PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Informações

[CBBR 2022] O biodiesel nos próximos quatro anos


BiodieselBR.com - 16 nov 2022 - 15:31

Os dois últimos anos foram bastante duros para a indústria brasileira de biodiesel. As empresas do setor haviam se preparado para um mercado crescente em atendimento à uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de 2018 – que previa B13 em março de 2021 e B14 em março deste ano –, mas viu a mistura cair de volta ao B10 de forma quase ininterrupta desde o terceiro bimestre do ano passado.

Embora haja sinais de que a normalização está a caminho, o setor ainda busca de um caminho para se relacionar com o novo governo. O Biodiesel no Próximo Mandato Presidencial foi o tema no primeiro painel da Conferência BiodieselBR 2022, o encontro reuniu o vice-presidente a Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Irineu Boff; o presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), deputado Pedro Lupion; o diretor da ANP, Daniel Maia; a secretária de Economia do Governo de Goiás, Cristiane Alkmin; e o presidente do Conselho da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra. 

A economista Cristiane Alkmin foi a primeira a falar e apontou que o setor de biodiesel vem sendo incentivado desde 2005 e consolidou investimentos de vários bilhões de reais em busca de objetivos econômicos, ambientais e sociais. Ela questionou se este seria o melhor momento para a liberação das importações de biodiesel como decidido pelo CNPE. “Se fizermos isso, vai ser um tiro no pé. Temos problemas que precisam ser resolvidos antes de abrir [o mercado]”, aponta ressaltando que as obrigações referentes ao Selo Biocombustível Social criam custos para as usinas brasileiras que produtores de outros países não teriam. “Vamos deixar as usinas com um ponto de competitividade frágil”, comenta. “A Argentina já teve acusações de dumping [no mercado de biodiesel]”, preocupa-se.

Importação

Além disso, a abertura do mercado nacional poderia não gerar ganhos. “Sou uma economista liberal e gosto da abertura comercial. Ela é boa para aumentar a oferta ou baixar os preços, mas isso depende do setor”, diz ressaltando que o setor de biodiesel é bastante desconcentrado o que torna pouco provável que as importações reduzam os preços internos e as usinas têm capacidade produtiva ociosa, o que permitiria elevar a oferta apenas subindo a mistura obrigatória.

Segundo Cristiane esse não é o único ponto nebuloso. O setor de biodiesel também precisa entender os impactos da oferta de diesel verde e de diesel coprocessado da Petrobras sobre seu mercado e o modelo tributário do setor ainda não está totalmente pacificado desde a mudança do sistema de comercialização do biodiesel no começo deste ano. Até mesmo os efeitos do fim do regime de leilões públicos ainda não são totalmente compreendidos. “A Petrobras dava previsibilidade para os players (...) não tinha assimetria de barganha no mercado”, avalia dizendo que no mercado aberto a situação não é tão simples uma vez que as três maiores distribuidoras de combustível controlam cerca de 70% do mercado. “Uma evidência que existe uma assimetria no poder de barganha entre as empresas é que a relação entre o preço do biodiesel e do óleo de soja tem caído”, pondera.

Tempos atribulados

Irineu Boff da Ubrabio lembrou que o mundo passou por uma sequência longa de turbulências – da pandemia de Covid-19 à Guerra Russo-Ucraniana – o que levou a choques tanto nos preços do diesel quanto no do óleo de soja. “Nesse contexto o governo achou por bem reduzir a mistura para 10%. Para nós isso foi um desastre porque temos um custo maior e uma escala menor do que esperávamos”, resume.

Mesmo assim, o setor mantém esperança de que a necessária transição energética se imponha. “Temos a chance de crescer o que não crescemos”, anima-se cobrando que, para tanto, será preciso que o próximo governo retome a segurança jurídica para o setor. Segundo o empresário, as usinas brasileiras já têm capacidade instalada para fabricar B20 mas que, para viabilizar o aumento da mistura no próximo ano, seria fundamental ter uma sinalização. “O mercado de matérias-primas tem uma inercia grande. Para que a soja seja retida no mercado [interno] temos que renegociar contratos”, conta.

Pelo lado da produção agrícola, não parece haver impedimentos. Segundo Irineu, as projeções sobre safra de soja que está sendo plantada este ano indicam para uma produção 20% maior do que a do último ciclo. “Tendo certeza [sobre a mistura] do biodiesel a gente poderia industrializar mais soja aqui e gerar mais empregos no Brasil”, defende. Mas esse movimento poderia ser ameaçado caso a abertura do mercado nacional aconteça de forma precipitada. “Outros países não respeitam as mesmas regras que nós respeitamos aqui no Brasil. A Indonésia, por exemplo, subsidia seu biodiesel (...) isso poderia causar um desequilíbrio irresponsável para nossa indústria”, reclama o representante da Ubrabio.

