Os interesses por trás da formação do preço do biodiesel
A ANP nunca revelou ao certo como calcula o preço de referência usado em cada leilão de biodiesel. As usinas também não contam como montam seus preços. O segredo é considerado positivo, mas pode gerar distorções indesejáveis. A BiodieselBR mostra nas próximas páginas como funciona esse jogo.
Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba
Existe um segredo do mercado de biodiesel no Brasil que é guardado a sete chaves por usinas e pelo governo: como é formado o preço do combustível? Pelo lado do governo, o mistério tem uma razão simples: a ideia é deixar o mercado sem ter como adivinhar qual será o limite imposto, obrigando todos a tentar melhorar suas condições para ter ofertas competitivas. As empresas, por outro lado, não apresentam seu custo real de produção para não deixar o governo saber qual é a margem de lucro da produção do biodiesel. Além disso, os custos de produção das usinas são vantagens competitivas, que não podem ser apresentadas aos concorrentes.
Todo o clima de mistério tem sentido, e é considerado positivo por quem entende do mercado, mas também pode trazer problemas se o preço não for cuidadosamente definido. O “efeito duplo cego” faz com que ambos os lados cheguem aos leilões com alguns truques na manga. Ou seja: sem saber exatamente o que o outro lado está fazendo, o leilão fica menos previsível. E todos têm de tentar trabalhar com preços mais baixos para garantir seu potencial de venda. Quem sai ganhando com isso é o consumidor final, que recebe um combustível com preço mais baixo. No entanto, algumas vezes essa queda de preço pode não acontecer e, como você verá a seguir, é quando a capacidade real de oferta das usinas está mais próxima da demanda que o preço máximo ganha mais importância.
Revelar seus segredos, ninguém revela. Mas a reportagem da revista BiodieselBR investigou o assunto e mostra o que pesa mais na hora de dar um preço para o biodiesel no Brasil.
Fator nº 1: a soja
Uma coisa é certa: o principal componente na hora de formular o preço do biodiesel é e sempre será o custo da matéria-prima. Na maior parte dos casos, o óleo ou a gordura usados na produção têm peso de 80% a 87% do preço final do produto. Ou seja: se você tem um litro de combustível custando R$ 1,70, isso significa que R$ 1,36, em média, servem apenas para pagar a matéria-prima que chegou até a usina. Os outros 20% são referentes a todo o restante do processo, dos insumos ao salário de funcionários.
Um leilão de biodiesel não determina qual será a matéria-prima utilizada pelos competidores. Num pregão da ANP, por exemplo, as usinas podem usar soja, algodão, sebo, girassol ou qualquer outra oleaginosa. Não importa: as usinas todas competirão entre si, sem reserva de mercado para quem produz com cada matéria-prima.
Sendo assim, a ANP teve de escolher uma forma para que o preço estipulado do biodiesel desse condições a todas as usinas participarem dos leilões com possibilidade de lucro. Para alcançar esse valor, a agência usa uma matéria-prima como referência: a soja. Tanto o valor da soja em grão quanto o do óleo de soja. Esse é um dos pontos da fórmula que a agência revela ao grande público.
A explicação é simples. Em primeiro lugar, a soja é responsável por uma fatia imensa do mercado brasileiro. Cerca de quatro em cada cinco litros que chegam ao mercado têm origem na oleaginosa. Assim, só colocando a soja como referência, a ANP já atende a uma fatia razoável do mercado. Mas quem usa outras matérias- -primas não sai perdendo; pelo contrário.
A soja tem preço mais alto do que a maior parte dos outros produtos que competem com ela. Quem usa sebo bovino na produção, por exemplo (e essa é a segunda matéria-prima mais comum no país, com cerca de 15% do mercado), sai ganhando na comparação.
