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Alemanha: Gigante em Crise


Edição de Out / Nov 2007 - 09 out 2007 - 15:44 - Última atualização em: 18 dez 2012 - 15:26
A Alemanha, considerada o país mais avançado do mundo no programa de biodiesel, tem produção recorde de 5,4 milhões de toneladas, mas enfrenta desafios para manter o combustível competitivo sem os subsídios do governo.

Neide Oliveira, de Dresden, na Alemanha

Quem viaja pelo interior da Alemanha, de carro ou trem, não deixa de reparar na bela paisagem. No mês de maio, os campos são como um mar amarelo formado pelas pequenas flores de colza (Brassica napus), principal matéria-prima na composição do biodiesel do país. E não é só nos limites dos campos que o mercado alemão de biodiesel, o maior do mundo, é tão fértil.

Hoje, mais de dois milhões de hectares de terras agricultáveis da Alemanha são utilizadas para o plantio de matérias-primas para a indústria de energia - cinco vezes mais que no final dos anos 1990. Cerca de 1,1 milhão de hectares são reservados à colza.

A razão para se plantar tanto essa matéria-prima está atrelada ao fato de o biodiesel ser um negócio muito vantajoso na Alemanha. Uma de suas maiores alavancas, nos últimos anos, foi o apoio governamental. Em 2004, o ex-chanceler Gerhard Schröder, resolveu livrar o setor de taxação. Isso custou, por ano, nada menos do que dois bilhões de euros aos cofres do governo alemão.

A injeção de investimentos em energias renováveis e ecologicamente corretas foi imprescindível ao crescimento do setor e a resposta foi imediata: um aumento surpreendente na capacidade de produção. De 270 mil toneladas em 2000 para 3,8 milhões de toneladas no final de 2006. Neste ano, espera-se um novo recorde, com números em torno de 5,4 milhões de toneladas.

Mudanças à vista

Como parte da política alemã de biodiesel, a era de tantas subvenções para o setor está perto do fim. O grande choque aconteceu no último ano, quando o combustível passou a ser taxado. Depois da taxação – ocorrida exatamente quando o biodiesel se tornava mais popular – cada litro do produto encareceu nove centavos de euro. Como resultado, ações caíram, pequenas refinarias precisaram encerrar as atividades e empresas de transporte, campeãs no uso do biodiesel, voltaram a abastecer sua frota com combustíveis fósseis.

E as mudanças continuam. O programa do governo prevê que a taxa cobrada do combustível fique seis centavos de euro mais cara por ano até 2012, quando poderá atingir a marca dos 45 centavos por litro, um número inimaginável para os produtores. “O imposto é irresponsável e vai contra tudo o que a chanceler Angela Merkel diz que quer”, afirmou à imprensa local o presidente da Neckermann Renewables, também presidente da Global Alternative Energy Germany (GATE), Dieter Heisig. “Se o próximo nível de imposto for introduzido, será a morte do setor”, sentencia.

Para os menos pessimistas, o Estado ainda possibilita algumas garantias de mercado. A proposta do governo traz uma cláusula em parte vantajosa para os produtores: a adição de 5% de biodiesel  em cada litro do diesel convencional vendido no país até 2012, o que poderia garantir um mercado para, pelo menos, 1,5 milhão toneladas do produto. “Há hoje dois desenvolvimentos opostos no setor”, afirma Elmar Baumann, diretor da Associação da Indústria Alemã de Biocombustível. “De um lado a produção continua crescendo e, por outro, as taxas em 2008 irão afetar as vendas de B100”, completa.

A taxação do biodiesel é o debate do dia no setor. As revistas de economia e jornais trazem diariamente artigos que discutem a necessidade da continuidade da subvenção governamental e equiparam, por exemplo, a real utilidade dos combustíveis renováveis com os motores menos poluentes. Em Berlim, políticos do Partido Social Democrata entenderam a demanda dos produtores e prometeram tentar uma possibilidade de rever a taxação sobre o biodiesel. Enquanto não se chega a uma solução, a produção segue superando expectativas. A quantidade de biodiesel produzida no ano passado é nada menos que 18 vezes maior do que a de 2000. A Alemanha produz cinco vezes mais que seu maior concorrente na Europa, a Itália, e movimenta nada menos que 2 bilhões de euros por ano.

Importação é realidade

Apesar dos números robustos de produção de biodiesel, a Alemanha ainda tem contratos de importação com a França e Inglaterra, com um milhão de toneladas de grãos. Além de importar de outros países membros da União Européia, a Alemanha compra uma parcela de colza do Leste Europeu – Rússia e Ucrânia – além de grãos da China e óleo do Canadá. A razão, segundo Dieter Bockey, diretor de qualidade do Biodiesel da União, é técnica. “Temos demandas de qualidade, baseadas na oleosidade e acidez do grão”, explica. O crescimento no uso da semente de colza se consolidou com as exigências de qualidade prescritas na especificação DIN EN 14214, além das especificações da indústria de minerais.

E como em qualquer mercado, a Alemanha também sofre com fantasmas da concorrência. Desde o começo de 2007, nada menos que 200 mil toneladas de biodiesel americano foram injetados no mercado alemão. O preço de 100 litros é 53,25 euros, quase dez euros a menos do que a produção germânica, que paga exatamente 64 euros por 100 litros. Ainda ancorados nas subvenções, alguns produtores exigem uma resposta governamental. “É imprescindível uma reação do governo e da comissão da União Européia”, afirma Moritz Gaede, porta-voz da Campa Biodiesel, uma das empresas membro da BDV, Associação Alemã da Indústria do Biocombustível. Por enquanto, nas bombas, os preços do diesel de petróleo e do biodiesel quase se equivalem. O preço do litro do biodiesel varia de 95,9 centavos de euro a 1,13 – dependendo da região – enquanto o diesel mineral varia de 1,06 a 1,19 euros.