Queda de braço

Em sua fala, o deputado federal Pedro Lupion apontou que o setor teve que enfrentar uma conjuntura que nem sempre foi favorável e lobbies muito bem organizados que jogavam contra o setor. “Ninguém imaginava que enfrentaríamos uma pandemia e uma guerra na Europa, em meio a inflação dos combustíveis eu acabava perdendo a capacidade de argumentar quando o ministro de Minas e Energia nos dizia que não tinha como deixar o diesel chegar a R$ 7 o litro num ano de eleição. Isso nos gerou uma dificuldade imensa na articulação com o governo”, diz. “Realmente [o setor de biodiesel] acabou pagando um preço que não dele”, prossegue.

Mesmo assim, o parlamentar ressalta que, por mais que o B10 já seja sentido como um balde de água fria, a situação poderia ter sido bem mais difícil. “Se dependesse só do Ministério da Economia, a gente estaria do B6. Porque esse era a vontade do Paulo Guedes. A gente conseguiu segurar o B10”, lembra acrescentando que a decisão sobre o futuro imediato do setor depende do governo de transição e que ele está pronto para trabalhar com o novo governo. “Mesmo que ideologicamente eu seja contrário, vou trabalhar dentro das pautas que defendo”, prossegue.

Independente do governo, o setor de biodiesel conta com uma boa representação no Congresso Nacional. “A frente do biodiesel está bem consolidada e a maioria de nossos parlamentares foi reeleita. Vamos voltar à Brasília para trabalhar pelo setor”, promete.

Falsa barbada

O presidente do Conselho da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra, apontou que se sentiu desconcertado ao perceber quanto era difícil trabalhar a pauta do biodiesel. “Quando cheguei na Aprobio achei que seria uma barbada. Até hoje não entendo bem por que não foi”, brinca. Entre as críticas de Turra está a redução das decisões sobre o biodiesel ao preço do produto. “Não tinha saúde humana. Não tinha meio ambiente. Não tinha imagem internacional”, reclama.

Sobre o novo governo, o dirigente da Aprobio destaca que o papel da entidade é levar as informações corretas sobre o setor para os governantes. “É hora de acertar o país. Pelo que vi do [vice-presidente eleito Geraldo] Alckmin que o desejo dele é ajustar e fazer coisas que deverias já ter sido feitas há muito tempo”, comenta.

Importância transversal

Último palestrante da rodada, o direto da ANP, Daniel Maia, destacou a importância transversal do imensa para o Brasil tanto do ponto de vista ambiental, de arrecadação tributária e para a garantia do abastecimento. Segundo ele, a agência se manifestou favorável sobre a capacidade do setor de atender ao B15 “tanto em volume quanto em qualidade”.

Para Maia, o papel da ANP em relação ao biodiesel tem limitações uma vez que a agência é apenas uma implementadora da política energética definida por outas instâncias do governo federal. “A gente observa [o setor de biodiesel], mas não participa do ponto de vista institucional”, sintetiza. “A ANP implementa a política estabelecida. Se o B14 ou o B15 vai ser seguido ou não no próximo ano, não depende da gente”, comenta. “Da mesma forma que a gente abriu a consulta para a importação de biodiesel”, acrescenta.

Não quer dizer que o papel da ANP não seja central para o setor. A agência, por exemplo, que estabelece as regras que impactam profundamente a participação das usinas no RenovaBio. Entre eles, Daniel ressalta a definição do modelo de cadeia de custódia para os biocombustíveis fabricados a partir de grãos, as discussões sobre mudanças nos valores padrão e a regulamentação do abatimento nas metas de descarbonização de distribuidoras que fechem contratos de longo prazo com fornecedores de biocombustíveis.

Outra iniciativa que está circulando pela ANP e deve ter grande impacto no setor é a nova especificação e a consolidação de um programa de qualidade do biodiesel e a fiscalização do cumprimento da mistura. “Esse é um grande desafio que não vai ser cumprido só com as metas de contração, mas com a mistura efetiva”, afirma.

Segundo Daniel, a ANP também emitiu uma opinião para o MME se colocando contra a equiparação do conteúdo renovável do diesel coprocessado com o biodiesel. “Estamos regulamentando o coprocessado como diesel A. (...) Quando questionados dissemos que teríamos dificuldade de confirmar a parcela renovável no diesel coprocessado”, comentou

Fala extra

Além dos outros cinco palestrantes, o painel também contou com a participação do presidente do conselho da Ubrabio e decano do setor, Juan Diego Ferrés que destacou a complexidade técnica para fazer o planejamento do biodiesel e dos biocombustíveis de forma geral. “O biodiesel se agiganta por seus méritos que vão dedes os ganhos méritos ambientais, passado por externalidades da geração de empregos e na agregação do valor que o Brasil precisa”, avaliou.

Embora o setor tenha passado por dificuldades nos últimos tempos, o biodiesel continua sendo a melhor opção para o ciclo diesel por preservar a glicerina e, dessa forma, garantir uma recuperação de valor melhor do que outras alternativas. “O biodiesel é a melhor e mais barata alternativa ao óleo diesel”, diz reclamando que o produto tenha sido sacrificado em nome do combate à inflação no curto prazo. “A sustentabilidade tem seu preço e esse preço tem que ser pago ou não teremos futuro”, finaliza.

Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com