diz acreditar que a competição, mesmo sem verticalizar, é possível. “É claro que o pequeno tem de ser competitivo para enfrentar quem tem a produção, o esmagamento e a usina. Eu, de minha parte, estou apostando num novo modelo de parceria que pode dar certo”, diz o empresário. Embora não tenha esmagamento em sua unidade, ele diz que essa “parceria”, cujos detalhes prefere manter a sete chaves, seria um modelo tão eficiente quanto a verticalização.

Tomazella, porém, aponta dois outros problemas que a enxurrada de grandes empresas pode trazer para o mercado brasileiro. Um deles é um aumento ainda maior da já imensa porcentagem de biodiesel feito a partir da soja. “O governo sempre diz que pretende aumentar a diversificação de matérias-primas e eu, por exemplo, estou apostando em fontes alternativas. Mas será que o governo vai preferir comprar o meu produto ou o biodiesel de soja com preço mais baixo?”, inquieta-se.

O outro risco é o surgimento de um modelo de negócios no qual uns poucos atores com mais massa muscular podem decidir o destino praticamente do setor inteiro. “As diretorias dessas multinacionais podem querer exigir que a empresa venda 100% de sua capacidade. Hoje, se todo mundo vende 50% ou 60% do que produz, tem espaço. Mas não há como saber como essas indústrias se comportarão”, afirma Tomazella.

Sem novas regras

O governo federal diz estar atento aos movimentos do mercado e sabe perfeitamente bem que os pequenos e médios produtores têm mostrado preocupação com o momento atual. Em abril, por exemplo, um grupo de empresários do setor esteve na ANP falando do assunto. Mas, pelo menos por enquanto, não se fala nem em mudar as regras do jogo nem em dar incentivos para que os pequenos sobrevivam. O discurso, pelo contrário, tem sido bastante duro.

“Mercados livres funcionam desse jeito. Às vezes, é duro, mas é assim”, afirma Rodrigo Rodrigues, chefe da Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel. “Nossa intenção, desde o começo, foi de ter um mercado regulado mas livre. Não pretendemos criar cotas para nenhum nicho de mercado, nem nos preocupamos com o tamanho das empresas que atuam no setor”, diz.

Traduzindo: não há sinal algum de que o governo federal pretenda se mover para evitar o domínio do mercado pelas empresas de grande porte. “Temos ouvido as demandas dos produtores, principalmente dos pequenos. Mas a preocupação principal tem de ser com a eficiência, com a qualidade do produto, não com o porte da empresa”, acrescenta.

Rodrigues diz que a única possibilidade que se cogita no momento é a de incentivos por fonte de matéria-prima. Ou seja, o governo estaria atento para não deixar que a soja chegue ainda mais perto de dominar 100% do mercado nacional. “Isso, sim. Temos uma preocupação com a diversificação e podemos criar incentivos para os produtores de outras oleaginosas”, afirma.

Já a cartelização, que poderia favorecer uma combinação de preços nos leilões, por exemplo, não é percebida pelo governo como um perigo. Ou, pelo menos, não como um risco tão imediato que exija a tomada de providências urgentes. “Medimos o índice de concentração nos leilões. E, pelo menos até o momento, ele é baixíssimo. Não há motivos para preocupações de cartelização”, diz Rodrigues. Mesmo se houvesse esse risco, Rodrigues pondera que o caminho a ser adotado pelo governo dificilmente seria o de passar a incentivar a maior participação de empresas pequenas e de médio porte. “A legislação brasileira já prevê medidas antitruste que podem ser adotadas nesse caso. Não seria necessário mudar a regra do jogo. Bastaria ativar os mecanismos que já são previstos”, afirma.

No entanto, para adotar esses mecanismos, o governo pode não esperar a entrada das grandes esmagadoras.

Parado no B5

Atualmente o biodiesel brasileiro tem um mercado cativo de 2,5 bilhões de litros que atendem a adição obrigatória de 5% do biocombustível no diesel mineral. Como o consumo de combustível tende a crescer (de 2009 para 2010 a venda do óleo diesel aumentou 11%), é de se esperar que essa expansão chegue também nas vendas de biodiesel.

O que mais estimulou, no entanto, o crescimento da indústria deste biocombustível foi a aceleração no aumento do teor de adição ao diesel fóssil. Com o sucesso do programa, o cronograma previsto pelo governo foi antecipado, fazendo o B5 chegar aos tanques antes do previsto. O problema é que o teto da mistura prevista no atual marco regulatório do setor já foi atingido. Qualquer novo aumento na adição depende necessariamente de uma nova legislação e as perspectivas de que isso aconteça não parecem promissoras. Ainda não há consenso sobre as novas regras do jogo e o governo parece estar disposto a avaliar com todo cuidado os resultados obtidos até o momento antes de dar novos passos.

Em resumo, o governo federal não parece estar preocupado com a possibilidade de ter o mercado dominado por poucas grandes empresas. Se uma dúzia de grandes fornecedores for capaz de suprir o mercado com qualidade e eficiência, Brasília não parece disposta a perder seu sono para manter algumas dezenas de pequenos e médios produtores no mercado. Pelo menos este é o sentimento atual.

Certamente não é uma boa notícia para os menores, que veem as gigantes fazendo sombra em seu quintal e ainda não sabem para onde correr. A diversificação e a criatividade, por enquanto, parecem ser os únicos remédios disponíveis para enfrentar o terremoto que se avizinha. Mas se isso vai bastar? Só o tempo dirá.