O apelo verde

Os ganhos ambientais com o uso do biodiesel são inquestionáveis. Com a atual capacidade de produção, a Alemanha pode reduzir a emissão de CO2 em 10 milhões de toneladas ao ano, segundo dados da BDV. “E, ainda assim, o governo fuzila o futuro do biodiesel com os impostos”, afirma Petra Sprick, diretora da BDV. De acordo com dados da associação, a produção pode cair de 30 a 40% com a adoção das novas taxas. “Com essas taxas o B100 não é competitivo”.

A verdade é que o setor de energias renováveis já é uma realidade na Alemanha. Estudos da Agência de Recursos Renováveis (Fachagentur Nachwachsende Rohstoffe, FNR) apontam que a biomassa contribuirá no futuro para uma parcela considerável na oferta de energia no país. Espera-se que 17,4% da necessidade de energia sejam cobertos por energias renováveis, até 2030. Atualmente 214 mil pessoas trabalham no setor e, quase metade, especificamente 43% delas, diretamente com bioenergias. De acordo com a IiG (Invest in Germany) agência oficial do governo que promove oportunidades de investimentos e negócios na Alemanha, no último ano, 4,7% dos combustíveis distribuídos no país foram biológicos. E destes, mais de 90% de biodiesel.

Segundo estudos da IiG – que tenta também captar investidores estrangeiros para o mercado de biocombustíveis no país – sozinha, a cota que prevê o aumento da mistura de biodiesel e bioetanol no diesel e gasolina minerais já garante uma parcela de mercado aos produtores. A não taxação da segunda geração de biocombustíveis e até 2015 – ao contrário do que aconteceu com o B100 – também garante bons negócios no setor.

Além do apoio do governo, o mercado dos biocombustíveis tem um ambiente fértil dentro da união européia que, preocupada com as emissões de CO2, criaram um conselho de normatização que prevê parcerias com a indústria automobilística e reservas de mercado para o uso das energias renováveis. Para se ter uma idéia, o conselho prevê que, até 2020, todos os 27 países membros atinjam um patamar de 10% do mercado para biocombustíveis. A Alemanha pretente garantir uma fatia mais grossa, com 17% do mercado para os combustíveis renováveis.

Pesquisa para o futuro

Além das vantagens mercadológicas, os produtores alemães estão amparados em outra importante linha de incentivo do governo: a pesquisa. Pelo menos 15 grandes instituições entre universidades e centros independentes se debruçam atualmente sobre as questões do setor. Sejam as novas tecnologias e técnicas de plantio da matéria-prima até o equipamento e processamento do combustível.

Tanta excelência possibilitou que os alemães criassem um conjunto de parâmetros para o biodiesel. Preocupadas com a baixa qualidade do combustível distribuído no país, as associações de produtores formularam o programa AGQM (Arbeitsgemeinschaft Qualitätsmanagement Biodiesel), que gerencia a qualidade do produto. Atualmente, 1.400 dos 1.900 postos de biodiesel, já oferecem a versão de qualidade certificada para o consumidor final. Na bomba, o número de consumidores é expressivo.

No último ano, nos postos convencionais, foram vendidos 152 mil toneladas de biodiesel para carros comuns e 325 mil toneladas para veículos pesados. O setor que mais usou o biodiesel foi o de transporte, com nada menos que 923 mil toneladas. Cerca de 90 mil toneladas foram usadas na agricultura e 1,10 milhão de toneladas para  a composição do B5.

A indústria automobilística, embora um pouco resistente, também acena com novidades tecnológicas e modelos híbridos menos poluentes e melhor preparados para a nova geração de biocombustíveis. O presidente da DaimlerChrysler, Dieter Zetsche, afirmou que veículos ecologicamente corretos são uma preocupação da montadora, mas “apenas uma entre tantas preocupações”. “Até 2010 calculamos que haja no mundo cerca de um milhão de modelos híbridos,  mas isso será apenas 2% da venda de automóveis”, explica. Na prática, a montadora exibiu nada menos que 19 modelos “ecologicamente corretos” no último Salão de Frankfurt, que aconteceu de 13 a 23 de setembro deste ano. No evento, aliás, os visitantes podiam relaxar no lounge “Biofuel Bar”, de 170 metros quadrados, onde, além dos drinques naturais, os participantes podiam se informar sobre a segunda geração de biocombustíveis e bioetanol, além de biomass-to-liquid, uma tendência do setor. Num país onde os anúncios de carros trazem também a emissão de CO2 por quilômetro rodado, nada mais natural que o biodiesel seja assunto do dia.

Neide Oliveira, de Dresden, na Alemanha

Instituições ouvidas
- Neckermann Renewables - Empresa de Biodiesel Neckermann Renováveis.
- Global Alternative Energy Germany (GATE) – Companhia de Energia Alternativa Global da Alemanha (faz parte da empresa Neckermann Renewables - primeira a trabalhar com biodiesel na Alemanha).
- Verband der Deutschen Biokraftstoffindustrie e.V (VDB /BDV) - Associação Alemã da Indústria de Biocombustível
- Fachagentur Nachwachsende Rohstoffe (FNR) - Agência de Recursos Renováveis
- liG Invest in Germany – liG Investimentos na Alemanha (agência oficial do governo que promove oportunidades de investimentos e negócios na Alemanha).