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Senso cívico fortalece instituições na relação com o biodiesel


Edição de Jun / Jul de 2011 - 24 jun 2011 - 07:44 - Última atualização em: 22 dez 2011 - 10:20

Instituições fortes, sociedade forte. Ao longo da história, até alguns imperadores foram vencidos pela honradez de instituições que mantiveram-se firmes em seus propósitos coletivos. Para que o programa do biodiesel no Brasil possa crescer e trazer os inúmeros frutos sociais, ambientais e tecnológicos, os alicerces institucionais devem estar bem firmes. Neste texto falarei sobre dois pilares importantes para o biodiesel que têm apresentado atuação relevante nesse conjunto: a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

A atuação da ANP permeia todo o programa de biodiesel. Desde o projeto de instalação, passando por vistorias e licenças de operação e comercialização, qualidade, organização do leilão e uma série de outras atividades. Mas gostaria de destacar uma atuação recente e efetuada com bastante competência pela agência.

No começo de 2010, poucos meses após o início do uso do B5, alguns proprietários de postos de combustíveis e mesmo representantes de algumas distribuidoras observaram o surgimento de borras nos blends. Os postos que notaram essas borras observaram também que os filtros estavam entupindo com mais frequência do que antes.

A ANP organizou um seminário no Rio de Janeiro, onde o assunto foi discutido. Nesse evento, ficou claro que havia práticas inadequadas no manuseio, no transporte e na armazenagem do biodiesel e seus blends. Na verdade, isso já ocorria com o diesel, e a presença do biodiesel estava apenas trazendo à tona a falta de boas práticas nesse manuseio. Imediatamente, a agência criou vários grupos de trabalho com a presença de representantes de todos os setores da cadeia do biodiesel, que passaram a estudar conjuntamente, com detalhes, inúmeras questões desse tema.

Como resultado desse esforço coletivo, manuais de boas práticas de armazenagem e transporte já estão disponíveis no site da ANP. Um grupo especificamente coordenado pela superintendência de qualidade da agência realizou um excelente trabalho. Ainda nesse primeiro semestre estará pronto um relatório que traz dados de estudos de possíveis problemas em cada elo da cadeia do biodiesel até chegar aos respectivos blends nas bombas dos postos. Provavelmente, trata-se de um estudo inédito no mundo, que não apenas será útil ao programa brasileiro de biodiesel, mas uma referência global.

Apenas adiantando, um dos problemas mais graves é a presença de água. Seja no biodiesel de origem, ou no diesel, ou em algum contato com o blend B5, a interface combustível/ água é ideal para a proliferação de microorganismos que muito rapidamente se alimentam dos ésteres, gerando como subproduto ácidos graxos e polímeros desses substratos orgânicos, que possuem a aparência de “borras”. Assim, a minimização da presença de água e eventualmente até o uso de alguns biocidas poderá mitigar significativamente esse tipo de problema. Isso já foi devidamente resolvido na Europa, onde o biodiesel já existe nas bombas há décadas.

Outra instituição que tem feito seu papel de forma atuante e competente é o MCT. A exemplo da ANP, a “receita do sucesso” do MCT é a ampla participação dos atores envolvidos. Nesse caso, tratam-se dos pesquisadores que compõe a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB). A RBTB possui como coordenação central a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia (Setec/MCT) e possui cinco sub-redes temáticas: (i) matéria prima; (ii) estabilidade, armazenamento e problemas associados; (iii) produção; (iv) caracterização e controle da qualidade; (v) co-produtos. Cada sub-rede é representada por uma coordenação técnica indicada pelo MCT, composta por renomados pesquisadores de universidades, institutos e centros de pesquisa, os quais constituem o Comitê Técnico-Científico da RBTB. Apenas para citar um dos resultados dessa rede, do I Congresso em 2006, com 136 trabalhos, saltamos para 928 trabalhos no IV Congresso em 2010. Números bastante expressivos para um tema relativamente novo e com periodicidade anual. Recursos do FNDCT e Finep têm chegado aos pesquisadores brasileiros de biodiesel.

Que os demais pilares de sustentação do biodiesel possam ter governanças e atuações tão participativas e transparentes como a ANP e o MCT. Basta aplicar essa mesma receita que o PNPB será um sucesso cada vez maior.

Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.