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Análise por cromatografia gasosa de glicerol livre e total em biodiesel: sililar ou não-sililar?


BiodieselBR.com - 19 fev 2009 - 14:18 - Última atualização em: 19 dez 2011 - 17:15
Análise por cromatografia gasosa de glicerol livre e total em biodiesel: sililar ou não-sililar? Eis a questão.

Por Nelson Roberto Antoniosi Filho e Daniela Rodrigues de Rezende do Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames) Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) ([email protected])

Dentre os parâmetros de avaliação do controle de qualidade de biodiesel estabelecidos pela resolução ANP no 7 (2008), os teores de glicerol livre e de glicerol ligado se destacam por estarem relacionados à pureza e à composição química do biodiesel.

O glicerol é um co-produto gerado nas principais reações de produção de biodiesel, podendo estar presente no produto final, apesar das várias etapas de remoção que são empregadas no processo produtivo. A combustão do glicerol livre ou associado a ácidos graxos pode ocasionar a formação de acroleína, a qual é amplamente conhecida devido a sua toxicologia [1]. Mono-, di- e triacilglicerídeos são provenientes da reação incompleta da matéria-prima graxa com o álcool e, juntamente com o glicerol livre, compõem o cálculo do teor de glicerol total.

Também é de amplo conhecimento que o glicerol livre e o glicerol ligado (mono-, di- e triacilglicerídeos) podem causar depósitos e carbonização dos bicos injetores, entupimento do filtro de combustível, formação de sedimentos e problemas de diluição do óleo lubrificante [4].

Assim, a maioria das especificações para biodiesel requer a determinação simultânea de glicerol livre, mono-, di-, triacilglicerídeos e glicerol total, o que é feito utilizando as normas EN 14105 ou ASTM D6584.

O primeiro registro de quantificação de ésteres, mono-, di- e triacilglicerídeos usando cromatografia gasosa capilar foi realizado por Freedman et al., em 1986, utilizando o agente sililante BSTFA (N,Obis( trimetilsilil)trifluoracetamida) para dar origem aos correspondentes derivados trimetilsililados dos grupos hidroxilas. Desde então, sililações semelhantes a essa repercutiram pelos trabalhos subseqüentes de quantificação de biodiesel por cromatografia gasosa, variando apenas o tipo de solvente e o agente sililante [3].

Os agentes sililantes mais empregados para a análise de glicerol livre e glicerol total são o BSTFA e o MSTFA (N-metil-N-trimetilsililtrifluoracetamida), sendo que MSTFA, na presença de piridina ou dimetilformamida, reage a temperatura ambiente, enquanto que o BSTFA na presença destes mesmos solventes ainda exige aquecimento a 70 °C ou a adição de um outro agente sililante (1% de trimetilclorosilano) para reagir a temperatura ambiente [5].

Diante dos vários inconvenientes apresentados pelas reações de sililação, tais como (1) representar uma etapa adicional à análise cromatográfica; (2) exigir a aquisição de reagente sililante de alto custo e baixa disponibilidade comercial; (3) utilizar convencionalmente a altamente tóxica piridina como catalisador; e (4) gerar derivados sililados de baixa estabilidade, buscou-se verificar a viabilidade de exclusão da etapa de sililação preconizadas pelas normas ASTM D6584 e EN 14105 no controle de qualidade de biodiesel [7].

Para isso, padrões de monoacilglicerídeo (MAG), diacilglicerídeos (DAG) e triacilglicerídeos (TAG) foram analisados por cromatografia gasosa, com e sem sililação, usando o agente sililante MSTFA. As análises cromatográficas foram realizadas em cromatógrafos a gás equipados com injetores split e oncolumn e Detector por Ionização em Chama (FID). A separação cromatográfica ocorreu em coluna capilar DB-5-HT (15 m x 0,25 mm x 0,1 μm). Trabalhou-se com o injetor split em temperaturas de 250 ºC, 300 ºC e 360 ºC, e injetor on-column a 360 ºC e acompanhando a temperatura do forno de 60 ºC a 380 ºC.

Inicialmente, padrões de diacilglicerídeos foram analisados por cromatografia gasosa sem sililação (Figura 1). Pode-se observar em todos os cromatogramas que além dos picos referentes aos padrões de DAG, apareceram picos de MAG e/ou TAG do ácido graxo correspondente ao padrão de DAG analisado. Em alguns casos, como nos cromatogramas dos padrões de dioleína e dierucina, os picos de mono- e/ou triacilglicerídeos foram preponderantes, sendo que os picos de diacilglicerídeos praticamente desapareceram.

Devido à presença de picos de mono- e/ou triacilglicerídeos nos cromatogramas de padrões de diacilglicerídeos, decidiu-se verificar o comportamento térmico de padrões de acilglicerídeos sililados e não-sililados em diferentes condições cromatográficas, notadamente a que se refere ao tipo e temperatura do injetor.

