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As miniusinas de biodiesel


Edição de Ago / Set de 2011 - 15 ago 2011 - 12:43 - Última atualização em: 29 nov -1 - 20:53
Mesmo fora do radar do PNPB, este grupo de usinas poderia ser uma opção viável em rincões afastados e em projetos de geração de renda para cooperativas agrícolas e de reciclagem de óleo

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Para quem olha de fora, as miniusinas de biodiesel parecem criaturas totalmente fora de propósito numa paisagem que, aos poucos, está sendo tomada por gigantes industriais capazes de produzir de várias dezenas a algumas centenas de milhões de litros por ano. Mas isso não amedronta nem um pouco os defensores dessas pequenas e valentes usinas. Para eles, ainda vai ficar provado que as miniusinas têm capacidade para dar uma contribuição ao Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) inversamente proporcional a seu tamanho.

Geralmente pensamos que ser maior e mais forte é o que conta, mas isso não é necessariamente verdade. Os insetos, por exemplo, com mais de 800 mil espécies descritas, formam o grupo mais diversificado e bem-sucedido de todo o reino animal. Ser pequeno é um bom truque evolutivo que permite chegar a lugares e explorar recursos que os grandes, muitas vezes, não conseguem. E o que vale para a natureza pode ser facilmente transposto para a economia de mercado. Uma miniusina de biodiesel poderia tranquilamente operar em situações inconcebíveis para unidades mais parrudas. Por isso, mais de uma empresa sentiu que valeria a pena tentar explorar esse nicho de mercado.

“O programa do biodiesel não deveria ser só para os grandes usineiros, tinha toda uma questão social e a reciclagem de óleos. Por isso eles decidiram entrar nesse mercado”, conta o gerente comercial e de Marketing da Biotechnos, Alexandre Lombello. “Eles”, nesse caso, são empresários gaúchos do ramo metalúrgico que, segundo o gerente, se encantaram com a ideia das miniusinas durante a visita a uma feira na Alemanha em 2007 e acharam que ela poderia prosperar no Brasil.

Antes de continuar, seria bom tentar conceituar do que estamos falando. A ANP divide as usinas de biodiesel em três grupos: as grandes têm capacidade superior a 126 milhões de litros; as médias estão entre 126 e 36 milhões; as pequenas são todas as que estão abaixo de 36 milhões. E para por aí. Oficialmente falando, a classificação de miniusina não existe. Mas, procurando com atenção, é possível perceber que o artigo 4 da resolução ANP nº 25 de 2008 estabelece tratamento diferenciado para usinas de até 360 mil litros anuais e cuja produção seja voltada à pesquisa ou consumo próprio. É nessa brecha que a maioria dos projetos de miniusinas se encaixa.

Reciclagem

Pela fala de Lombello, fica claro que a Biotechnos considera a reciclagem de óleo e gordura residual (OGR) seu mercado natural. Para ajudar nas vendas, a empresa até criou o Projeto Bioplanet, que propõe a instalação de miniusinas em algumas capitais como estratégia de geração de renda para cooperativas de catadores de materiais recicláveis.

O uso de OGRs no biodiesel é pequeno, com participação de 0,37% do total de matérias-primas usadas em março, mas há potencial de crescimento. Quem garante é a Ecóleo, ONG paulistana fundada em 2009 para assessorar na criação de projetos de coleta de óleo Brasil afora. Na contabilidade da presidente da organização, Célia Marcondes Smith, o Estado de São Paulo já recicla 2 milhões de litros de óleo por mês, e isso mal chega a 5% do total que poderia ser reciclado. Na ponta do lápis, isso significa que os paulistas jogam fora 40 milhões de litros de óleo todos os meses. É um desperdício absurdo. “A gente fica escandalizado com o vazamento de petróleo que aconteceu no Golfo do México, mas, silenciosamente, estamos fazendo o mesmo”, preocupa-se a ativista.

