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Coluna: Catálise Heterogênea


Paulo Suarez - 11 fev 2009 - 16:24 - Última atualização em: 20 dez 2011 - 10:42

Quem freqüenta congressos científicos ou tem acesso a revistas científicas percebe que, tanto no Brasil como no resto do mundo, é cada vez maior a quantidade de cientistas que tentam desenvolver catalisadores heterogêneos para a produção de biodiesel pela transesterificação de óleos e gorduras. Dentre as opções apresentadas pelos cientistas podem ser citados diversos tipos de compostos químicos sólidos, tanto naturais como sintéticos. Mais do que apenas interesse científico, uma tecnologia desenvolvida na França usando catalisadores heterogêneos começa a ser aplicada em escala, havendo notícias de que no Brasil ela será utilizada por uma empresa que está sendo construída em São Paulo. Provavelmente, muitos interessados em biodiesel devem estar se perguntando qual seria a vantagem dessa nova tecnologia em relação ao processo tradicional.

A rota de transesterificação alcalina homogênea para a produção de biodiesel, que utiliza como catalisadores soda cáustica ou outras bases fortes, foi desenvolvida na Bélgica na década de 1930. De fato, a primeira patente mundial de biodiesel foi depositada em 1937 pelo belga Charles Chavanne, que é considerado o inventor do biodiesel, quando foi reivindicada uma tecnologia muito similar à utilizada até hoje pela indústria no mundo. No Brasil, apenas uma empresa em operação e uma outra em construção não a utilizam. A favor dessa tecnologia estão os baixos custos e a alta atividade dos catalisadores básicos utilizados, como o hidróxido ou o metóxido de sódio, que tornam o processo extremamente rápido e barato. Como principal limitante para a tecnologia tem-se a necessidade do uso de insumos de alta qualidade, ou seja, as matérias-primas devem estar isentas ou com baixíssimos teores (usualmente recomenda-se inferior a 0,5%) de ácidos graxos livres, fosfatídeos (gomas) e água. Assim, não é possível o uso de óleos ou gorduras brutas e de álcool hidratado, que são matérias-primas muito mais baratas quando comparadas às exigidas pela tecnologia alcalina tradicional.

Para fazer biodiesel com matérias- primas de baixa qualidade foi desenvolvida nos Estados Unidos na década de 1940 a tecnologia de transesterificação utilizando a catálise ácida, sendo reivindicado em 1944 pelo cientista Gerald Inman Keim um processo utilizando ácidos fortes, como os ácidos sulfúrico e clorídrico. A principal característica desses catalisadores é a alta tolerância à presença de ácidos graxos livres e gomas na matéria-prima usada para a produção de biodiesel. No entanto, essa tecnologia não se popularizou como a rota alcalina devido ao fato de os catalisadores ácidos serem bem menos ativos, sendo necessário utilizar temperaturas mais altas para conseguir bons rendimentos mesmo em tempos bem maiores, e ao alto poder corrosivo desses catalisadores, que exigiam materiais de construção dos equipamentos muito caros.

Os catalisadores heterogêneos que têm apresentado bons resultados são sólidos ácidos, o que faz com que eles tenham atividade frente à transesterificação. No entanto, pelo simples fato de serem sólidos, não provocam corrosão nos equipamentos. A atividade catalítica desses catalisadores é bastante variável, dependendo muito das características da superfície e da composição química do sólido. Deve-se destacar que já foram descritos diversos catalisadores sólidos que apresentam atividades muito parecidas com os catalisadores básicos, os quais conseguem bons rendimentos em tempos e temperaturas comparáveis.

Além disso, esses catalisadores sólidos apresentam outras vantagens. Eles podem ser recuperados no final da reação e reusados inúmeras vezes, o que permite o desenvolvimento de processos contínuos utilizando reatores tubulares de leito fixo, como o descrito na patente francesa citada no início do texto. Outra grande vantagem é o fato de se produzir glicerina com alto teor de pureza, praticamente não apresentando coloração, o que facilita a sua purificação, aumentando, assim, o valor desse co-produto.

Por essas razões, acredita-se que os catalisadores heterogêneos são potenciais substitutos dos catalisadores alcalinos largamente utilizados pela indústria do biodiesel. No entanto, deve-se salientar que uma possível substituição dos catalisadores não poderá ser feita diretamente nas unidades hoje instaladas, sendo necessárias instalações bastante diferentes. Porém, está cada vez mais claro para técnicos e especialistas da área que num futuro não muito distante deverá ocorrer uma substituição da tecnologia alcalina tradicional por processos utilizando catalisadores heterogêneos.

Paulo Suarez é professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (IQ-UnB) e vencedor do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2005.