Revolução verde
O biodiesel é o futuro. Mas como resolver os problemas que enfrentam no presente produtores e usineiros? Especialistas indicam qual o caminho e o que esperar para o setor em 2008, quando passa a valer a lei do B2.
Liliana Negrello e Luciana Zenti, de Curitiba
Agora está perto. Faltam cerca de três meses para que a adição de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo seja obrigatória em todo o território nacional. Desde que a lei federal que criou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel foi aprovada, em 2004, o setor caminhou a passos largos e os números mostram que há, sim, motivos para comemorar.
Em pouco menos de três anos 41 unidades produtoras de biodiesel foram autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 40 a finalização do processo. Tudo isso sem mencionar as unidades ainda não autorizadas, que estão fora das estatísticas oficiais mas que, de acordo com o levantamento da Biodieselbr, podem chegar a outras 70 usinas.
Mesmo antes da obrigatoriedade do B2 começar a vigorar, muitas distribuidoras de combustíveis já estão comercializando o biodiesel, de olho no marketing da energia limpa. A venda já é uma realidade em 16% das revendedoras, atingindo perto de seis mil postos espalhados por todo o país.
A verdade é que a corrida do biodiesel começou e cada usineiro, da sua forma, está de olho no mar de oportunidades para manter-se na onda. Hoje há capacidade autorizada para produzir no Brasil 1,88 bilhão de litros, suficiente para atender ao B4. Muito além dos 840 milhões de litros que o governo federal espera estar sendo vendidos nas bombas em janeiro de 2008.
Ainda que o cenário se mostre favorável, dúvida é a palavra de ordem do setor. Principalmente no que se refere aos preços. Hoje o lucro dos usineiros com o combustível é pequeno – ou inexistente -, mas a tendência é que, a partir de janeiro, a obrigatoriedade do B2 tenha um impacto positivo no preço final do biodiesel. “O valor pago pelo combustível será aquele que as usinas determinarem, mesmo que o óleo de soja continue subindo”, diz Univaldo Vedana, analista da área de biodiesel. “As usinas que estão preparadas e bem administradas terão custos menores e, por isso, serão mais competitivas”, completa o especialista.
A pergunta que ronda os empresários é se a meta do B2 será de fato atingida. Especialistas são unânimes ao garantir que o Brasil tem capacidade de produzir a quantidade de biodiesel necessária para alcançar a meta estipulada, mas muitos apostam que essa produção não chegará às distribuidoras. A pista para isso são os contratos assinados entre Petrobras e usinas nos cinco leilões realizados pela estatal para a compra de biodiesel.
Mesmo com todo o otimismo que o governo federal tem procurado demonstrar, a própria ANP já sabe que a entrega não vai sair do papel. Segundo a agência, até o final de agosto foram entregues 161,5 milhões de litros do volume contratado em todos os leilões, que é de 885 milhões de litros. E, infelizmente, já começaram a surgir as más notícias: 63,4 milhões de litros foram cancelados devido ao encerramento do prazo para a entrega e o atraso dos produtores. “A estimativa é de que de 60 a 70% do volume contratado seja entregue até o final de dezembro de 2007”, diz o coordenador da Comissão Executiva Ministerial do Biodiesel – subordinada à Casa Civil da Presidência da República -, Rodrigo Augusto Rodrigues. Mesmo abaixo do previsto, o representante do governo federal considera que temos bons números. “Esse é um resultado muito auspicioso, tendo em vista o objetivo dos leilões, que foi a alavancagem do setor”, completa.
Sem os leilões, o biodiesel brasileiro ainda estaria engatinhando. A garantia de compra da produção deu o impulso que os usineiros precisavam para lançar-se no novo negócio. Além disso, a iniciativa teve o mérito de estruturar a cadeia do biodiesel no Brasil e estimulou o mercado interno, sem falar na credibilidade que conferiu ao programa nacional. Essa é a opinião de Gonzalo Terracini, analista da FCStone, empresa de consultoria especializada em commodities. “A iniciativa da Petrobras amenizou a assimetria de informações quanto a preços e custos em um mercado ainda nascente”, acredita.