As outras oleaginosas também estão, de uma ou de outra maneira, atreladas ao preço da soja. “Todo mundo usa o valor da soja porque os outros óleos seguem esse preço”, explica Ricardo de Gusmão Dornelles, diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia. Portanto, para o governo, balizar o preço do biodiesel pelo valor do óleo de soja faz sentido porque contempla todos os produtores, mesmo os que não se valem dessa matéria-prima.
Com isso, a ANP usa o preço de uma das matérias-primas com valor mais alto para compor o preço do leilão e acaba fazendo com que as usinas que utilizam matérias-primas alternativas sejam mais competitivas - ou fiquem com um lucro maior.
Sobre como calcula o preço da soja a ser inserido em sua planilha, a ANP pouco informa. Explica apenas que leva em consideração o valor usado nas bolsas de mercado futuro. “As estimativas de preços de matérias-primas para o período referente ao leilão são feitas com base nas cotações definidas nos mercados de derivativos, mais especificamente nos contratos futuros negociados nas principais bolsas de mercadorias e futuros”, afirma nota enviada pela agência à revista.
Essa estimativa de preço da soja não é algo simples de fazer. Grandes empresas do setor de grãos contam com dezenas de profissionais trabalhando apenas para saber qual será o preço da soja nos meses vindouros. Como o mercado de grãos não faz parte das atribuições da ANP, é esperado que erros no preço máximo do leilão ocorram. O maior deles ocorreu no 10º e 11º leilões, quando no dia anterior ao certame a agência subiu o preço máximo do biodiesel de R$ 2,40 para R$ 2,62. O temor era que sem as mudanças as usinas se recusassem a participar, já que o valor inical de R$ 2,40 não garantia rentabilidade para todas as usinas, e não houvesse oferta suficiente de biodiesel para atender a demanda. Após esse leilão nunca mais houve correção de preços, mas nem por isso o preço do biodiesel ficou atrelado ao preço da soja. A diferença entre o preço máximo do leilão e o preço do litro do óleo de soja, que já foi de R$ 0,57, atingiu no último leilão R$ 0,96 (veja gráfico). Esse valor considera o óleo com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço) e posto em São Paulo, o que faz com que o valor seja ainda maior nas regiões produtoras de soja e para as usinas que tem incentivos estaduais com o ICMS.
Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba
Existe um segredo do mercado de biodiesel no Brasil que é guardado a sete chaves por usinas e pelo governo: como é formado o preço do combustível? Pelo lado do governo, o mistério tem uma razão simples: a ideia é deixar o mercado sem ter como adivinhar qual será o limite imposto, obrigando todos a tentar melhorar suas condições para ter ofertas competitivas. As empresas, por outro lado, não apresentam seu custo real de produção para não deixar o governo saber qual é a margem de lucro da produção do biodiesel. Além disso, os custos de produção das usinas são vantagens competitivas, que não podem ser apresentadas aos concorrentes.
Todo o clima de mistério tem sentido, e é considerado positivo por quem entende do mercado, mas também pode trazer problemas se o preço não for cuidadosamente definido. O “efeito duplo cego” faz com que ambos os lados cheguem aos leilões com alguns truques na manga. Ou seja: sem saber exatamente o que o outro lado está fazendo, o leilão fica menos previsível. E todos têm de tentar trabalhar com preços mais baixos para garantir seu potencial de venda. Quem sai ganhando com isso é o consumidor final, que recebe um combustível com preço mais baixo. No entanto, algumas vezes essa queda de preço pode não acontecer e, como você verá a seguir, é quando a capacidade real de oferta das usinas está mais próxima da demanda que o preço máximo ganha mais importância.
Revelar seus segredos, ninguém revela. Mas a reportagem da revista BiodieselBR investigou o assunto e mostra o que pesa mais na hora de dar um preço para o biodiesel no Brasil.
