Combustível barato impulsiona transformação de carvão em gás e produtos químicos na China
Em um amplo complexo industrial no noroeste da China inaugurado em março, a Ningxia Baofeng Energy pode converter milhões de toneladas de carvão por ano em produtos químicos para a fabricação de plásticos, parte de um setor em crescimento que não é encontrado em quase nenhum outro lugar.
A instalação de 48 bilhões de iuans (US$ 6,7 bilhões) é a mais recente em um setor que realiza uma alquimia valiosa para Pequim: transformar o carvão abundante do país em petróleo, gás e produtos químicos, reduzindo a necessidade de importações de energia que poderiam ser interrompidas por um conflito.
A capacidade está crescendo no ritmo mais rápido dos últimos anos, sustentada pelo carvão barato e pelo apoio do Estado.
No ano passado, o setor transformou 276 milhões de toneladas de carvão – o equivalente a quase um ano de uso de carvão na Europa – em produtos químicos, petróleo e gás, de acordo com o China National Petroleum and Chemical Planning Institute.
Se todos os projetos planejados prosseguirem, o setor praticamente dobrará nos próximos cinco anos, de acordo com a Sinolink Securities, com a maioria dos projetos produzindo gás natural sintético ou combustíveis líquidos.
A expansão atende a duas necessidades de Pequim, de acordo com Lauri Myllyvirta, cofundador do Centre for Research on Energy and Clean Air, com sede em Helsinque. Ela protege o risco de um bloqueio marítimo de importações de energia para o maior importador mundial de petróleo e gás natural liquefeito, além de atrair investimentos para regiões menos desenvolvidas, como Xinjiang.
“Uma coisa que acontece na China é que, quando você é politicamente favorecido, quando é uma empresa estatal com uma missão clara e politicamente determinada, os custos de capital se tornam um problema muito menor”, disse Myllyvirta. “Isso faz uma enorme diferença”.
Queda do carvão impulsiona economia
O fato de o setor existir, ser lucrativo e estar crescendo, reflete a importância duradoura da segurança energética para Pequim. A economia instável do setor fez com que apenas Estados globalmente isolados e ricos em carvão, como a Alemanha nazista e a África do Sul do apartheid, o implantassem em escala.
Outros importadores de petróleo com amplas reservas de carvão domésticas, incluindo Índia e Indonésia, analisaram a tecnologia, mas tiveram dificuldades para fazer a economia dela funcionar, disse o diretor administrativo da empresa de consultoria Agora Energy China, Jianjun Tu.
Até mesmo na China, o crescimento do setor tem sido intermitente. A lucratividade depende em parte dos altos preços do petróleo e uma primeira grande expansão no início da década de 2010 foi prejudicada pelo colapso dos preços do petróleo após 2014, de acordo com Myllyvirta.
Nos últimos anos, os preços do petróleo acima de US$ 70 por barril e o carvão barato melhoraram a equação de viabilidade do setor, disse ele. Ao mesmo tempo, os conflitos com os EUA que remontam ao primeiro mandato do presidente norte-americano, Donald Trump, aumentaram a preocupação de Pequim com a dependência das importações de energia.
Analistas avaliam que o segmento de expansão mais rápida no setor seja o de carvão para gás. A capacidade em construção é cerca de quatro vezes maior do que a construída na última década, de acordo com a análise da Reuters a partir dos números da Agora Energy China, da China National Coal Association e da Guosen Securities.
Isso mais do que dobrará a capacidade anual para 19,5 bilhões de metros cúbicos, o equivalente a cerca de um quinto das importações de GNL da China no ano passado.
A maioria das novas usinas está programada para o noroeste da China, rico em carvão, onde 12 bilhões de metros cúbicos por ano de capacidade de carvão para gás estão em construção, principalmente para energia, com outros 10 bilhões de metros cúbicos planejados, de acordo com a Guosen Securities.
O gás produzido a partir do carvão é agora quase um terço mais barato do que o GNL importado, a menos de 2 iuans por metro cúbico contra 2,87 iuans, excluindo os custos de regaseificação e transporte, embora o gás de gasoduto continue mais barato, de acordo com a Oilchem.
“No futuro, espera-se que a conversão de carvão em gás substitua ainda mais parte do GNL importado”, disse o analista Sun Yang, da Oilchem.
Com os preços do carvão atingindo as mínimas de quatro anos este ano, a economia também melhorou para a transformação do carvão em produtos químicos. No final de julho, as olefinas à base de carvão geraram margens de 800 a 900 iuans por tonelada, em comparação com perdas de 200 iuans por tonelada para olefinas que usam ingredientes à base de petróleo, nafta ou propano, de acordo com a consultoria Oilchem.
Em sua instalação em Ordos, na Mongólia Interior, a Baofeng aquece o carvão a cerca de 1,3 mil graus Celsius para produzir gás sintético, que é transformado em metanol e, por fim, em olefinas, um componente básico dos plásticos. A Baofeng não quis fazer comentários.
Limites de crescimento
No ano passado, a capacidade de produção de carvão para gás, líquidos e produtos químicos atingiu 38 milhões de toneladas de equivalentes de petróleo e gás, de acordo com a Federação da Indústria Química e de Petróleo da China, ou 6% dos 685 milhões de toneladas de gás e petróleo bruto importados no ano passado.
No entanto, o modelo é vulnerável. Os projetos são intensivos em emissões de poluentes e em necessidades de capital, enquanto a demanda da China por combustíveis está diminuindo. A concorrência no inchado setor petroquímico já é acirrada.
Se os preços do petróleo caírem significativamente no próximo ano, como muitos analistas preveem, isso poderá levar ao cancelamento de projetos.
A longo prazo, a maior ameaça ao setor é a agenda climática de Pequim, dizem analistas. O crescimento do setor e as emissões resultantes são um dos principais motivos pelos quais a China está atrasada em relação à meta de emissões de carbono para 2025, de acordo com Myllyvirta.
Os projetos de conversão de carvão em gás emitem quase três vezes mais dióxido de carbono durante a conversão do que é liberado quando o gás é queimado, de acordo com a pesquisa feita por Tu.
Caso Pequim decida que as emissões do setor superam sua contribuição para a segurança energética, seu futuro estará seriamente em dúvida. “A grande questão, é claro, é o cálculo geopolítico”, disse Myllyvirta, que segue: “E a perspectiva sobre isso muda a cada fim de semana com base no que está acontecendo nos EUA”.
Sam Li e Colleen Howe – Reuters