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Rejeição da China à soja dos Estados Unidos leva crise aos fazendeiros americanos


The New York Times - 16 set 2025 - 09:08

Em uma manhã de um dia com ventania em setembro, Josh e Jordan Gackle se reuniram para discutir a crise iminente que sua fazenda de soja em Dakota do Norte enfrentava.

Pela primeira vez na história de seus 76 anos de operação, seu maior cliente — a China — havia parado de comprar soja. Sua fazenda de soja de 2.300 acres (930 hectares) deve perder US$ 400 mil em 2025. A soja que normalmente seria colhida e exportada para a Ásia agora ficará acumulada em grandes silos de aço.

Desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs tarifas sobre produtos chineses em fevereiro, Pequim retaliou suspendendo todas as compras de soja americana.

Essa decisão teve repercussões devastadoras para os agricultores de Dakota do Norte, que exportavam mais de 70% de sua soja para a China antes de Trump anunciar as novas tarifas este ano. A menos que a China concorde em retomar suas compras como parte de um acordo comercial, os agricultores que dependem do mercado chinês enfrentarão perdas acentuadas que podem levar à falência e à execução hipotecária de fazendas em todo país.

A relutância da China em comprar soja americana e outros produtos agrícolas deverá ser um tema central quando altos funcionários dos Estados Unidos e da China se reunirem para mais uma rodada de negociações econômicas na Espanha esta semana.

Essas negociações estão sendo conduzidas pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent, a quem Trump encarregou de negociar e garantir um acordo comercial favorável com a China. Uma vitória sem dúvida agradaria Trump. Mas, em uma reviravolta estranha, também poderia ajudar Bessent financeiramente.

O secretário do Tesouro tem milhares de acres de terras agrícolas em Dakota do Norte, avaliadas em até US$ 25 milhões. As propriedades cultivam soja e milho em um Estado que exporta a maior parte de seus produtos agrícolas para a China. Os investimentos renderam a Bessent até US$ 1 milhão em renda anual com aluguéis, de acordo com seus registros financeiros.

Mas a fortuna de Bessent, um ex-gestor de fundos de hedge multimilionário, não está tão exposta aos caprichos da China quanto a dos agricultores familiares que lutam para descobrir como vender sua soja e evitar que suas finanças entrem em colapso.

Para os agricultores da Dakota do Norte, as altas taxas de juros, os elevados custos dos insumos e a queda dos preços são uma reminiscência da crise agrícola da década de 1980, que prejudicou a agricultura dos Estados Unidos por quase uma década e devastou grande parte da zona rural americana.

“O nível de estresse é muito maior agora do que era naquela época”, disse Jordan Gackle, 44, em entrevista. “Se continuarmos assim por muito tempo, veremos o tipo de execuções hipotecárias que estavam acontecendo.”

Em frente a um campo de soja a poucas semanas da colheita, ele acrescentou: “Tudo isso é desnecessário. Os EUA não foram forçados a isso por ninguém.”

Queda da soja americana

Em um ano normal, mais da metade da soja cultivada nos Estados Unidos é vendida para a China. Isso inclui cerca de 70% da soja de Dakota do Norte, que é transportada por trem para portos no noroeste do Pacífico e depois enviada para a Ásia.

Mas a guerra comercial de Trump com a China mudou essa dinâmica. Depois que o presidente impôs tarifas sobre os produtos daquele país, alegando que suas práticas econômicas ameaçam a segurança nacional dos EUA, Pequim retaliou com tarifas próprias. As tarifas totais que a China impôs à soja americana chegam agora a 34%, de acordo com a American Soybean Association, tornando-a mais cara do que a que a China pode comprar do Brasil. Os agricultores americanos também acreditam que a China está rejeitando a soja americana para pressionar o governo Trump.

Em Dakota do Norte, um Estado rural com uma economia que gira em torno da energia e da agricultura, o impacto no setor agrícola ameaça derrubar o valor das terras e minar os investimentos nas pequenas cidades. Para agravar esses problemas, os preços continuam altos.

“Os custos dos insumos para fertilizantes, produtos químicos, custo da terra, custo dos equipamentos, todas essas coisas estão aumentando”, disse Josh Gackle, 50, presidente da American Soybean Association. “E o preço da commodity está diminuindo.”