Fator nº 1: a soja
Uma coisa é certa: o principal componente na hora de formular o preço do biodiesel é e sempre será o custo da matéria-prima. Na maior parte dos casos, o óleo ou a gordura usados na produção têm peso de 80% a 87% do preço final do produto. Ou seja: se você tem um litro de combustível custando R$ 1,70, isso significa que R$ 1,36, em média, servem apenas para pagar a matéria-prima que chegou até a usina. Os outros 20% são referentes a todo o restante do processo, dos insumos ao salário de funcionários.
Um leilão de biodiesel não determina qual será a matéria-prima utilizada pelos competidores. Num pregão da ANP, por exemplo, as usinas podem usar soja, algodão, sebo, girassol ou qualquer outra oleaginosa. Não importa: as usinas todas competirão entre si, sem reserva de mercado para quem produz com cada matéria-prima.
Sendo assim, a ANP teve de escolher uma forma para que o preço estipulado do biodiesel desse condições a todas as usinas participarem dos leilões com possibilidade de lucro. Para alcançar esse valor, a agência usa uma matéria-prima como referência: a soja. Tanto o valor da soja em grão quanto o do óleo de soja. Esse é um dos pontos da fórmula que a agência revela ao grande público.
A explicação é simples. Em primeiro lugar, a soja é responsável por uma fatia imensa do mercado brasileiro. Cerca de quatro em cada cinco litros que chegam ao mercado têm origem na oleaginosa. Assim, só colocando a soja como referência, a ANP já atende a uma fatia razoável do mercado. Mas quem usa outras matérias- -primas não sai perdendo; pelo contrário.
A soja tem preço mais alto do que a maior parte dos outros produtos que competem com ela. Quem usa sebo bovino na produção, por exemplo (e essa é a segunda matéria-prima mais comum no país, com cerca de 15% do mercado), sai ganhando na comparação.
As outras oleaginosas também estão, de uma ou de outra maneira, atreladas ao preço da soja. “Todo mundo usa o valor da soja porque os outros óleos seguem esse preço”, explica Ricardo de Gusmão Dornelles, diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia. Portanto, para o governo, balizar o preço do biodiesel pelo valor do óleo de soja faz sentido porque contempla todos os produtores, mesmo os que não se valem dessa matéria-prima.
Com isso, a ANP usa o preço de uma das matérias-primas com valor mais alto para compor o preço do leilão e acaba fazendo com que as usinas que utilizam matérias-primas alternativas sejam mais competitivas - ou fiquem com um lucro maior.
Sobre como calcula o preço da soja a ser inserido em sua planilha, a ANP pouco informa. Explica apenas que leva em consideração o valor usado nas bolsas de mercado futuro. “As estimativas de preços de matérias-primas para o período referente ao leilão são feitas com base nas cotações definidas nos mercados de derivativos, mais especificamente nos contratos futuros negociados nas principais bolsas de mercadorias e futuros”, afirma nota enviada pela agência à revista.
Essa estimativa de preço da soja não é algo simples de fazer. Grandes empresas do setor de grãos contam com dezenas de profissionais trabalhando apenas para saber qual será o preço da soja nos meses vindouros. Como o mercado de grãos não faz parte das atribuições da ANP, é esperado que erros no preço máximo do leilão ocorram. O maior deles ocorreu no 10º e 11º leilões, quando no dia anterior ao certame a agência subiu o preço máximo do biodiesel de R$ 2,40 para R$ 2,62. O temor era que sem as mudanças as usinas se recusassem a participar, já que o valor inical de R$ 2,40 não garantia rentabilidade para todas as usinas, e não houvesse oferta suficiente de biodiesel para atender a demanda. Após esse leilão nunca mais houve correção de preços, mas nem por isso o preço do biodiesel ficou atrelado ao preço da soja. A diferença entre o preço máximo do leilão e o preço do litro do óleo de soja, que já foi de R$ 0,57, atingiu no último leilão R$ 0,96 (veja gráfico). Esse valor considera o óleo com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço) e posto em São Paulo, o que faz com que o valor seja ainda maior nas regiões produtoras de soja e para as usinas que tem incentivos estaduais com o ICMS.