Embora ainda seja um nome relativamente novo dentro do ecossistema nacional do biodiesel, a Milia Group já está perfeitamente enraizada nele. Nos seis anos que se passaram desde a sua fundação, empresa se consolidou como a terceira principal exportadora de glicerina do país movimentando cerca de 12 mil toneladas por mês do coproduto.
Esse volume tem tudo para crescer – e bastante! – nos próximos anos em função do aumento da produção de biodiesel alavancado pela Lei do Combustível do Futuro que aponta para uma rampa de crescimento da mistura obrigatória dos atuais 15% para até 25%. E a Milia está se movendo para tirar proveito desse crescimento, a empresa vem fazendo novos investimentos em seu terminal de exportação no Porto de Santos; incluindo a instalação de um laboratório próprio para poder testar 100% dos lotes vendidos.
Para conhecer melhor os planos da empresa e a evolução do mercado de glicerina BiodieselBR.com conversou com o CEO da empresa, Vitor Berkowitz.
BiodieselBR.com – A gente costuma falar bastante sobre a contribuição ambiental do biodiesel o que é até natural dado o histórico do setor. Mas e a glicerina? De que forma esse coproduto também contribui?
Vitor Berkowitz – A glicerina simplesmente fecha o ciclo da cadeia. Não adianta você focar apenas no core business que, para as usinas, é o biodiesel, porque a glicerina é parte integrante da conta que as usinas têm que fazer para conseguir chegar na linha final de resultado financeiro. Mas a glicerina tem efeitos positivos por conta própria, A glicerina é um produto que tem utilidades diversificadas e que substitui muitos insumos petroquímicos na produção, por exemplo, de resinas epóxi. Trocamos uma matéria-prima de origem fóssil por uma gerada a partir de óleo vegetal renovável. Dessa forma, ela impacta positivamente o meio ambiente.
BiodieselBR.com – Considerando que a glicerina equivale a cerca de 10% do volume de biodiesel, então estamos chegando na marca de 1 milhão de m³ por ano. Qual seria o impacto para as usinas se não tivéssemos uma cadeia devidamente estruturada?
Vitor Berkowitz – Se não tivéssemos a estrutura de escoamento bem montada que temos hoje, com a Milia entre os principais players, a gente teria usinas parando de forma recorrente. Nenhuma usina tem espaço físico e tancagem suficiente para ficar acumulando grandes volumes de glicerina por longos períodos de tempo até encontrar saída para o produto. Mesmo o aluguel de tancagem seria difícil porque o Brasil é deficitário nesse quesito. Isso seria muito ruim porque as indústrias são construídas para rodarem de forma contínua. Poderia acontecer até mesmo da glicerina ter que ser descartada o que teria um impacto ambiental e econômico gigante. Sem um mercado estruturado [para a glicerina], eu não vejo como teríamos conseguido atingir o atual patamar de produção de biodiesel.
BiodieselBR.com – Aqui estamos falando de impacto operacional, mas e quanto ao peso da glicerina no negócio? Sem ela, as usinas de biodiesel seriam monoproduto o que concentra risco.
Vitor Berkowitz – Sim, concentra. Como eu disse agora há pouco, a glicerina entra na conta financeira de qualquer usina. A operação não se paga só com o biodiesel. Mesmo na formação dos preços do biodiesel, as usinas já levam em conta como está o mercado da glicerina. Mas temos que ter mercados estruturados para todos os coprodutos do biodiesel – não só a glicerina, mas também os ácidos graxos, a borra, a oleína – porque eles são importantíssimos para dar sustentabilidade ao crescimento das usinas e, por consequência, para limpar nossa matriz energética. Resolver isso é importantíssimo porque reduz os riscos ambientais e financeiros da indústria de biodiesel como um todo.
BiodieselBR.com – Você disse que as usinas têm que olhar o mercado de glicerina até para precificar o biodiesel. E o mercado vem sustentando uma tendência de alta há vários meses. Qual é o motor desse movimento?
Vitor Berkowitz – O motor disso não é nada mais do que demanda. A demanda por glicerina aumentou na China que absorve cerca de 90% da glicerina para a fabricação de epicloridrina e a demanda chinesa está aumentando com algumas fábricas em expansão e unidades novas sendo construídas. Além disso, temos outros players aumentando a demanda. Um deles é a Índia que sempre foi uma grande compradora de glicerina, mas, este ano, a demanda deles aumentou bastante e eu acredito que, no ano que vem, vai aumentar mais.
BiodieselBR.com – Por quê?
Vitor Berkowitz – Porque na Índia também estão acontecendo investimentos de expansão para produção de epicloridrina.
BiodieselBR.com – Em sua opinião esse movimento nos preços tende a se manter?
Vitor Berkowitz – Nós tivemos um pico nos preços da glicerina no pós-pandemia e, depois, tivemos um derretimento que levou os preços muito abaixo de onde deveriam estar. Desde o ano passado os valores vêm se recuperando. Atualmente, estamos em níveis que, em minha opinião, podem ser considerados bons. Nas semanas mais recentes começamos a ver até uma retração à medida em que as margens das indústrias de epicloridrina começam a ficar muito apertadas obrigando a uma correção considerável, mas eu ainda acho que teremos um range de preços bem justo para o mercado.
BiodieselBR.com – Mesmo com a chegada do B16 marcada para março?
Vitor Berkowitz – Não acredito [que o aumento da mistura] vai acontecer no prazo esperado em função da demora nos testes de viabilidade. Essa dúvida sobre a oferta no Brasil é um dos fatores que está ajudando a manter mais elevados os preços da glicerina.
