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Selo social: arrumando a casa


Edição de Fev / Mar de 2011 - 02 mar 2011 - 13:04 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:05
Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

A DAP é o CPF da agricultura familiar”. A frase é de Marco Antonio Leite, coordenador de biocombustíveis do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Serve para explicar a importância do documento: com a DAP é possível encontrar, em qualquer lugar do país, o indivíduo que foi responsável pela produção de um alimento, por exemplo. Basta verificar o cadastro e ver de quem se trata.

Agora, a intenção do governo é aproveitar esse CPF agrícola para acompanhar mais de perto a matéria- prima do biodiesel brasileiro desde a sua produção. Assim, vai ser possível garantir que o material que dá origem ao combustível saia efetivamente das mãos de um pequeno produtor, aumentando as chances de o governo corrigir aquela que foi a maior esperança do governo Lula, mas a grande decepção do programa de biodiesel: incluir cada vez mais agricultores familiares.

O meio para garantir que o governo saiba dessa informação é uma instrução normativa que deve ser publicada até o fim de fevereiro. Nela, fica determinado que cada cooperativa é obrigada a registrar num cadastro único, on- -line, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) de cada agricultor que forneceu o produto.

“Se ela [cooperativa] comprou 10 mil quilos de 300 agricultores, vai ter que informar o detalhe de cada agricultor que vendeu num sistema nosso que foi desenvolvido para isso. Isso garante maior controle sobre o atendimento às exigências do selo”, afirma Leite.

Segundo ele, o governo tomou essa decisão até mesmo porque a participação da agricultura familiar vem crescendo dentro daquilo que é vendido pelas cooperativas: em 2008, as cooperativas representavam 31% de toda matéria-prima comprada da agricultura familiar; no ano seguinte, esse número passou a 68%; e, em 2010, continuou crescendo e chegou a 85% de tudo o que foi adquirido.

Isso fez com que o governo estendesse às cooperativas um detalhamento que já era cobrado das usinas. Mas, na verdade, para as cooperativas a regra é até mais rígida: as empresas apresentam para o governo o “dado macro”, que indica quanto foi comprado do quê e de quem – no caso, a cooperativa. Mas as cooperativas devem informar quais agricultores venderam, quanto venderam e para quem venderam. Além disso, as cooperativas também serão obrigadas a fazer um credenciamento e receber a sua própria DAP Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

A decisão de publicar a nova norma, segundo o governo, foi tomada depois de negociações com a União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), cooperativas e movimentos sociais. E parece que a decisão agradou os representantes dos setores produtivos.

“Nós sempre defendemos que existisse um acompanhamento maior dessa questão não só no programa do biodiesel, mas nas DAPs Jurídicas. O risco de não acompanhar é ir alargando a banda da agricultura familiar e amanhã grandes cooperativas acabarem usufruindo desses benefícios com uma facilidade muito grande”, afirma Marcos Rochinski, presidente do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser) e secretário geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).

Para ele, o governo deverá ter um cuidado especial com as DAPs Jurídicas que serão entregues às cooperativas. “A concessão da DAP Jurídica tem que ter critérios, tem que ter acompanhamento”, afirma. “Hoje a DAP Jurídica tem atraído muito interesse porque quem tem o documento usufrui de benefícios que não são dela, mas uma conquista da agricultura familiar. Sem fiscalização, os agricultores familiares vão disputar mercado no selo social com quem já tem estrutura. O fato de se estipular normas claras coíbe isso. Essas cooperativas têm que mostrar a quem estão servindo”, completa Rochinski.

Rochinski ressalta que as cooperativas podem se interessar em conseguir a documentação não apenas pelos benefícios fiscais que são obtidos pelo selo Combustível Social. Tão importante quanto isso (ou mais) é a questão da assistência técnica. “Se eu tenho a DAP, posso acessar recursos de assistência técnica para os meus associados. A Lei da Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural) também está vinculada. Só pode acessar quem tem DAP Jurídica. Mas há a necessidade de saber se de fato as cooperativas estão beneficiando a agricultura familiar. Essa é uma conquista dos agricultores, não das cooperativas”, reforça.

Para Rui Valença, coordenador de biodiesel da Fetraf Sul, a assistência técnica é realmente a chave da questão. Como exemplo, ele cita que na produção de soja o manejo correto pode garantir um aumento de produtividade de 50 para 54 sacas por hectare. “O bônus pago para os agricultores é de R$ 1, R$ 1,50 por saca. Agora, o ganho pelo aumento pode chegar a R$ 180 por hectare (R$ 45 por saca). Numa propriedade de 20 hectares são R$ 4.000 por ano”, diz. “É importante porque esse aumento não está relacionado com custos e sim com manejo. É uma questão de otimizar o investimento, obter um resultado melhor com os mesmos recursos”.

Valença afirma que o sistema não será difícil de operar para as cooperativas. Pelo contrário, poderá até facilitar em certo sentido. “O sistema on-line existe e a cooperativa o alimenta. Não tem grandes dificuldades. As cooperativas já faziam esse controle num sistema de planilhas, mas havia o problema da falta de padronização. Cada uma tinha sua planilha. Agora tem o sistema único. No fundo, vai facilitar para as cooperativas”, diz.

Valença acredita que a fiscalização mais detalhada garantirá o ingresso no mercado para o agricultor familiar. “Isso cria oportunidade para que mais agricultores entrem no programa. É positivo porque de fato cria um mercado diferenciado. Dá segurança para o agricultor produzir e vender”, afirma.


Outras discussões

O MDA estuda ainda mais mudanças nas regras do selo social. Um dos pontos importantes que deverão ser debatidos nos próximos meses é a situação de quem compra produtos da agricultura familiar em proporção suficiente para conseguir o selo mas acaba não usando a totalidade desse material na produção de biodiesel. A cooperativa pode, por exemplo, “patrocinar” uma plantação de um produto na agricultura familiar e não usá-lo. Em vez disso, ela revende o material para outra empresa e usa soja, por exemplo, para de fato fazer o biodiesel.

Hoje isso acontece informalmente e o ministério tende a aceitar a troca, desde que a agricultura familiar seja realmente beneficiada no processo e que a usina compre os porcentuais mínimos exigidos na regra do selo. Mas falta estabelecer uma regra para o tema.

O governo também cogita aumentar o incentivo tributário para um único caso específico: a produção de biodiesel a partir do dendê. Trata-se de uma das grandes apostas para inclusão da agricultura familiar, mas os técnicos acreditam que, como o uso da planta na indústria de biodiesel ainda é muito pequeno, talvez fosse o caso de conceder alguma vantagem extra para essas plantações. Tudo para favorecer a diversificação e impedir que a soja continue dominando mais de 80% do mercado, como acontece hoje.

Ainda na questão tributária, outro grande desafio, de acordo com o MDA, é o crédito presumido de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Como há isenção do imposto, a empresa que obtém o selo social acaba acumulando créditos, mas as regras ainda dificultam a sua utilização. “É possível resolver. Já discutimos com a Fazenda. Este momento [do governo] é de cortar gastos, então é mais difícil propor reduzir a receita. Mas tem espaço, sim”, afirma Marco Antonio Leite, do MDA.

Um fator, porém, o governo não cogita mudar: os percentuais exigidos de compra de matéria- -prima da agricultura familiar. “Principalmente porque tivemos aumento exponencial na participação”, diz Leite. “Chegamos a 100 mil agricultores em 2010. Em 2011, temos a expectativa de [atingir] 120 a 130 mil pessoas. Estamos tranquilos com isso. Se há problemas, é pontualmente em algumas empresas que não estão fazendo o dever de casa”, completa.