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Novos Produtos e Processos a Partir da Glicerina de Produção de Biodiesel


BiodieselBR.com - 19 ago 2009 - 14:01 - Última atualização em: 19 dez 2011 - 17:52
Claudio J. A. Mota Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Química. Av. Athos da Silveira Ramos 149, CT Bloco A, 21941-909, Rio de Janeiro, Brasil. ([email protected])

O principal processo de produção de biodiesel é a transesterificação, em que óleos ou gorduras reagem com metanol ou etanol, normalmente sob ação de um catalisador básico. Nesta reação é produzido o biodiesel, que são ésteres graxos metílicos ou etílicos, e glicerina, formada em aproximadamente 10 % em peso. Com a implantação obrigatória do B3 desde meados de 2008, a previsão é de se ter cerca de 100 mil toneladas anuais de glicerina de produção de biodiesel. Este cenário irá mudar com a introdução do B5 até 2013, quando se espera uma produção ao redor de 250 mil toneladas/ano. Estes números contrastam com a demanda atual de glicerina no país, na faixa de 30 mil toneladas por ano [1], indicando a necessidade urgente de se encontrar novas utilizações para este co-produto da produção do biodiesel.

Uma das principais alternativas para o aproveitamento da glicerina excedente é sua transformação química em produtos de maior valor agregado e grande mercado consumidor. Neste ramo, destacamse duas principais aplicações: a utilização da glicerina como matéria-prima para a produção de insumos da indústria petroquímica e o desenvolvimento de derivados oxigenados da glicerina para mistura em combustíveis, como a gasolina, o diesel e o próprio biodiesel.

Processos de hidrogenação catalítica da glicerina a propilenoglicol, produto utilizado como aditivo anticongelante e na produção de polímeros, já estão em fase comercial de desenvolvimento no exterior. Também existem estudos [2] para a produção de epicloridrina, intermediário utilizado na produção de resinas epóxi, a partir da glicerina. Nossos esforços nesta área estão voltados para o desenvolvimento de um processo de transformação da glicerina em propeno (esquema 1), ainda inédito em todo o mundo. O propeno é um dos mais importantes insumos petroquímicos, sendo utilizado na fabricação do polipropileno. Atualmente, a produção nacional de propeno e polipropileno está por volta de 2,5 e 1,5 milhões de toneladas anuais, respectivamente. Todo o propeno produzido no país é derivado da nafta petroquímica ou do gás natural. Hoje o país importa cerca de 30 % da nafta petroquímica, e os problemas atuais de abastecimento do gás natural impedem que haja um estímulo ao seu emprego na área petroquímica. Assim, o desenvolvimento de rotas alternativas, sobretudo a partir de matérias-prima renováveis, aparece como uma grande oportunidade, não apenas para equilibrar a oferta do produto no mercado brasileiro, mas como forma de introduzir no país os chamados plásticos verdes.

O desenvolvimento de um processo para produção de propeno a partir da glicerina nasceu da parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a empresa Quattor Petroquímica, maior produtora latino-americana de polipropileno. O processo utilizando um catalisador proprietário foi patenteado e os estudos seguem em fase de desenvolvimento, estando prevista a construção de uma planta industrial para 2013. A figura 1 mostra a conversão e seletividade para a hidrogenação da glicerina a propeno com o catalisador proprietário, em regime de fluxo contínuo. Observa-se a conversão completa da glicerina e formação de propeno em cerca de 90 % de seletividade.

Outra aplicação da glicerina no ramo dos plásticos verdes é na produção de acroleína e ácido acrílico. Este último é utilizado na produção de polímeros superabsorventes, utilizados em fraldas descartáveis. A acroleína é também um importante intermediário em inúmeros processos, destacando-se a produção da metionina, um aminoácido utilizado em ração animal. A rota tecnológica atual emprega a oxidação do propeno a acroleína, e posteriormente a oxidação desta a ácido acrílico [3]. No Brasil, não existe planta industrial de produção de ácido acrílico, e o país importa todos os produtos oriundos desta substância.

