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A JBS vai de biodiesel


Isto É Dinheiro - 01 jul 2022 - 08:51

O que caminhoneiros brasileiros, argentinos e americanos têm em comum, além das longas horas atrás dos volantes? Todos eles enfrentam o mesmo problema: a compressão de seus ganhos devido à disparada mundial dos preços dos combustíveis. Desde o ano passado, as cotações do petróleo não param de subir. Esse movimento se amplificou a partir de março, com a guerra, e não se espera um alívio em breve. Na quinta-feira (30), ao divulgar o Relatório Trimestral de Inflação, o Banco Centra (BC) indicou que a permanência das cotações ao redor de US$ 110 por barril deverá manter elevada a inflação no Brasil e no exterior.

Esse cenário renovou o interesse por um combustível que andava ausente do noticiário, o biodiesel. Produzido a partir de fontes orgânicas, como gorduras vegetais ou de origem animal, ele volta à tona quando os preços do petróleo se descontrolam. Com uma diferença, porém. Antes considerado uma energia “de nicho”, que depende de apoio financeiro e regulatório do Estado para existir, o biodiesel vem se aproximando dos combustíveis mais tradicionais. E atraindo gente grande. Ao lado de participantes tradicionais como Olfar, BSBIOS e Granol, gigantes corporativos como a JBS estão dobrando suas apostas no setor.

Com o início das operações de sua terceira unidade de biodiesel, em janeiro deste ano, na cidade de Mafra (SC), a JBS pretende elevar sua capacidade produtiva para cerca de 720 milhões de litros do combustível por ano. Até então, o volume máximo era de 350 milhões de litros por isso. Essa cifra considera o potencial das duas unidades de biodiesel da JBS já em operação, uma em Lins (SP) e outra em Campo Verde (MT). Com uma inovação, a matéria-prima.

A maior parte do biodiesel brasileiro vem da soja. Em 2021, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que regula o setor, o óleo de soja foi matéria-prima para 72,1% dos 6,77 milhões de metros cúbicos produzidos. Isso gera um problema: uma tonelada de soja a mais destinada a abastecer um caminhão é uma tonelada a menos para a alimentação humana e animal. Portanto, faz sentido buscar alternativas. É o que a JBS está fazendo. A companhia já produz biodiesel de soja e com sebo bovino. Em Mafra (SC), onde fica uma unidade da empresa de alimentos processados Seara, a matéria-prima serão os restos de gordura de aves e suínos. “Dessa forma poderemos dar um destino adequado aos resíduos de nossa cadeia de produção”, disse o diretor comercial da JBS Biodiesel, Alexandre Pereira. O executivo afirmou que, além de gerar biodiesel, a unidade de Mafra vai melhorar a pegada de carbono. É mais um passo da JBS no compromisso de zerar sua pegada de carbono até 2040, o chamado Net Zero. “Não estamos olhando apenas qual é a porcentagem da mistura de biodiesel no diesel hoje ou amanhã”, afirmou Pereira. Para o diretor da JBS, trata-se de atender uma demanda mundial de bicombustíveis que tende a crescer.

A companhia considera isso estratégico. “O Net Zero não é apenas a coisa certa a se fazer. É nossa única opção como sociedade. O aquecimento global já está tendo impacto devastador sobre os cidadãos globais mais vulneráveis. Se não agirmos agora, o mundo enfrentará um desastre climático”, disse o CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni. A meta vai além das operações da empresa. Serão três fases, ou escopos. O primeiro inclui as operações de toda a empresa. O segundo compreende as emissões indiretas provenientes da geração de eletricidade. O terceiro se estende à cadeia de valor da JBS, incluindo os produtores agrícolas e os demais fornecedores.

Crise Energética

O biodiesel não é tão recente. Tentativas de movimentar motores usando combustíveis vegetais vêm desde a primeira crise do petróleo, no início dos anos 1970. Vários países testaram o uso de óleo vegetal para acionar motores a diesel. O combustível era excessivamente viscoso, o que danificava os equipamentos, e a solução foi acrescentar álcool, para transformar o óleo em biodiesel. No Brasil, apesar de algumas experiências isoladas com azeite de dendê e semente de mamona, o assunto só ganhou relevância em 2002, com a obrigatoriedade de acrescentar biodiesel ao óleo diesel tradicional. Inicialmente a ideia era começar com 5% e chegar até 15%. A alta dos preços das commodities e o desinteresse ecológico do governo frustraram esse objetivo. Atualmente, a parcela de biodiesel está em 10%.