Para o presidente da União Brasileira de Biodiesel (Ubrabio), Odacir Klein, benefícios como esses levam os empresários do setor a defender que os leilões tenham continuidade, pelo menos neste primeiro momento. O principal motivo seria a manutenção de preços competitivos. Hoje o biodiesel tem um custo maior do que o diesel de petróleo nas bombas. Sem o apoio governamental, os custos, certamente, tendem a subir. “É preciso que tenhamos mecanismos de equalização de preços. Caso isso não seja feito pela Petrobras, o aumento será sentido pelos consumidores nas bombas”, diz Klein.
Ao criar o Programa Nacional de Biodiesel, o governo tomou uma decisão audaciosa: estipulou que a produção do combustível verde estaria atrelada à agricultura familiar, servindo, assim, como instrumento de inclusão social. O problema é que a agricultura dos pequenos não acompanhou os investimentos dos grandes usineiros. Sem estrutura e com opções insuficientes de financiamentos agrícolas, pequenos produtores viram seus custos subirem às alturas e muitos tiveram dificuldades em cumprir os contratos. E, sem matéria-prima, quem perde são as usinas. Foi o que aconteceu com a Granol.
Hoje a produção da empresa está sustentada no óleo de soja produzido nas plantas próprias. Mas 14% da matéria-prima vêm da agricultura familiar. Ao optar por pequenos fornecedores, a indústria recebeu do Ministério do Desenvolvimento Agrário o Selo Combustível Social, um instrumento do governo federal de estímulo aos pequenos produtores que prevê benefícios fiscais para usineiros que optem por essa mão-de-obra.
Em contrapartida, viu-se de mãos vazias na hora de receber a matéria-prima contratada. “Tivemos vários casos de inadimplência dos contratos da agricultura familiar porque os produtores não conseguiram recursos financeiros suficientes e em tempo hábil para o plantio”, conta a diretora financeira da Granol, Paula Regina Gomes Cadette Ferreira. De acordo com a executiva, a empresa compra os grãos com preços acima do mercado e oferece assistência técnica no plantio e na solicitação de financiamento bancário mas, nem assim, a produção é satisfatória. “Não temos condições de prover os produtores de todo o recurso necessário”, afirma a diretora.
O contraste é claro. É uma guerra de gigantes contra nanicos. Enquanto as usinas estão equipadas com tecnologia de ponta, os produtores amargam burocráticas filas para conseguir financiamento agrícola. “O governo faz as contas a partir da capacidade de produção instalada, mas as máquinas só funcionam se houver matéria-prima”, alerta o senador João Tenório (PSDB-AL), presidente da Subcomissão Permanente de Biocombustíveis (Crabio), que funciona no âmbito da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. “As indústrias se prepararam, mas a produção agrícola ainda não”, complementa.
Um dos entraves para o financiamento é a falta do zoneamento agrícola, um estudo do Ministério da Agricultura que determina quais culturas devem ser plantadas em cada região. Para conseguir a liberação de recursos os produtores devem cultivar as oleaginosas previstas nas análises.
A questão é que, quando se trata de matérias-primas para o biodiesel, sobram incertezas e faltam pesquisas que dêem garantias de uma boa colheita. Por isso, o governo federal promete, mas não libera o zoneamento. Sabe-se hoje que existe uma infinidade de plantas aptas a produzir biodiesel, entre elas o girassol, o dendê, a mamona e o pinhão manso. Mas 90% da produção é feita com soja. E há uma razão simples para isso. A oferta de soja hoje é imensamente maior se comparada ao sebo bovino e às outras plantas, que ainda passam por estudos de viabilidade econômica e produtividade.