A análise de um padrão de dioleína em diferentes temperaturas do injetor split demonstrou que a variação de temperatura do injetor não provocou alterações no perfil cromatográfico do padrão de dioleína sililada (Figura 2), o qual foi definido por um único pico referente ao derivado sililado da dioleína. Em contrapartida, nos cromatogramas do padrão de dioleína não-sililada (Figura 3), foi detectada a presença de trioleína, sendo que quanto menor a temperatura do injetor, maior foi a quantidade de trioleína observada. Sendo assim, a sililação impede a ocorrência de alterações no padrão de diacilglicerídeo analisado em injetor split.

Também foi verificado que a dioleína não-sililada se converteu parcialmente em trioleína, enquanto a dioleína sililada apresentou-se como um único pico cromatográfico. Ao variar a temperatura inicial do injetor on-colum de 360 ºC para 60 ºC e depois para até 380 ºC, comprovou-se mais uma vez que as baixas temperaturas do injetor favorecem a conversão de compostos não-sililados.

As análises no modo de injeção on-column permitiram concluir que a alteração sofrida pelos padrões quando não-sililados não se deve exclusivamente à temperatura e às características do injetor split, uma vez que mesmo injetando mono- ou diaciglicerídeos não-sililados no interior da coluna, ainda assim foram detectados produtos provenientes de alguma reação intermolecular, porém em menor proporção do que a encontrada nas análises com injetor split.

Sendo assim, após análise de padrões de acilglicerídeos em diferentes condições cromatográficas, comprovou-se que houve reação intermolecular em todas as análises de padrões de MAG e DAG não-sililados. O fato de não serem encontrados produtos de reação intermolecular nas análises de padrões de acilglicerídeos sililados confirma a proteção dos grupos hidroxila com esse tipo de reação. Assim, propõe-se um mecanismo para a reação inicial entre as moléculas de partida. Como os produtos formados são sempre derivados do mesmo ácido graxo presente no padrão de acilglicerídeo analisado, supõe-se a ocorrência de uma conversão do padrão através de uma reação de substituição nucleofílica na carboxila. Nesse caso o grupo hidroxila de uma molécula de mono- ou diacilglicerídeo age como nucleófilo atacando a carboxila (centro eletrofílico) de outra molécula de mono- ou diacilglicerídeo (Figura 5).

Provavelmente, a partir dos produtos iniciais se sucede uma série de reações em cadeia, não sendo possível prever as quantidades de acilglicerídeos formados, já que em análises adicionais isso demonstrou ser influenciado pelas condições de uso da coluna, pela temperatura do forno e do injetor, pelo modo de injeção, dentre outros fatores [7].

Diante dos resultados apresentados, conclui-se que é inviável a análise de mono- e diacilglicerídeos por cromatografia gasosa sem a realização da etapa de sililação. A sililação é muito mais do que uma simples reação para melhorar o formato de picos e o sinal proveniente do detector do sistema cromatográfico. É sobretudo uma maneira eficaz de proteção dos grupos hidroxila contra reações intermoleculares que se desencadeiam ao longo do sistema cromatográfico quando se usa a técnica de cromatografia gasosa.


Agradecimentos
Ao MCT, Finep, Funape, Capes e CNPq pela concessão e administração dos recursos financeiros e bolsas concedidas para pesquisa em biodiesel no Lames/UFG. Aos pesquisados da RBTB pelas discussões acerca do trabalho.


Referências Bibliográficas

[1] EPA - Environmental Protection Agency. Toxicological review of acrolein. 2003. Acesso em: 04 jan. 2010.
[2] FREEDMAN, B.; KWOLEK, W. F.; PRYDE, E. H. Quantification of the analysis of transesterified soybean oil by capillary gas chromatography. Journal of the American Oil Chemists’ Society, v. 63, n.10, p. 1370-1375, 1986.
[3] KNOTHE, G. Analyzing Biodiesel: Standards and Other Methods. Journal of the American Oil Chemists’ Society, v. 83, n.10, 2006.
[4] MENEZES, S. M. C. Análises críticas para biodiesel. REDETEC – Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2008.
[5] PLANK, C. & LORBEER, E. Simultaneous determination of glycerol, and mono, di- and triglycerides in vegetable oil methyl esters by capillary gas chromatography. Journal of Chromatography A, v. 697, p. 461-468, 1995.
[6] RESOLUÇÃO ANP nº 7, de 19.03.08 – DOU 20.03.2008. Agência Nacional de Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis - ANP.
[7] REZENDE, D. R. Avaliação e desenvolvimento de métodos de caracterização e controle de qualidade de biodieseis metílicos e etílicos por cromatografia gasosa capilar a altas temperaturas. 2008. Universidade Federal de Goiás. Dissertação de Mestrado. 181 p.

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