Promessas quebradas

No primeiro mandato de Trump, Pequim reduziu drasticamente as compras de produtos agrícolas americanos para ganhar vantagem nas negociações comerciais depois que o presidente impôs tarifas sobre os produtos chineses. A decisão foi politicamente calculada: os agricultores tendem a viver em Estados republicanos que votaram em Trump, portanto, prejudicá-los economicamente ameaçava um eleitorado importante.

Os Estados Unidos e a China finalmente chegaram a um acordo comercial no final do primeiro mandato de Trump, que incluía o compromisso de Pequim de comprar grandes quantidades de produtos agrícolas americanos. Mas a China não cumpriu esses compromissos depois que a pandemia deteriorou suas relações com os Estados Unidos.

Quando Trump iniciou seu segundo mandato, seus principais assessores econômicos prometeram proteger a indústria agrícola americana ao embarcarem em disputas tarifárias com a China e outras nações.

Em agosto, Trump pediu publicamente que a China aumentasse suas compras de soja americana em um apelo direto ao líder máximo da China, Xi Jinping.

“Nossos excelentes agricultores produzem a soja mais robusta”, escreveu Trump no Truth Social, instando a China a quadruplicar seus pedidos.

A atenção da Casa Branca aumentou as esperanças dos agricultores de Dakota do Norte de que um acordo estivesse próximo. Mas nenhum progresso foi feito. Com a temporada de colheita da soja a apenas algumas semanas, eles alertam que a situação está ficando grave.

“Sinto que estamos ficando sem tempo”, disse Justin Sherlock, 37, agricultor de Dazey, Dakota do Norte.

Sherlock, que também é presidente da Associação de Produtores de Soja da Dakota do Norte, disse que os bancos locais já estavam começando a restringir as condições de empréstimo aos agricultores. Isso tornará difícil para as fazendas comprarem novos equipamentos no próximo ano, reduzindo ainda mais sua lucratividade e aumentando as chances de fechamento.

“Se não chegarmos a um acordo nas próximas semanas, acho que isso transformará o que esperamos que seja um problema de um ano em um problema de vários anos”, disse Sherlock.

Sherlock disse que o impasse era particularmente preocupante, dado que os Estados Unidos passaram 40 anos construindo sua indústria de soja tendo a China como seu maior cliente. “Vamos perder uma geração de agricultores por causa da guerra comercial? Acho que é isso que está prestes a acontecer.”

Funcionários da Casa Branca têm considerado a possibilidade de conceder ajuda federal para manter os agricultores à tona, como fizeram durante a guerra comercial de 2019.

Os principais negociadores dos EUA e da China têm se reunido regularmente este ano, depois que Trump aumentou as tarifas sobre as importações chinesas para 145%. Um acordo firmado em maio reduziu essas tarifas para 30%, mas os dois lados continuam distantes em outras áreas, como roubo de propriedade intelectual, controles de exportação de produtos americanos sensíveis, como microchips, e acesso ao mercado chinês.

“O que você está vendo com a China é que eles estão obviamente tentando mostrar sua força de uma forma que nos faça recuar”, disse Peter Navarro, assessor comercial da Casa Branca. “Entendemos o que eles estão fazendo. As negociações com eles estão em andamento.”

Dificuldade para vender 

O papel que Bessent desempenha representa um potencial conflito de interesses, dado que ele tem milhares de hectares de terras agrícolas em Dakota do Norte.

Em sua audiência de confirmação em janeiro, Bessent disse que pressionaria pessoalmente seus homólogos chineses a comprar os produtos agrícolas que eles prometeram comprar no acordo comercial que Trump assinou com a China em 2020.

O secretário do Tesouro, que observou que ouvia rádio agrícola nos fins de semana, prometeu aos legisladores que apoiaria os agricultores se os parceiros comerciais dos Estados Unidos retaliassem contra eles.

“Nossa família está envolvida no negócio agrícola, com soja e milho, então sou muito sensível a isso e estou muito atualizado”, disse Bessent. “Os agricultores americanos têm sido muito leais, 90% dos eleitores rurais votaram no presidente Trump. Portanto, eles devem saber que seus interesses são os interesses dele.”