BiodieselBR.com – Há alguns anos cerca de 30% da glicerina que o Brasil exportava era glicerina destilada; hoje está abaixo de 20%. E mesmo em termos de volume absoluto, a participação do produto destilado caiu. Por que o Brasil não está conseguindo agregar valor à glicerina?
Vitor Berkowitz – A primeira coisa é que o coproduto direto do biodiesel é a glicerina bruta, a destilada precisa de processamento extra. Então, quando temos aumento da mistura como tem acontecido no Brasil, vemos um aumento na disponibilidade da glicerina bruta. E não temos a capacidade para destilar essa glicerina toda. Uma hora, bate no teto e, mesmo quem tem capacidade de refino, vai passar a ter que exportar o excedente na forma bruta. Além disso, o mercado de glicerina bruta tem uma demanda maior e cresce hoje mais rápido do que o da refinada. E a glicerina refinada tem suas particularidades. Nessa época do ano, por exemplo, o mercado europeu compra menos da gente porque, como lá é inverno, tem o risco do produto endurecer nos tanques dos navios e dos portos. Para eles, fica muito mais confortável comprar localmente. Isso faz a demanda pela nossa glicerina destilada cair.
BiodieselBR.com – Isso pode explicar a queda no share da glicerina destilada, mas por que tivemos queda nos volumes absolutos?
Vitor Berkowitz – O spread entre o preço da glicerina bruta e refinada não anda tão bom quanto já esteve. Na pré-pandemia a gente tinha a glicerina destilada pagando entre US$ 300 e US$ 400 dólares por tonelada a mais do que a bruta. No mercado atual, esse spread tem ficado abaixo dos US$ 300 podendo chegar, em algum momento, mais perto dos US$ 200. Isso quer dizer que pode estar simplesmente valendo mais a pena exportar a glicerina bruta do que ter o custo e o trabalho de refinar. Até temos usinas que fizeram o investimento para colocar a glicerina destilada em seu portifólio nos últimos anos, mas não estão usando 100% de sua capacidade porque os preços não se justificam em muitos momentos do ano.
BiodieselBR.com – Temos uma sinalização de que a mistura de biodiesel pode chegar a 25% dentro dos próximos anos. Isso quer dizer muito mais glicerina. Como vocês estão se estruturando para acompanhar esse crescimento?
Vitor Berkowitz – Hoje a nossa estrutura está preparada. A Milia hoje tem um terminal dedicado no Porto de Santos e estamos investindo cada vez mais nessa estrutura. Somos hoje a única exportadora de glicerina do Brasil que tem um laboratório próprio. A gente viu essa necessidade porque prezamos muito pela qualidade e, assim, conseguimos defender melhor o nosso produto lá fora.
BiodieselBR.com – Por que vocês decidiram fazer esse investimento?
Vitor Berkowitz – Mesmo que a gente confie no laudo emitido por nossos parceiros, sempre pode acontecer um problema. Se fizermos o embarque de um lote fora dos padrões só vamos ficar sabendo depois que ele chegar no cliente o que, no caso de vendas para a China, pode demorar, em alguns casos, mais de 60 dias. É um transtorno muito grande para todos os envolvidos. Por isso, nós testamos 100% das cargas que chegam em nosso terminal em Santos para ter certeza de que estamos tirando do Brasil um produto que está de acordo com o que o comprador exige. No fim das contas, é muito mais simples, fácil e barato. E é bom, não só para a Milia, mas para o mercado brasileiro como um todo. A gente tem que mostrar que, mesmo com volumes mais altos, conseguimos manter o nosso padrão de qualidade, assim podemos agregar mais valor à glicerina brasileira.
BiodieselBR.com – E quanto foi investido?
Vitor Berkowitz – Começamos a operar o laboratório no final de agosto. Estamos ainda na primeira fase do laboratório, nela nós já investimos R$ 200 mil. Mas nós também estamos fazendo investimentos na área de transbordo do nosso terminal que está prevista para ficar pronta em março do ano que vem. Quando isso acontecer vamos realocar o laboratório para um espaço maior que vai permitir que ele seja mais completo. Nossa projeção é que o investimento completo gire entre R$ 500 e R$ 600 mil. Além da glicerina, o laboratório vai testar também outros produtos com os quais a gente trabalha. Vamos poder fazer análises de óleos vegetais, tocoferol e outros produtos.
BiodieselBR.com – Vocês vão atuar como prestadores de serviço?
Vitor Berkowitz – No momento, não. É um laboratório exclusivo para nosso processo interno de qualidade, mas a gente vai, sim, seguir todos os padrões e obter todas as licenças para, no futuro, podermos também prestar serviços para terceiros se acharmos que isso vale a pena.
BiodieselBR.com – Com o aumento previsto da oferta de glicerina no Brasil, a China vai continuar dando conta de absorver a maior parte da nossa produção ou vamos precisar prospectar novos clientes?
Vitor Berkowitz – Como disse, a China está aumentando sua fabricação de epicloridrina. Eles têm plantas em expansão e novas plantas sendo construídas. Algumas delas devem ficar prontas já no ano que vem. Com certeza, a China vai continuar sendo o grande comprador pelos próximos 5 anos, pelos menos. Mesmo assim, é importante a gente abrir novos mercados como o da Índia.
BiodieselBR.com – Que outros planos a Milia tem para o futuro?
Vitor Berkowitz – A partir de 2026, vamos criar uma mesa de trading. Já estamos indo para o mercado para montar o time que vai tocar essa iniciativa, queremos trazer traders experientes para que a gente diversifique ainda mais o nosso portfólio de produtos e possa entrar em outros mercados sem deixar de focar no mercado de glicerina, que o nosso principal e algo que a gente ama fazer. Nosso foco é manter o crescimento expressivo que tivemos nos últimos anos, porém com muita sustentabilidade e saúde organizacional e financeira.
Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com