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Capacidade real das usinas de biodiesel no Brasil


Edição de Abr / Mai de 2011 - 27 abr 2011 - 12:40 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 10:29
Núria Saldanha e Fábio Rodrigues, de São Paulo

A dúvida circula nas principais rodas de conversa do setor, mas ninguém se arrisca a falar abertamente sobre o assunto: qual é a real capacidade de produção de biodiesel no Brasil? Há quem acredite que o volume contabilizado pelos órgãos competentes, utilizado como base para autorizar a comercialização nos leilões, vai muito além da realidade e que o setor pode estar se apoiando em uma capacidade de produção fantasma. Sobram especulações sobre tema, mas falta coragem de fazer qualquer tipo de denúncia. Várias fontes consultadas pela reportagem disseram desconfiar dos números oficiais, acreditando que o volume oficial esteja inflado, mas preferiram ficar de fora das suspeitas da reportagem. Mas as dúvidas incomodam e o silêncio foi rompido.

De acordo com dados oficiais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as usinas do país podem comercializar atualmente 5,6 bilhões de litros de biodiesel por ano. O cálculo considera 360 dias de funcionamento da indústria. Mas, no ano passado, com a demanda fixa no B5, menos da metade desse volume foi comercializado. À primeira vista, o leitor pode achar que a ociosidade rondou os 50%, muito acima dos 18% da média industrial do Brasil. Mas os números reais podem indicar que a ociosidade na indústria de biodiesel não foi tão grande assim.

A capacidade instalada da indústria avançou muito ao longo dos últimos cinco anos. A oferta excessiva de biodiesel e a demanda fixa têm acirrado a competição nos leilões e empurrado os preços do produto para baixo, mas o governo não dá sinais de que pretenda aumentar o percentual da mistura de biodiesel no diesel em 2011. Sem perspectivas de um aumento do mix, hoje estabelecido em 5% (B5), o mercado vive um momento delicado, e a capacidade real de produção nacional impacta diretamente nas negociações dos leilões.

Uma fonte da indústria, que prefere não ser identificada, traz à tona uma suspeita. Conta que várias usinas superestimam suas capacidades produtivas quando pedem autorização da ANP, para assim fabricar um determinado volume de biodiesel ou aumentar a capacidade do parque industrial. Segundo a fonte, as distorções são de 20%, 30%, e em alguns casos podem até dobrar a real capacidade de produção da empresa. A intenção dessas empresas é informar que podem produzir um volume de biodiesel maior do que de fato têm condições, ampliando assim a possibilidade de participação no mercado. As distorções seriam implementadas aproveitando uma deficiência do órgão responsável pela fiscalização.

A atividade de produção de biodiesel é regulada pela resolução ANP nº 25/2008, que estabelece três etapas para o processo de autorização. A primeira é a autorização para construção, modificação ou ampliação de capacidade; a segunda, para operação; e a terceira, para comercialização. Somente com essas três autorizações uma usina pode vender biodiesel.

“Falta estrutura técnica e capacitação dos fiscais da ANP para averiguar as usinas”, aponta uma fonte que preferiu permanecer anônima. Além disso, ainda temos os critérios utilizados pela ANP para definir a capacidade de produção. Enquanto a Europa estabelece um número mais realista, considerando apenas 330 dias de operação por ano, a ANP parte da premissa de que uma indústria ficará parada apenas cinco dias no ano.

Para contornar a situação criada e minimizar o risco de inadimplência, o órgão limitou as vendas em 80% dessa capacidade autorizada. Ou seja, as usinas podem operar o equivalente a 288 dias por ano, representando mais dois meses e meio parada. A limitação pode ter sido exagerada: considerando a suposta deficiência nas análises da real capacidade das usinas, qual empresário não ficaria tentado a inflar sua capacidade para que pudesse ter o direito de comercializar tudo o que pode produzir?