Bessent deveria vender suas terras agrícolas este ano como parte de um acordo de ética do governo que exige que altos funcionários se desfaçam de seus ativos se seu trabalho federal puder influenciar diretamente o valor desses ativos.

O Escritório de Ética do Governo disse no mês passado que Bessent não cumpriu integralmente um acordo que exigia que ele se desfizesse de seus ativos financeiros. Em uma carta ao Comitê de Finanças do Senado, Dale Christopher, vice-diretor de conformidade do escritório de ética, acrescentou que era “responsabilidade pessoal de Bessent evitar tomar qualquer medida que pudesse criar um conflito de interesses real ou aparente em relação aos seus bens”.

Após receber a advertência, Bessent se comprometeu a cumprir integralmente seu acordo de ética até 15 de dezembro.

O Departamento do Tesouro não se pronunciou sobre se Bessent estava se recusando a participar de certos aspectos das negociações comerciais com a China. Um porta-voz disse que ele estava na fase final da venda das terras agrícolas em questão.

Corretores imobiliários e leiloeiros em Dakota do Norte afirmaram não ter conhecimento de que Bessent estava tentando vender sua propriedade, embora seja possível que ele esteja tentando fazê-lo de forma privada.

A viabilidade de vender tanta terra em pouco tempo pode depender de vários fatores, incluindo o tipo de contratos de arrendamento que Bessent tem em suas fazendas, quem opera a terra, o mercado de trabalho e se os agricultores familiares têm condições de comprar.

A rejeição da China à soja americana provavelmente está tornando mais difícil para Bessent se desfazer de suas fazendas. Embora os preços das terras agrícolas em Dakota do Norte tenham subido mais de 10% ao ano nesta década, as altas taxas de juros e a queda nos preços da soja e do milho significam que os valores das terras devem se estabilizar ou cair.

“Se eu fosse um vendedor, gostaria de colocá-las no mercado o mais rápido possível”, disse Steve Johnson, proprietário da Johnson Auction and Realty em Fargo. “Os chineses não estão comprando soja.”

Cadeia de abastecimento complicada

A perda de negócios com a China está causando perturbações em toda a cadeia de abastecimento da soja, que inclui silos, trituradores e trens que transportam os grãos por todo o país.

A menos que um acordo seja alcançado, os produtores americanos de soja serão forçados a armazenar a soja que colhem para evitar ter de vendê-la com um prejuízo enorme. Eles já estão se esforçando para encontrar armazenamento extra, como sacos plásticos brancos ou silos sobressalentes, onde a soja possa ser preservada até que o mercado se corrija.

Na Arthur Companies, que opera grandes silos de grãos em Dakota do Norte, Kevin Karel está trabalhando rapidamente para construir mais armazenamento temporário para armazenar até sete milhões de bushels de soja, que ficarão em plataformas de asfalto e serão protegidos por lonas.

Ele também espera acelerar a exportação de milho para outros países a fim de liberar mais espaço de armazenamento para a soja. Se nenhum acordo for fechado com a China, os exportadores de soja dos EUA terão de baixar os preços e torcer para que outros países se interessem em comprá-la.

“Não há substituto para a China no mercado”, disse Karel.

A China não fechou as portas para a compra de soja americana. Nas últimas semanas, autoridades chinesas visitaram Washington e Dakota do Norte para discutir a possibilidade de compras futuras.

Bill Wilson, professor de agronegócio e economia aplicada da Universidade Estadual de Dakota do Norte, disse que a China preferiria que o comércio agrícola com os Estados Unidos fosse o mais irrestrito possível, para que pudesse ter acesso à soja americana em caso de greve dos estivadores ou outra interrupção que interferisse em seus suprimentos no Brasil.

Mas parece improvável que a China abra mão de sua influência sobre os agricultores americanos, e pode não ser fácil para eles se recuperarem.

“Nunca vi uma interrupção tão monumental na agricultura como a que estamos vivendo agora”, disse Wilson, que leciona na universidade há 43 anos. “Estes são tempos turbulentos, muito turbulentos.”

Alan Rapperport – The New York Times