O grande desafio é desenvolver um processo direto, em uma única etapa, para transformar a glicerina em ácido acrílico (esquema 2). Isso pode ser efetivado utilizando um catalisador bifuncional, que possua função ácida para desidratar a glicerina a acroleína, e função oxidante para oxidá-la, na seqüência, até ácido acrílico. Estudos iniciais em nossos laboratórios mostraram que é possível conseguir cerca de 90 % de seletividade a acroleína, com 100 % de conversão da glicerina, apenas ajustando a acidez do catalisador e as condições reacionais. Nossos estudos prosseguem, tentando ajustar as propriedades oxidativas do catalisador bifuncional, de forma a melhorar a seletividade a ácido acrílico.

Os aditivos oxigenados para combustíveis ganham importância a cada dia. Na gasolina eles melhoram as propriedades de queima, aumentando a octanagem e diminuindo a emissão de monóxido de carbono, e no diesel eles diminuem a emissão de particulados e aumentam a lubricidade. No Brasil, o etanol é utilizado em mistura com a gasolina há mais de 30 anos, e até alguns anos atrás, o metil-t-butil-éter (MTBE) era o principal aditivo oxigenado utilizado na Europa e Estados Unidos. Sua utilização nesses locais foi proibida devido a suspeitas de propriedades carcinogênicas. Em 2003, a produção de MTBE em todo o mundo alcançou cerca de 20 milhões de toneladas e atualmente há espaço para introdução de substitutos, sobretudo oriundos de matérias-prima renováveis.

A glicerina é um triol com alto ponto de ebulição e insolúvel em hidrocarbonetos. Portanto, ela não pode ser diretamente misturada com gasolina, diesel e biodiesel. A funcionalização das hidroxilas leva a derivados éteres, ésteres e acetais, que possuem aplicações potenciais para mistura em combustíveis.

Acetais e cetais são compostos químicos formados pela reação de alcoóis com aldeídos e cetonas, respectivamente, sob ação de um catalisador ácido. Recentemente, estudamos a reação da glicerina com formaldeído e acetona em diversos catalisadores heterogêneos, obtendo altas conversões e seletividade [4,5]. O cetal derivado da reação de glicerina com acetona (esquema 3) foi testado em mistura com gasolina, aumentando em cerca de dois pontos o número de octanas e diminuindo consideravelmente a formação de goma.

Acetais e cetais de maior cadeia hidrocarbônica também podem ser preparados pela mesma rota, mas a conversão diminui com o aumento da cadeia. Em um estudo, preparamos acetais da glicerina com butiraldeído, valeraldeído, capronaldeído, octanal e decanal. Os produtos foram misturados com biodiesel de sebo (B100), para teste das propriedades de fluidez. Os resultados mostraram que o acetal derivado da reação com butiraldeído diminuiu em até 5 oC o ponto de fluidez do biodiesel de sebo. Os demais acetais também diminuíram o ponto de fluidez, mas em menor grau. Atualmente, estamos desenvolvendo acetais da glicerina com aldeídos aromáticos, para utilização como antioxidantes. Estudos preliminares indicaram que alguns destes derivados possuem performance similar à de antioxidantes comerciais, normalmente utilizados em biodiesel de soja. Estes resultados mostram que acetais e cetais da glicerina têm grande potencial para utilização em mistura com combustíveis.

Os éteres da glicerina também têm sido bastante citados na literatura. O mais comum é o t-butilglicerol éter (TBGE), normalmente obtido pela reação da glicerina com isobuteno em condições de catálise ácida [6]. Alguns testes mostraram que este produto possui potencial de mistura com combustíveis, melhorando as propriedades de queima [7]. O grande inconveniente é a utilização do isobuteno como reagente, já que é um derivado fóssil.

Nosso grupo estuda a eterificação da glicerina com alcoóis, sob ação de catalisadores ácidos. Em um dos trabalhos conseguimos produzir éteres pela reação da glicerina com etanol na presença de catalisadores ácidos heterogêneos. Os éteres derivados desta reação são oriundos de matéria-prima 100 % renovável e poderiam integrar as cadeias do biodiesel e do etanol. Eles têm potencial para melhorar a lubricidade do diesel, devido à presença dos átomos de oxigênio, assim como melhorar a fluidez do biodiesel de sebo.