O diretor industrial da Biopar, Nivaldo Tomazella, diz que o momento do setor brasileiro de biodiesel é complicado: “O mercado, hoje, ou cresce ou some”. Segundo ele, a Biopar vendeu nos leilões do ano passado só 55% da capacidade de produção, porque os preços não estavam satisfatórios e porque é difícil concorrer com os grandes grupos que estão surgindo. “Essas mega-autorizações de plantas complicaram o mercado”, salienta.

O problema é maior e mais complexo do que explicado até aqui. As capacidades infladas criaram todo um mercado paralelo de biodiesel. A seção Cinética desta edição (página 14) dá mais detalhes sobre a situação. Haroldo Barros contou que a SPBio, de que é um dos sócios, está entre as maiores vendedoras deste mercado subterrâneo, no qual usinas que não vão conseguir entregar os volumes que venderam nos leilões, compram biodiesel de outras usinas. “Não vou citar nomes, mas vendo biodiesel para usinas que dizem por aí que têm capacidade de centenas de milhões de litros”.

O presidente de outra usina ouvida por BiodieselBR, Carlos Omar Polastri, da Cesbra, também afirma participar desse mercado que, segundo ele, garante bastante trabalho para diversas usinas de pequeno e médio porte. “Uma usina que não vai conseguir entregar tudo pode comprar o biodiesel de mim ou me mandar o óleo; eu produzo aqui e cobro uma taxa pelo serviço”, explica, acrescentando que algumas usinas de grande porte praticamente não produzem nada. “Tem uma empresa que compra entre 60% e 70% de tudo o que vende nos leilões”, completa.

Sobre as especulações de que a capacidade de produção da indústria brasileira de biodiesel estaria superestimada, o diretor-presidente da Bioverde é taxativo: “Se existe uma preocupação do mercado, é preciso fazer uma due diligence industrial”. Para Domingues, o pior cenário é o da dúvida. “O princípio tem que ser de transparência. Se há dúvidas sobre uma capacidade fantasma, talvez todas as empresas devam passar por novas vistorias”, conclui.

De acordo com o pesquisador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa), Matheus Kfouri, a real capacidade de produção de uma indústria de biodiesel só é calculada com exatidão pelas próprias empresas técnicas que fazem os projetos e montam as instalações das usinas. “Acho que dificilmente outros técnicos têm condições de verificar isso”. Quando questionado sobre a possibilidade da capacidade de produção da indústria de biodiesel estar inflada, o pesquisador diz que se tratam de especulações, mas que não é possível provar alguma distorção.

Diante deste cenário, recentemente a Brasil Ecodiesel apresentou à Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel e à diretoria de combustíveis renováveis do Ministério de Minas e Energia uma sugestão para que o governo limite em 60% a oferta de biodiesel nos leilões da ANP. De acordo com a empresa, o mercado de biodiesel está saturado e muitas usinas não sobreviverão até a chegada de um novo marco legal do setor. De acordo com o diretor-presidente da empresa, José Carlos Aguilera, se não for tomada nenhuma medida no curto prazo o setor terá a “sobrevivência das megacorporações que enxergam neste segmento um pequeno negócio em seu portfólio de produtos, com nenhum comprometimento com o crescimento da indústria”.

Quando o assunto chega ao governo e ao órgão regulador do setor, o posicionamento é de não repercutir o assunto.

A assessoria de imprensa da ANP informou em nota que o processo de autorização das plantas produtoras de biodiesel pela agência prevê a análise técnica do projeto encaminhado pelas empresas. Segundo o órgão, “após a conclusão das obras, e antes das plantas entrarem em operação, técnicos da ANP fazem uma vistoria técnica in loco para confirmar se o projeto foi executado de acordo com a solicitação”. O órgão regulador informou ainda que, “esses procedimentos estão previstos no art. 10 da resolução ANP 25/2008”. Na nota, a ANP garante que também solicita que conste nas licenças ambientais a capacidade de produção autorizada pelos órgãos responsáveis, confrontando o valor autorizado com o que foi solicitado durante o processo de autorização. A agência não informou quantos profissionais possui no corpo técnico para fazer as vistorias e nem mesmo qual é o tipo de treinamento que eles recebem para proceder com as autorizações.