A Biotechnos espera que a Copa de 2014 ajude a acelerar o ritmo dos negócios. “Essa vai ser a Copa verde. Queremos que nossas miniusinas transformem o óleo usado no biodiesel que vai mover os veículos oficiais da organização e das delegações”, empolga-se. Ela acrescenta que, com isso, a empresa espera conseguir a visibilidade necessária para levar suas soluções para diversas cidades brasileiras e até para o exterior.

Há outros fabricantes de equipamentos garimpando esse mesmo caminho. Embora tenha sido originalmente fundada para ser uma usina de biodiesel, a Biominas acabou descobrindo uma nova vocação ao construir uma usina móvel – instalada na carroceria de um caminhão – para um evento em Lavras (MG) no final de 2008. Desde então, o equipamento não parou de rodar o país. Além de fazer bonito nas feiras e eventos do setor, a usina da Biominas também pode ser alugada por projetos de reciclagem de óleo. “A gente leva a usina até lá e faz o biodiesel para eles. Esse foi um nicho que encontramos”, resume o gerente comercial da Biominas, Márcio Bieda Jr.

Nas contas de Bieda, não precisa muita coisa para que valha a pena investir os cerca de R$ 400 mil que uma miniusina pode custar. Com 10 mil litros de óleo por mês já dá para pensar no assunto. Não chega a ser um volume incomum para empresas que processam grandes volumes de alimentos. “Para esses clientes o resíduo sai de graça. Como o custo de produção fica em torno de R$ 0,98 por litro, se eles pagam uns R$ 2,00 no litro de diesel, então a economia é de R$ 10 mil por mês”, calcula o gerente da Biominas.

A Biominas vendeu uma unidade para uma das lojas da rede de supermercados Verdemar, de Belo Horizonte. Só aquela loja gerava 10 mil litros de OGR por mês, que eles agora podem transformar em biodiesel e usar nos geradores responsáveis pela eletricidade do supermercado nos horários de pico.

Do campo para o campo

Os projetos de OGR são só uma frente de negócios. “Como a participação dos OGRs ainda é muito pequena, resolvemos incluir outro segmento”, diz Lombello, explicando como foi que a Biotechnos começou a vender seus equipamentos para agricultores interessados na autoprodução de biodiesel. “Como fabricamos equipamentos para esmagamento de grãos, começamos a trabalhar nesse sentido também. E essa foi uma decisão de negócios bastante acertada”, continua. A empresa vendeu oito miniusinas nesses três anos e meio: três para projetos de reciclagem de óleo e cinco para autoconsumo em frotas agrícolas.

Um bom sinal de que o potencial da produção de biodiesel para autoconsumo no meio rural tem sido levado a sério pode ser encontrado no fato de os fabricantes de máquinas agrícolas terem se adiantado. Desde o final de 2008, todos os motores fabricados pela AGCO Sisu Power – dona das marcas Valtra e Massey Ferguson – já saem de fábrica prontos para serem abastecidos com B100.

O que tem realmente travado os projetos nessa área é a questão fiscal. “Se o agricultor puder produzir o biodiesel para consumo próprio sem pagar tributos, vale a pena investir numa miniusina, mas se amanhã o governo resolver cobrar, esse investimento deixa de fazer sentido”, comenta Lombella.

A Cooperativa Agroindustrial dos Produtores de Feliz Natal (Cooperfeliz) descobriu isso da pior forma. Embora a Cooperfeliz esteja muito acima da faixa típica das miniusinas – com uma capacidade autorizada de 2,4 milhões de litros por ano –, o projeto foi dimensionado para atender o consumo de diesel de seus 32 associados. Ela chegou a trabalhar dessa forma entre 2007 e 2008, mas aí começou a se estranhar com o governo estadual do Mato Grosso, onde a usina está instalada. “Eles queriam cobrar 17% de ICMS sobre o biodiesel que a gente estava produzindo para consumo próprio. Isso inviabilizava o nosso modelo de negócios”, recorda o diretor da cooperativa, Leandro Martins. Para não ficar com o capital investido na usina empacado, a Cooperfeliz virou uma usina comercial.