Segundo a ANP, o percentual da produção a partir de resíduos animais vem crescendo. Eram 5,8% em 2020, 6,1% em 2021 e 6,3% em março de 2022, dados mais recentes. A Agência engloba esses insumos em uma categoria única e não diferencia o tipo de resíduo empregado. Mesmo assim, os dados indicam que a fonte com crescimento mais acelerado são justamente as gorduras suínas e de aves, exatamente pelo início das operações da unidade industrial da JBS em Mafra.

Além dos veículos, o biodiesel também acelera a economia. Segundo a pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ligado à Universidade de São Paulo, Nicole Rennó Castro, o biodiesel movimentou R$ 10,5 bilhões em 2021. Isso representa cerca de 2% da agroindústria brasileira. Indiretamente, ao movimentar o setor de serviços da economia a jusante, a atividade contribuiu para R$ 20,3 bilhões do PIB.

Um dos entraves ao desenvolvimento pleno desse mercado eram os controles. A ANP autoriza a produção. Até recentemente, ela também determinava como seria a venda, realizada por meio de leilões. Isso mudou a partir do início deste ano. Agora não há mais leilões. A comercialização é direta entre produtores e refinarias que acrescentam o biocombustível ao diesel, o que deverá aumentar o interesse dos empresários pelo negócio. No caso da JBS, as vendas são diretas, por meio de contratos renováveis a cada dois meses. Como a mistura do biodiesel na matriz energética foi determinada por lei, é preciso assegurar a oferta, ter garantias de que aquele combustível será produzido. “A gente entrega os projetos com nossa capacidade de produção para a ANP, que faz uma análise técnica para se certificar e autorizar”, disse Pereira.

Mais do que a autorização para comercializar o biodiesel no mercado interno, desde 2013 a JBS conta com o selo da International Sunsteinability & Carbon Certification (ISCC), que credencia a empresa a vender para a Eutopa. “Somos uma das primeiras companhias a exportar em volume comercial”, afirmou Pereira. Desde a primeira negociação, em 2014, a companhia já embarcou para o velho continente cerca de 40 milhões de litros.

Iniciativas

Os grandes frigoríficos não são os únicos interessados. A empresa de logística multimodal Norsul e a BSBIOS, uma das maiores produtoras brasileiras do biodiesel, tornaram-se parceiras na criação de uma linha de cabotagem para transportar o combustível entre as regiões Sul e Nordeste. Segundo dados da ANP, há muita distância entre a oferta, concentrada nos Estados do Sul e do Centro-Oeste, e a demanda, que fica nas regiões Sudeste e Nordeste (observe o quadro na página 29). Com seus baixos custos, a cabotagem visa resolver essa questão. Na primeira viagem, o navio Taruca levou 4 milhões de litros de biodiesel do Porto de Paranaguá, no Paraná, até o Porto de Suape, em Pernambuco.

No entanto, a proposta tem seus críticos. A Confederação Nacional de Transportes (CNT) discorda das vantagens apresentadas por quem defende o combustível. Entre as críticas da entidade estão os problemas causados pelo aumento da porcentagem de biodiesel na mistura com o diesel. “Esse projeto só beneficia a indústria do biodiesel”, informou a entidade em um comunicado, por encarecer o diesel. Se o percentual de mistura, atualmente em 10%, retornar aos 13% que valiam em abril de 2021, o preço do diesel do tipo B subirá 1,4%. Se o percentual fosse a 15% em 2023, como vinha propondo o governo federal, esse impacto seria de 2,4%. Apesar das críticas do setor, a expectativa é que o biodiesel ganhe cada vez mais espaço, pela demanda dos consumidores por combustíveis mais sustentáveis. E é nessa onda que a JBS pretende surfar.