Outro fator que tem desanimado os usineiros são as constantes altas do custo da soja no mercado internacional. Muitos especialistas acreditam que a escalada de preços continue em 2008. Gonzalo Terracini, no entanto, diz que é cedo para fazer previsões. “A produção do biodiesel em larga escala irá criar uma nova demanda na área de produção de soja, principalmente no percentual que origina o óleo”. Ele acredita que seja necessário um aumento de pelo menos 15,7% na área plantada com soja para atender um acréscimo de 5% na demanda de óleos vegetais para a produção do B5. “Estamos frente a um ciclo de preços altos para as commodities. Não vejo os preços de óleo caindo em curto prazo”, avalia Terracini. Ele diz que não é possível especificar o nível de preços do óleo de soja quando começar a vigorar a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel de petróleo, mas faz uma importante lembrança. “Em janeiro estaremos no pico da entressafra da soja, o que indica que provavelmente o preço do óleo esteja mais alto”, acredita.
Para Rodrigo Augusto Rodrigues, as turbulências podem ser evitadas se os usineiros conseguirem fechar contratos de fornecimento de matéria-prima em médio e longo prazo. “A verticalização da produção com economias de escala e escopo no processo, agregando valor ao negócio de extração de óleo vegetal, é uma forma de reduzir os custos de produção”, afirma. Essa seria uma forma, segundo ele, de evitar a importação de óleo de soja. “Dada a diversidade de matérias-primas admitidas na produção de biodiesel, seria uma vergonha e um fracasso termos que recorrer de forma regular à importação de óleo de soja”, afirma.
De olho nas incertezas do futuro, algumas empresas já estão partindo para o uso de outras matérias-primas. A Bertin investiu R$ 42 milhões em uma usina inaugurada há poucos meses em Lins, no interior de São Paulo. A unidade está sendo 100% abastecida com sebo bovino originado do frigorífico do grupo e de outros fornecedores. A expectativa é de que sejam produzidos 110 milhões de litros de biodiesel por ano. “É preciso pesar o custo da matéria-prima e o preço de comercialização do combustível”, diz o diretor industrial da Bertin Biodiesel César Abreu. A unidade está preparada para trabalhar com qualquer tipo de óleo vegetal e a escolha da matéria-prima, segundo ele, dependerá da oferta de mercado. “A viabilidade econômica do processo deve ser preservada”.
O quadro atual indica que é preciso, mais do que nunca, que o Brasil deixe de ser um refém da soja e aumente as pesquisas na área. O que se vê no entanto, é que as matérias-primas alternativas à soja ainda passam por processos de experimentação e estão longe de representar um porto seguro para os empresários do setor. “Essas matérias-primas não apresentam estruturas produtivas e de comercialização desenvolvidas, implicando em potenciais riscos quanto à oferta inconstante e maiores riscos”, diz Terracini.
Caso o Brasil trilhe o caminho anunciado pelos otimistas, o pulo deve ser ainda maior, fazendo com que os agricultores alcancem o mercado externo. Para chegar lá, no entanto, teremos um desafio pela frente – adequar a produção às normas européias e norte-americanas. Gonzalo Terracini diz que exportar é possível, mas defende que antes o biodiesel se consolide na matriz energética brasileira, melhorando os canais de produção e distribuição.
Depois disso, o caminho para os brasileiros, segundo ele, está aberto. “As exportações do combustível serão uma conseqüência natural da maturação da cadeia produtiva do biodiesel”, diz. “O Brasil, com sua extensão territorial, é considerado um dos países mais bem preparados para explorar a biomassa para fins energéticos”, anima-se. Basta agora torcer para que o país faça a lição de casa e entre em 2008 com o pé direito.
Liliana Negrello e Luciana Zenti, de Curitiba
Liliana Negrello e Luciana Zenti, de Curitiba
Agora está perto. Faltam cerca de três meses para que a adição de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo seja obrigatória em todo o território nacional. Desde que a lei federal que criou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel foi aprovada, em 2004, o setor caminhou a passos largos e os números mostram que há, sim, motivos para comemorar.
Em pouco menos de três anos 41 unidades produtoras de biodiesel foram autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 40 a finalização do processo. Tudo isso sem mencionar as unidades ainda não autorizadas, que estão fora das estatísticas oficiais mas que, de acordo com o levantamento da Biodieselbr, podem chegar a outras 70 usinas.