Mas o analista do setor de biodiesel Univaldo Vedana acredita que quando não há transferência de titularidade a cobrança de ICMS pelo Estado não deve acontecer. Como nesse caso, do biodiesel produzido e consumido por quem cultivou a matéria-prima. Mas ele lembra que é preciso fazer toda a etapa contábil da maneira correta, porque “o Estado vai sempre procurar por brechas para cobrar o ICMS”.

O diretor-gerente da Austen-Bio, Richard Fontana, critica a forma como o governo tratou a questão da autoprodução de biodiesel. Em outubro de 2006, sua empresa desenvolveu um protótipo totalmente operacional de miniusina direcionada para o setor rural e também para empresas que optassem por fabricar o próprio biocombustível. Segundo o empresário, não foi por falta de interesse de clientes em potencial que o projeto acabou engavetado. “Desde o advento do PNPB em 2004, existe o interesse do meio empresarial rural neste tipo de usina. O que observamos foi que o desinteresse em promover esse tipo de atividade veio do próprio governo federal, que omitiu dados, criou dificuldades para que a legislação [o artigo 4 da resolução ANP nº 25 de 2008] fosse aplicada e não criou linhas de crédito”, protesta.

O projeto de lei 3336 de 2008, de autoria do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP/RS), pretende facilitar um pouco mais a vida dos produtores rurais que tenham projetos de autoprodução de biodiesel. O PL isenta essas usinas da cobrança do PIS e do Cofins e também as libera da necessidade do registro especial da Receita Federal exigido das usinas comerciais. Nada disso protege os usineiros contra os avanços dos governos estaduais e seu temível ICMS, mas já seria um refresco.

Questão de qualidade

Mas a pergunta de 1 milhão de reais quando o assunto miniusinas é se elas realmente conseguem produzir atendendo os padrões de qualidade da ANP. Fontana é direto; para ele essa questão “é uma falácia promovida pelos fabricantes de grandes usinas”.

Lombello reconhece que o segmento tem os seus picaretas. “Se você fizer uma pesquisa no Google, vai encontrar vários fabricantes que vendem equipamentos que não atingem os padrões. Isso é uma coisa que nos deixa bem chateados”, comenta. Mas a qualidade do equipamento só vale até determinado ponto. O resto é cuidado por parte de quem está produzindo o biodiesel. “O que eu posso afirmar é que quem compra uma miniusina se preocupa com a qualidade, até porque não é um investimento pequeno. Além disso, a gente oferece um treinamento para orientar os produtores a usarem os equipamentos que compraram conosco”, prossegue.

Até o dono da miniusina mais mini que essa reportagem pôde encontrar, Rui Silésio Paes, garante que ser pequeno não é desculpa para produzir sem qualidade. Gráfico de profissão, Paes diz fabricar biodiesel como hobby e tem uma miniusina (literalmente) no fundo do quintal de sua residência em Porto Alegre (RS).

A usininha fabrica 10 litros por batelada com óleo de cozinha usado que ele mesmo coleta entre amigos, vizinhos e parentes. Autodidata e sem nenhum treinamento formal em química, Paes diz que contou com tutoriais que achou na internet e muita disposição para cometer erros até refinar seu processo. “Fiz vários quilos de sabão antes de ajustar tudo”, diz, antes de contar que hoje ele usa metanol, metilato de sódio e faz três lavagens do biodiesel.

O controle de qualidade é reconhecidamente mambembe, nada além do pH da água de lavagem e uma inspeção visual. Ele jura que, até hoje, não deu problema e que sua caminhonete (único veículo que roda com sua produção) está em surpreendente bom estado, apesar do odômetro já ter passado dos 380 mil quilômetros. “Há pouco tempo fiz uma revisão da caminhonete e o pessoal me disse que não precisava fazer nada”, diz encantado.