Por fim, podemos citar os ésteres de glicerina, sobretudo as acetinas, que são derivados acetilados da glicerina. A triacetina, ou glicerol triacetato, possui grande aplicação comercial, sobretudo na indústria do fumo, onde é utilizada como plastificante de celulose para filtros de cigarro. Uma aplicação mais recente é na melhoria da viscosidade e propriedade de fluidez de biodiesel [8]. Nosso grupo estudou a acetilação da glicerina com ácido acético em diferentes catalisadores ácidos [9]. A seletividade da triacetina foi baixa na maioria dos catalisadores, devido à reversibilidade da reação. Entretanto, o uso de anidrido acético como reagente e uma zeólita ácida como catalisador levou à obtenção de triacetina em 100 % de rendimento, em apenas 30 minutos, na temperatura de 60 oC.

Os estudos permitem concluir que a glicerina de produção de biodiesel pode ser transformada em produtos de maior valor agregado, como insumos petroquímicos para produção de plásticos e derivados oxigenados para mistura em combustíveis. Estas duas áreas se mostram bastante atrativas, já que manipulam grandes volumes de produto e têm desafios técnicos, como a melhoria de propriedades de fluidez e de oxidação no caso do biodiesel, ou logísticos, como a questão do suprimento de nafta petroquímica.


Agradecimentos
O autor agradece o apoio financeiro da Quattor Petroquímica, RepsolYPF, MCT, FINEP, CNPq e FAPERJ.


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A Revista BiodieselBR está abrindo este espaço para publicação de artigos técnicos. A sessão será coordenada pelos Professores Donato A. G. Aranda e Paulo A. Z. Suarez, os quais irão selecionar e referendar artigos técnicos enviados a partir de convites ou de forma espontânea por pesquisadores e técnicos ligados ao setor de biodiesel. Serão selecionados artigos técnicos com até 14 mil caracteres onde sejam discutidos aspectos de interesse da comunidade de biodiesel: produção, extração e purificação de óleos e gorduras; produção, purificação, análise, armazenamento e uso de biocombustíveis; aspectos sociais, políticos e econômicos relacionados à produção e uso deste biocombustível. Os artigos podem descrever resultados novos de pesquisa bem como revisar assuntos publicados em outros veículos. Nesta primeira edição, o artigo é assinado pelos próprios colunistas, mas a partir da próxima edição esperam-se artigos assinados por diferentes autores, seja por convite ou iniciativa própria.
Os artigos técnicos devem ser encaminhados para o e-mail [email protected]


Referências Bibliográficas
[1] Anuário da Industria Química Brasileira 2005, São Paulo.
[2] P. Krafit, C. Franck, I. de Andolenko, R. Veyrac, US pat. 20080281132.
[3] P. Kampe, L. Giebelder, D. Smuelis, J. Kunert, A. Drochner, F. Haass, A. H. Adams, J. Ott, S. Endres, G. Shimanke, T. Buhrmester, M. Martin, H. Fuess, H. Vogel, Physical Chemistry and Chemical Physics, v.9, p. 3577, 2007.
[4] C. J. A. Mota, V. L. C. Gonçalves, PI 0702282-4.
[5] C. X. A. da Silva, V. L. C. Gonçalves, C. J. A. Mota, Green Chemistry, v. 11, p. 38, 2009.
[6] R. Wessendorf, Erdoel & Kohle Erdgas Petrochemie v.48, p. 138,1995.
[7] R. S. Karinen, A. O. I. Krause, Applied Catalysis A: General, v. 306, p. 128, 2003.
[8] E. Garcia, M. Laca, E. Pérez, A. Garrido, J. Peinado, Energy & Fuels, v. 22. p. 4274, 2008.
[9] V. L. C. Gonçalves, B. P. Pinto, J. C. Silva, C. J. A. Mota, Cataysis Today, v. 133-135, p. 673, 2008.