Mesmo antes da obrigatoriedade do B2 começar a vigorar, muitas distribuidoras de combustíveis já estão comercializando o biodiesel, de olho no marketing da energia limpa. A venda já é uma realidade em 16% das revendedoras, atingindo perto de seis mil postos espalhados por todo o país.
A verdade é que a corrida do biodiesel começou e cada usineiro, da sua forma, está de olho no mar de oportunidades para manter-se na onda. Hoje há capacidade autorizada para produzir no Brasil 1,88 bilhão de litros, suficiente para atender ao B4. Muito além dos 840 milhões de litros que o governo federal espera estar sendo vendidos nas bombas em janeiro de 2008.
Ainda que o cenário se mostre favorável, dúvida é a palavra de ordem do setor. Principalmente no que se refere aos preços. Hoje o lucro dos usineiros com o combustível é pequeno – ou inexistente -, mas a tendência é que, a partir de janeiro, a obrigatoriedade do B2 tenha um impacto positivo no preço final do biodiesel. “O valor pago pelo combustível será aquele que as usinas determinarem, mesmo que o óleo de soja continue subindo”, diz Univaldo Vedana, analista da área de biodiesel. “As usinas que estão preparadas e bem administradas terão custos menores e, por isso, serão mais competitivas”, completa o especialista.
A pergunta que ronda os empresários é se a meta do B2 será de fato atingida. Especialistas são unânimes ao garantir que o Brasil tem capacidade de produzir a quantidade de biodiesel necessária para alcançar a meta estipulada, mas muitos apostam que essa produção não chegará às distribuidoras. A pista para isso são os contratos assinados entre Petrobras e usinas nos cinco leilões realizados pela estatal para a compra de biodiesel.
Mesmo com todo o otimismo que o governo federal tem procurado demonstrar, a própria ANP já sabe que a entrega não vai sair do papel. Segundo a agência, até o final de agosto foram entregues 161,5 milhões de litros do volume contratado em todos os leilões, que é de 885 milhões de litros. E, infelizmente, já começaram a surgir as más notícias: 63,4 milhões de litros foram cancelados devido ao encerramento do prazo para a entrega e o atraso dos produtores. “A estimativa é de que de 60 a 70% do volume contratado seja entregue até o final de dezembro de 2007”, diz o coordenador da Comissão Executiva Ministerial do Biodiesel – subordinada à Casa Civil da Presidência da República -, Rodrigo Augusto Rodrigues. Mesmo abaixo do previsto, o representante do governo federal considera que temos bons números. “Esse é um resultado muito auspicioso, tendo em vista o objetivo dos leilões, que foi a alavancagem do setor”, completa.
Sem os leilões, o biodiesel brasileiro ainda estaria engatinhando. A garantia de compra da produção deu o impulso que os usineiros precisavam para lançar-se no novo negócio. Além disso, a iniciativa teve o mérito de estruturar a cadeia do biodiesel no Brasil e estimulou o mercado interno, sem falar na credibilidade que conferiu ao programa nacional. Essa é a opinião de Gonzalo Terracini, analista da FCStone, empresa de consultoria especializada em commodities. “A iniciativa da Petrobras amenizou a assimetria de informações quanto a preços e custos em um mercado ainda nascente”, acredita.
Para o presidente da União Brasileira de Biodiesel (Ubrabio), Odacir Klein, benefícios como esses levam os empresários do setor a defender que os leilões tenham continuidade, pelo menos neste primeiro momento. O principal motivo seria a manutenção de preços competitivos. Hoje o biodiesel tem um custo maior do que o diesel de petróleo nas bombas. Sem o apoio governamental, os custos, certamente, tendem a subir. “É preciso que tenhamos mecanismos de equalização de preços. Caso isso não seja feito pela Petrobras, o aumento será sentido pelos consumidores nas bombas”, diz Klein.
