Coluna: Catálise Heterogênea
Quem freqüenta congressos científicos
ou tem acesso a revistas
científicas percebe que, tanto
no Brasil como no resto do
mundo, é cada vez maior a quantidade
de cientistas que tentam desenvolver
catalisadores heterogêneos para a
produção de biodiesel pela transesterificação
de óleos e gorduras. Dentre
as opções apresentadas pelos cientistas
podem ser citados diversos tipos
de compostos químicos sólidos, tanto
naturais como sintéticos. Mais do
que apenas interesse científico, uma
tecnologia desenvolvida na França
usando catalisadores heterogêneos
começa a ser aplicada em escala, havendo
notícias de que no Brasil ela
será utilizada por uma empresa que
está sendo construída em São Paulo.
Provavelmente, muitos interessados
em biodiesel devem estar se perguntando
qual seria a vantagem dessa
nova tecnologia em relação ao processo
tradicional.
A rota de transesterificação alcalina
homogênea para a produção
de biodiesel, que utiliza como catalisadores
soda cáustica ou outras bases
fortes, foi desenvolvida na Bélgica na
década de 1930. De fato, a primeira
patente mundial de biodiesel foi depositada
em 1937 pelo belga Charles
Chavanne, que é considerado o inventor
do biodiesel, quando foi reivindicada
uma tecnologia muito similar à
utilizada até hoje pela indústria no
mundo. No Brasil, apenas uma empresa
em operação e uma outra em
construção não a utilizam. A favor
dessa tecnologia estão os baixos custos
e a alta atividade dos catalisadores
básicos utilizados, como o hidróxido
ou o metóxido de sódio, que tornam o
processo extremamente rápido e barato.
Como principal limitante para
a tecnologia tem-se a necessidade do
uso de insumos de alta qualidade, ou
seja, as matérias-primas devem estar
isentas ou com baixíssimos teores
(usualmente recomenda-se inferior a
0,5%) de ácidos graxos livres, fosfatídeos
(gomas) e água. Assim, não é
possível o uso de óleos ou gorduras
brutas e de álcool hidratado, que são
matérias-primas muito mais baratas
quando comparadas às exigidas pela
tecnologia alcalina tradicional.
Para fazer biodiesel com matérias-
primas de baixa qualidade foi
desenvolvida nos Estados Unidos na
década de 1940 a tecnologia de transesterificação
utilizando a catálise
ácida, sendo reivindicado em 1944
pelo cientista Gerald Inman Keim
um processo utilizando ácidos fortes,
como os ácidos sulfúrico e clorídrico.
A principal característica desses
catalisadores é a alta tolerância à presença
de ácidos graxos livres e gomas
na matéria-prima usada para a produção
de biodiesel. No entanto, essa
tecnologia não se popularizou como
a rota alcalina devido ao fato de os
catalisadores ácidos serem bem menos
ativos, sendo necessário utilizar
temperaturas mais altas para conseguir
bons rendimentos mesmo em
tempos bem maiores, e ao alto poder
corrosivo desses catalisadores, que
exigiam materiais de construção dos
equipamentos muito caros.
Os catalisadores heterogêneos
que têm apresentado bons resultados
são sólidos ácidos, o que faz com
que eles tenham atividade frente à
transesterificação. No entanto, pelo
simples fato de serem sólidos, não
provocam corrosão nos equipamentos.
A atividade catalítica desses catalisadores
é bastante variável, dependendo
muito das características da
superfície e da composição química
do sólido. Deve-se destacar que já foram
descritos diversos catalisadores
sólidos que apresentam atividades
muito parecidas com os catalisadores
básicos, os quais conseguem bons
rendimentos em tempos e temperaturas
comparáveis.
Além disso, esses catalisadores
sólidos apresentam outras vantagens.
Eles podem ser recuperados no final
da reação e reusados inúmeras vezes,
o que permite o desenvolvimento de
processos contínuos utilizando reatores
tubulares de leito fixo, como o
descrito na patente francesa citada no
início do texto. Outra grande vantagem
é o fato de se produzir glicerina
com alto teor de pureza, praticamente
não apresentando coloração, o que facilita
a sua purificação, aumentando,
assim, o valor desse co-produto.
Por essas razões, acredita-se que
os catalisadores heterogêneos são potenciais
substitutos dos catalisadores
alcalinos largamente utilizados pela
indústria do biodiesel. No entanto,
deve-se salientar que uma possível
substituição dos catalisadores não
poderá ser feita diretamente nas unidades
hoje instaladas, sendo necessárias
instalações bastante diferentes.
Porém, está cada vez mais claro
para técnicos e especialistas da área
que num futuro não muito distante
deverá ocorrer uma substituição da
tecnologia alcalina tradicional por
processos utilizando catalisadores
heterogêneos.
Paulo Suarez é professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (IQ-UnB)
e vencedor do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2005.