Coluna: Empurrãozinho para a gliceroquímica industrial
Apontado como um grande problema pelo excesso de produção inerente ao biodiesel, a glicerina passou, pelo menos nos EUA, a ser um insumo procurado com certa voracidade.
Em função da momentânea interrupção da produção americana do biodiesel, devido ao atraso na renovação da legislação de incentivo aos biocombustíveis (US$ 1/gal), ficou claro que o mercado americano é comprador de glicerina, sobretudo destilada (ou bidestilada), pagando cerca de US$ 3,10 por galão.
Pois em meados de março, o Senado americano finalmente aprovou a volta do incentivo, o que não deve retomar a produção de biodiesel (e conseqüentemente glicerina) nos mesmos volumes com que vinha sendo produzido nos anos anteriores. O incentivo é dado ao “blender” de biodiesel/diesel, e não ao produtor de biodiesel. Com a volta do incentivo, paga-se hoje pelo biodiesel cerca de US$ 2,50/gal, o que significa cerca de apenas R$ 1,20 por litro! Como todos sabem, esse valor é mais baixo que o preço dos óleos vegetais, o que inviabiliza a produção em larga escala, reduzindo as plantas aos óleos residuais como “yellow grease” e “brown grease”, ou gordura animal, este último já não tão barato. Por razões óbvias, as gorduras residuais normalmente geram uma glicerina um pouco pior que os óleos refinados.
Por que os produtores brasileiros de biodiesel não aproveitam essa oportunidade promovida pelo mercado norte-americano e investem em unidades de destilação de glicerina? Atualmente, existem tecnologias bem mais baratas do que há poucos anos atrás. O custo de instalação de uma unidade de destilação de glicerina é cerca de US$ 1 milhão para cada 1.000 litros/hora de capacidade. Considerando uma operação típica de 8.000 horas/ ano, essa dimensão equivaleria a uma planta de biodiesel de cerca de 80.000 t/ano. Observa-se que o custo de uma unidade de destilação de glicerina seria cerca de 5% do custo de uma unidade de biodiesel – menos da metade do que há três anos atrás.
No mês de março, participei da banca de tese de mestrado de Carolina Xavier, que a exemplo de Bianca Pinto, entre vários outros alunos, trabalha com o professor Claudio Mota na UFRJ. Esse grupo, juntamente com o professor Luiz Ramos, da UFPR, vem coordenando uma rede nacional de pesquisas sobre aplicações da glicerina, com financiamento da Finep/MCT. Uma boa parte dessas pesquisas não foram ainda aplicadas em maior escala pela falta de oferta de glicerina destilada no Brasil. De fato, a glicerina bruta ou mesmo a glicerina loira possuem um máximo de 80% de glicerol, contendo quantidades insuportáveis de sais, bases, sabões, gorduras, entre outros produtos que desativam a maior parte dos catalisadores usualmente conhecidos. Essa etapa de destilação de glicerina é o grande gargalo de inúmeros processos, e seria uma excelente contribuição para a indústria nacional se órgãos de fomento financiassem plantas piloto de destilação de glicerina e processos de transformação a ela associados.
Seria uma excelente oportunidade de verticalizar o uso da glicerina, produzindo aditivos para combustíveis, hidrogênio para as indústrias químicas e biorrefinarias, além de plásticos, compósitos, cosméticos, aditivos alimentícios, aditivos para exploração de petróleo, entre muitos outros produtos de que o Brasil é importador. Esse “empurrãozinho” para a gliceroquímica precisa vir o mais rápido possível, e pode gerar riquezas para o país comparáveis às do próprio biodiesel e seus enormes volumes.
Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.