Guerra entre gigantes e nanicos
De uma forma ou de outra, a questão é que há furos na entrega e na retirada do combustível comprado pela Petrobras. A falha estaria acontecendo devido a vários fatores, entre eles, a dificuldade de se obter matéria-prima. A causa do problema não estaria nas indústrias e, sim, na lavoura.Ao criar o Programa Nacional de Biodiesel, o governo tomou uma decisão audaciosa: estipulou que a produção do combustível verde estaria atrelada à agricultura familiar, servindo, assim, como instrumento de inclusão social. O problema é que a agricultura dos pequenos não acompanhou os investimentos dos grandes usineiros. Sem estrutura e com opções insuficientes de financiamentos agrícolas, pequenos produtores viram seus custos subirem às alturas e muitos tiveram dificuldades em cumprir os contratos. E, sem matéria-prima, quem perde são as usinas. Foi o que aconteceu com a Granol.
Hoje a produção da empresa está sustentada no óleo de soja produzido nas plantas próprias. Mas 14% da matéria-prima vêm da agricultura familiar. Ao optar por pequenos fornecedores, a indústria recebeu do Ministério do Desenvolvimento Agrário o Selo Combustível Social, um instrumento do governo federal de estímulo aos pequenos produtores que prevê benefícios fiscais para usineiros que optem por essa mão-de-obra.
Em contrapartida, viu-se de mãos vazias na hora de receber a matéria-prima contratada. “Tivemos vários casos de inadimplência dos contratos da agricultura familiar porque os produtores não conseguiram recursos financeiros suficientes e em tempo hábil para o plantio”, conta a diretora financeira da Granol, Paula Regina Gomes Cadette Ferreira. De acordo com a executiva, a empresa compra os grãos com preços acima do mercado e oferece assistência técnica no plantio e na solicitação de financiamento bancário mas, nem assim, a produção é satisfatória. “Não temos condições de prover os produtores de todo o recurso necessário”, afirma a diretora.
O contraste é claro. É uma guerra de gigantes contra nanicos. Enquanto as usinas estão equipadas com tecnologia de ponta, os produtores amargam burocráticas filas para conseguir financiamento agrícola. “O governo faz as contas a partir da capacidade de produção instalada, mas as máquinas só funcionam se houver matéria-prima”, alerta o senador João Tenório (PSDB-AL), presidente da Subcomissão Permanente de Biocombustíveis (Crabio), que funciona no âmbito da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. “As indústrias se prepararam, mas a produção agrícola ainda não”, complementa.
Um dos entraves para o financiamento é a falta do zoneamento agrícola, um estudo do Ministério da Agricultura que determina quais culturas devem ser plantadas em cada região. Para conseguir a liberação de recursos os produtores devem cultivar as oleaginosas previstas nas análises.
A questão é que, quando se trata de matérias-primas para o biodiesel, sobram incertezas e faltam pesquisas que dêem garantias de uma boa colheita. Por isso, o governo federal promete, mas não libera o zoneamento. Sabe-se hoje que existe uma infinidade de plantas aptas a produzir biodiesel, entre elas o girassol, o dendê, a mamona e o pinhão manso. Mas 90% da produção é feita com soja. E há uma razão simples para isso. A oferta de soja hoje é imensamente maior se comparada ao sebo bovino e às outras plantas, que ainda passam por estudos de viabilidade econômica e produtividade.
A soja em alta
Atualmente 58 milhões de toneladas de soja são produzidas no Brasil. Desse total, uma parte é transformada em óleo que é usado tanto na alimentação quanto na transesterificação. Mas mesmo na liderança das matérias-primas, a soja tem sido alvo de críticas. E não é para menos. O rendimento da planta é de apenas 18%, considerado baixo se comparado a outras culturas como o girassol, que rende até 48% do peso em óleo. “A soja não é a matéria-prima mais eficiente para o biodiesel e neste momento tem sido altamente discutido o uso dela”, diz Renato Giraldi, diretor executivo da Metacortex no Brasil, empresa especializada em estruturação de usinas de etanol e biodiesel.Outro fator que tem desanimado os usineiros são as constantes altas do custo da soja no mercado internacional. Muitos especialistas acreditam que a escalada de preços continue em 2008. Gonzalo Terracini, no entanto, diz que é cedo para fazer previsões. “A produção do biodiesel em larga escala irá criar uma nova demanda na área de produção de soja, principalmente no percentual que origina o óleo”. Ele acredita que seja necessário um aumento de pelo menos 15,7% na área plantada com soja para atender um acréscimo de 5% na demanda de óleos vegetais para a produção do B5. “Estamos frente a um ciclo de preços altos para as commodities. Não vejo os preços de óleo caindo em curto prazo”, avalia Terracini. Ele diz que não é possível especificar o nível de preços do óleo de soja quando começar a vigorar a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel de petróleo, mas faz uma importante lembrança. “Em janeiro estaremos no pico da entressafra da soja, o que indica que provavelmente o preço do óleo esteja mais alto”, acredita.
