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Vendas por quotas: sistema fortalece biodiesel na Argentina


Edição de Abr / Mai de 2011 - 13 mai 2011 - 08:34 - Última atualização em: 22 dez 2011 - 10:57

Quando o assunto é futebol, Pelé e Maradona e coisas correlatas, sabemos que a rivalidade está acima de qualquer discussão racional. Felizmente, desde o advento do Mercosul, as relações com nossos vizinhos argentinos têm se fortalecido cada vez mais. Indústria de autopeças, turismo (Bariloche tem se tornado cada vez mais uma “Brasiloche”) e mesmo intercâmbios científicos promovidos pelo CNPq são apenas alguns exemplos de uma crescente relação com nossos estimados hermanos.

Uma nova oportunidade de troca de experiências e colaboração é a emergente indústria do biodiesel. Com este propósito, estive visitando algumas indústrias daquele país no início de 2011. Meu amigo Prof. Carlos Querini, sem dúvida o mais importante consultor em biodiesel da Argentina, organizou uma série de visitas, sobretudo a fábricas localizadas na província de Santa Fé, nas cercanias das cidades de Rosário, San Martín e San Lorenzo.

Estamos falando de plantas enormes, com capacidade para 300, 400 mil toneladas de biodiesel por ano, ou mais. Esta grandiosidade não é apenas do biodiesel: trata-se do maior complexo de soja do mundo. Num raio de poucos quilômetros, encontram-se várias esmagadoras gigantescas, alimentadas por uma logística invejável – e imbatível. A navegação no Rio da Prata permite o transporte de soja, derivados e biodiesel diretamente para a Europa. Custos de produção mais baixos (soja 100% transgênica) e facilidades de escoamento (muito mais barato e rápido do que trazer soja de Mato Grosso para Paranaguá) tornam o biodiesel de soja argentino o mais competitivo para entrar na Europa, maior mercado consumidor de biodiesel.

Embora já haja uso obrigatório de B7 (sem nenhum relato de borras nas bombas ou nos filtros) no país, com boas perspectivas de se chegar ao B10 no meio deste ano, 60% do biodiesel argentino ainda é exportado (mais de 1 bilhão de litros/ano). Há pouco tempo, quase 100% do biodiesel argentino era exportado.

Uma indústria que nasceu voltada para a exportação preza pela qualidade e eficiência de sua produção. Os indicadores de segurança são bem rigorosos e similares aos da indústria petroquímica. Aliás, muitos dos engenheiros das usinas de biodiesel que visitei são oriundos do setor petroquímico e transpuseram toda essa “cultura” para o setor do biodiesel.

Além de visitar as fábricas, visitei também a Carbio (Camara Argentina de Biocombustibles), espécie de “Ubrabio” da Argentina. É exemplar a união das empresas argentinas de biodiesel: elas compartilham laboratórios, realizam “façons” e lutam conjuntamente pelos valores das quotas (“cupos”), formato que governa a comercialização do biodiesel na Argentina. O sistema de quotas é talvez a principal lição que aprendi com nossos vizinhos. Todos os setores envolvidos na cadeia do biodiesel mostram-se satisfeitos com o sistema, exatamente o contrário do que ocorre com o sistema de leilão no Brasil (conforme sistematicamente reportado por BiodieselBR.com).

No sistema de quotas, as empresas sabem de antemão que certa quantia de sua capacidade de produção será comprada pelo governo. Para as grandes empresas, essas quotas são tipicamente 40% a 60%. Isto permite que as empresas tenham algum tipo de garantia de venda do biodiesel, sem a tensão que se repete a cada três meses no Brasil. O sistema de leilão pune a todos, pois, independentemente de qualidade e eficiência, as unidades nunca sabem o quanto irão vender nos próximos três meses (se é que venderão algum mísero litro). Não se trata apenas de insegurança. Isso é terrível para qualquer busca de financiamento no mercado. Consequentemente, investe-se menos no Brasil em ganhos de escala, logística, segurança industrial, qualidade, entre outros índices que nos colocam na “segunda divisão” da competitividade do biodiesel mundial. Não é à toa que das mais de 60 fábricas de biodiesel no Brasil, nenhuma ainda é exportadora.

Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.