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Utilização da glicerina em pequena escala com viabilidade


BiodieselBR.com - 05 jun 2010 - 09:40 - Última atualização em: 20 jan 2012 - 10:35
Escala local
Embora sem o apelo eco-high-tech das opções que andam sendo promovidas pela indústria química, há um bocado de gente investindo em novos usos para a glicerina que contam com a vantagem da simplicidade. São propostas que se tornam mais robustas e viáveis justamente por serem locais e não dependerem de escalas.

Na Escola Politécnica de Pernambuco, por exemplo, o professor Sérgio Peres tem trabalhado no desenvolvimento de um processo que usa glicerina para a produção de biometano. O processo consiste na degradação do material dentro de um biorreator e posterior purificação do biogás obtido para aumentar as concentrações de metano. Recentemente, os pesquisadores da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) começaram também a estudar a gaseificação direta da glicerina para a produção de metano e de hidrogênio.

A idéia é permitir que os fabricantes de biodiesel possam usar a glicerina de forma similar à que a indústria de etanol usa o bagaço de cana na cogeração de energia. “Outros usos para a glicerina precisam lidar com a questão logística. Na nossa proposta de uso para a geração de energia, é possível fazer tudo localmente”, explica Peres, que deve levar resultados mais precisos a respeito do balanço energético do uso da glicerina ao próximo congresso da RBTB.

Queima
Há quem defenda a queima da glicerina diretamente nas caldeiras das usinas. Existem pelo menos dois contratempos nessa estratégia. O primeiro deles é a acroleína, substância altamente cancerígena que pode se formar se a queima da glicerina não acontecer de forma controlada; a outra dificuldade, segundo Cláudio Mota, é que a glicerina de biodiesel contém muito sal, e isso não é nada bom para os equipamentos. “Quando você queima isso na sua caldeira, os sais ficam lá dentro e causam problemas graves de corrosão nos equipamentos”, comenta.

Esses obstáculos não foram o bastante para desanimar a Carbono Social, consultoria especializada em projetos para a geração de créditos de carbono. Em julho passado, a Cerâmica Trevo, de Mato Grosso do Sul, trocou a lenha por glicerina nos fornos utilizados para queimar os 240 mil tijolos que ela produz mensalmente. Embora a glicerina seja bem mais cara do que a lenha, o plano é que os quase 25 mil euros provenientes da venda das 5 mil toneladas de CO2 que o projeto deve render ao ano compensem os investimentos e custos adicionais. “É importante deixar claro que a acroleína só é emitida se a glicerina for queimada a até 300ºC. Depois disso, ela se degrada. Então, você precisa acompanhar a temperatura da queima cuidadosamente e só injetar a glicerina depois dessa temperatura”, explica o engenheiro Gabriel Toledo Piza, que acompanhou o projeto a pedido da Carbono Social. Quanto ao sal, a glicerina é entregue pela fornecedora purificada.

Dieta
Outro sumidouro promissor para a glicerina de biodiesel foi apontado por Bernardo Berenchtein em sua dissertação de mestrado defendida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em 2008. Ele pesquisou os efeitos do uso do glicerol na dieta de suínos, misturando diferentes proporções da substância (até 9%) numa dieta isoenergética e isoprotéica. Ele descobriu que a glicerina loura de biodiesel pode ser usada sem problemas na dieta dos suínos. “Não encontrei nenhuma diferença no desempenho dos animais, na qualidade das carcaças deles ou na qualidade da carne”, resume.

Berenchtein considera um pouco exagerados certos temores disseminados no meio acadêmico sobre a toxicidade dos contaminantes da glicerina de biodiesel na alimentação animal. “O maior vilão, de longe, é o metanol. Acontece que o metanol é bastante sensível à temperatura: basta aplicar um pouco de calor que ele vai embora”, diz. Já o medo de que a presença de contaminantes deixados por oleaginosas como a mamona possa provocar reações adversas nos animais é pouco realista. Praticamente 100% do biodiesel brasileiro é feito com soja, gordura animal e algodão. Embora não tenha chegado a calcular exatamente quanta glicerina a indústria de rações poderia absorver caso resolvesse incorporar o material em seus produtos, ele não tem dúvidas de que ela sumiria do mercado. “Eu não saberia te dar um número exato, mas, com certeza, faltaria material”, garante Berenchtein.

Pode ser que os grandes gargalos que afetam a viabilidade desse co-produto hoje em dia – notadamente a má qualidade da glicerina que sai das usinas e o custo para purificá-la – simplesmente deixem de ser um problema. “O processo produtivo do biodiesel está mudando para o uso de catalisadores de segunda ou de terceira geração, que geram uma glicerina de melhor qualidade. Aqui na UFPR temos um catalisador para o processo de transesterificação que resulta em uma glicerina de até 96% de glicerol. Ela pode ser facilmente transformada para o grau alimentício, por exemplo”, diz Luiz Pereira Ramos.

Está bem claro que alternativas ao aproveitamento de glicerina é coisa que não está em falta. É possível visualizar que no médio e longo prazo o mercado para o produto deve se estabilizar em volta de algumas das alternativas tecnológicas descritas por esta reportagem. A questão que fica é quanto tempo isso pode demorar e que tipo de danos a enxurrada atual de glicerina pode acabar causando. E o fato dos produtores estarem titubeando em assumir um papel na busca de uma solução não está ajudando. Sem falar que eles podem acabar perdendo bastante dinheiro por inação. “A gente precisa de uma conscientização dos produtores de biodiesel. Embora a glicerina possa gerar grandes ganhos para os fabricantes, são poucos os que me procuram para falar desse co-produto”, lamenta Cláudio Mota.
Tags: Glicerina