Para Rodrigo Augusto Rodrigues, as turbulências podem ser evitadas se os usineiros conseguirem fechar contratos de fornecimento de matéria-prima em médio e longo prazo. “A verticalização da produção com economias de escala e escopo no processo, agregando valor ao negócio de extração de óleo vegetal, é uma forma de reduzir os custos de produção”, afirma. Essa seria uma forma, segundo ele, de evitar a importação de óleo de soja. “Dada a diversidade de matérias-primas admitidas na produção de biodiesel, seria uma vergonha e um fracasso termos que recorrer de forma regular à importação de óleo de soja”, afirma.
De olho nas incertezas do futuro, algumas empresas já estão partindo para o uso de outras matérias-primas. A Bertin investiu R$ 42 milhões em uma usina inaugurada há poucos meses em Lins, no interior de São Paulo. A unidade está sendo 100% abastecida com sebo bovino originado do frigorífico do grupo e de outros fornecedores. A expectativa é de que sejam produzidos 110 milhões de litros de biodiesel por ano. “É preciso pesar o custo da matéria-prima e o preço de comercialização do combustível”, diz o diretor industrial da Bertin Biodiesel César Abreu. A unidade está preparada para trabalhar com qualquer tipo de óleo vegetal e a escolha da matéria-prima, segundo ele, dependerá da oferta de mercado. “A viabilidade econômica do processo deve ser preservada”.
O quadro atual indica que é preciso, mais do que nunca, que o Brasil deixe de ser um refém da soja e aumente as pesquisas na área. O que se vê no entanto, é que as matérias-primas alternativas à soja ainda passam por processos de experimentação e estão longe de representar um porto seguro para os empresários do setor. “Essas matérias-primas não apresentam estruturas produtivas e de comercialização desenvolvidas, implicando em potenciais riscos quanto à oferta inconstante e maiores riscos”, diz Terracini.
Rumo ao B5
Mesmo com tantas barreiras a serem vencidas, muitos empresários do setor acreditam que o Brasil já tem estrutura para adiantar a meta prevista para o B5 e passar a misturar 5% de biodiesel ao diesel de petróleo a partir de 2010 – três anos antes da data anunciada, que é 2013. “Eu não tenho dúvidas de que o B5 será adotado antes do previsto, pois já temos capacidade para isso”, diz Odacir Klein, da Ubrabio. “Queremos, inclusive, convencer o governo de que em 2008 já poderemos oferecer a quantidade necessária para a mistura de 3% de biodiesel”.Caso o Brasil trilhe o caminho anunciado pelos otimistas, o pulo deve ser ainda maior, fazendo com que os agricultores alcancem o mercado externo. Para chegar lá, no entanto, teremos um desafio pela frente – adequar a produção às normas européias e norte-americanas. Gonzalo Terracini diz que exportar é possível, mas defende que antes o biodiesel se consolide na matriz energética brasileira, melhorando os canais de produção e distribuição.
Depois disso, o caminho para os brasileiros, segundo ele, está aberto. “As exportações do combustível serão uma conseqüência natural da maturação da cadeia produtiva do biodiesel”, diz. “O Brasil, com sua extensão territorial, é considerado um dos países mais bem preparados para explorar a biomassa para fins energéticos”, anima-se. Basta agora torcer para que o país faça a lição de casa e entre em 2008 com o pé direito.
Liliana Negrello e Luciana Zenti, de Curitiba